Nestes dias li nos jornais brasileiros que cerca de 25.000 estrangeiros que vivem clandestinamente no Brasil já se apresentaram para regularizar sua situação, graças à anistia concedida pelo governo brasileiro. Pode-se chegar a 35.000 até o final do ano, da previsão inicial de 50.000.
Quando o governo tomou essa medida vendeu-a internamente como se fosse uma coisa excepcional, como se o Brasil estivesse fazendo algo inédito. A anistia seria prova da generosidade do país, que por sua vez não é correspondida nos países mais desenvolvidos, onde os brasileiros seriam mal tratados. O mais surpreendente é que em Outubro passei uns dias por aí e encontrei muita gente que tinha acreditado nessa lorota, mesmo entre amigos normalmente bem informados.
É incrível como o brasileiro sabe pouco sobre o mundo, tem idéias distorcidas sobre o que acontece fora de suas fronteiras e acredita tão facilmente nas bobagens mais disparatadas. Não tem nem bom senso nem se dá ao trabalho de se informar para saber se está comprando gato por lebre. Sei que estou generalizando e que isso é achismo da minha parte. Também sei que cidadãos de muitos países sofrem do mesmo mal. Uma vez li até uma explicação bastante razoável para o fenômeno: seria típico de países de dimensões continentais, onde por definição o estrangeiro está fisicamente muito longe da maioria dos seus habitantes.
Quando contextualizada, a lorota da anistia perde completamente o sentido. Por exemplo, desde que moro na Europa me lembro de três grandes anistias levadas a cabo na Espanha. Menciono a Espanha porque é onde moro e minha memória está mais fresca, mas vira e mexe há algum país europeu promovendo a regularização de imigrantes ilegais. Portanto, o que o governo brasileiro está fazendo talvez seja novidade no Brasil, mas é prática comum na Europa.
A mais recente regularização de imigrantes na Espanha foi no governo Zapatero, há poucos anos. Foram regularizadas nada menos que 700.000 pessoas que estavam no país ilegalmente! Isso mesmo, 700.000, vinte vezes mais do que no Brasil. Levando em conta que a Espanha tem pouco mais do que um quinto da população brasileira, proporcionalmente a anistia espanhola foi cem vezes maior do que a brasileira. Quem disse mesmo que o primeiro mundo fecha suas portas à imigração?
Aliás, é interessante dar uma olhada nos dados publicados pela ONU no seu relatório de desenvolvimento humano de 2009, cujo tema é mobilidade humana. Segundo as Nações Unidas, a Espanha tinha 211 mil imigrantes em 1960, que correspondiam a 0,7% da sua população. Em 2005 eram 4 milhões, 608 mil, 10,7% da população. A previsão é que em 2010 sejam 6 milhões, 378 mil. Já o Brasil, esse país que tem o coração de mãe e é tão generoso, acolhendo todo mundo que deseja se mudar para lá, em 1960 tinha 1 milhão, 397 mil estrangeiros. Em 2005 eram 686 mil. Como, o número diminuiu? Exatamente, 45 anos mais tarde havia metade de estrangeiros vivendo no nosso país. De 1,9% da população brasileira os imigrantes passaram a ser apenas 0,4%.
Duas coisas ficam evidentes: primeiro, muito pouca gente quer emigrar para o Brasil. Por alguma razão deve ser, considerando que há tanta mobilidade no mundo. Aliás, nas últimas décadas o Brasil se tornou exportador líquido de população, um nome técnico feio demais que expressa o que os anglo-saxões chamam de votar com o pé: as pessoas elegem ir embora em procura de um lugar melhor para viver. Este seu servidor é um dos dois milhões de brasileiros que tomaram esta decisão (este número, por muitas razões, é difícil de confirmar - por exemplo, como contar quem tem dupla nacionalidade?).
A segunda conclusão é que, ao contrário do primeiro mundo, o Brasil não tem um problema de imigração. Aliás, não tem problema, não tem política, não tem objetivo, não tem nada. Assim é muito fácil ficar ditando regra para os países que o têm, como é notoriamente o caso da Espanha, que num período curtíssimo de tempo viu a população estrangeira aumentar exponencialmente. Por princípio, convicção e histórico sou a favor da liberdade de movimento. No entanto, qualquer pessoa razoável sabe que a capacidade dos países de absorverem imigrantes no curto e médio prazo é limitada, não é infinitamente elástica. Queria ver os políticos brasileiros defendendo as mesmas idéias se no Brasil houvesse mais de 25 milhões de imigrantes, que é o que nos deixaria numa situação comparável à da Espanha.
Todo governo acaba cansando, e o salto alto do governo Lula não é exceção. Mas se há uma área onde a visão triunfalista e auto elogiosa é totalmente injustificada, é na política externa. As patacoadas sobre a anistia aos imigrantes estrangeiros é apenas mais uma bobagem das muitas que este governo diz com relação à posição do Brasil no mundo. Surpreende que um presidente com tanto faro político e que em tantas áreas se sai tão bem se deixe aconselhar tão mal no assunto.
Nestes sete anos é longa a lista de fracassos, humilhações e vexames sofridos pelo país. Duvido que alguém consiga citar uma única coisa boa conseguida pelas Carolinas que comandam este desastre. Hoje mesmo a Folha online publica uma entrevista com o jornalista americano de origem argentino Andres Oppenheimer, do Miami Herald (www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u663607.shtml), onde ele diz com extrema perspicácia que "a política externa brasileira nos seus melhores momentos é um enigma; nos piores, uma vergonha". Mais adiante completa: "Em política externa, (o Brasil) frequentemente se parece com um país de quarto mundo". Vale a pena ler a entrevista. A política externa é de longe e por goleada a pior área do governo Lula. De fora é muito fácil ver, por mais que quem está dentro não consiga.
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
ASAMG - Os Jogos Que Faziam Falta
Na semana passada o Comitê Olímpico Internacional elegeu o Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Provavelmente foi a melhor notícia para a cidade desde que JK teve a péssima idéia de construir Brasília. A História muitas vezes é parteira de ironias: um dos poucos bons presidentes que o país produziu tomou a pior decisão da República: a transferência da capital. Os membros do COI reunidos na Dinamarca, por sua vez, tomaram outra decisão que pode marcar a reversão de cinco décadas de decadência do Rio. O mal feito por um brasileiro pode ser amenizado pela deliberação de estrangeiros.
Muitas vezes, ao longo de anos, escrevi e defendi a idéia de que o Rio de Janeiro é a marca mais conhecida do Brasil no exterior. A cidade que um dia fez sonhar o mundo inteiro. Um sinônimo um pouco difuso de uma felicidade quase que de paraíso perdido. Sempre acreditei que permitir que o Rio passasse pela longa decadência que tem passado, chegando a acumular os problemas que acumulou, era prova de imensa burrice (mais uma vez, exclusivamente nacional, de nenhuma forma imposta desde fora). O Rio de Janeiro não é só dos cariocas, é de todos os brasileiros. Os problemas deles são de todos nós. Deixar o Rio fenecer é mau para todo mundo.
Curiosamente, parecia que ninguém se importava muito. Na verdade, os próprios cariocas e fluminenses deram uma enorme mãozinha ao desastre, elegendo um atrás de outro os piores governantes possíveis. Chegou a parecer que se tratava de um caso perdido, por muito que doesse no coração de todos que gostamos da cidade e não temos problema em admitir que é o nosso mais potente cartão de visitas pelo mundo afora.
Moro em Barcelona há muitos anos. A primeira temporada que passei por cá foi logo depois dos Jogos Olímpicos de 92. Os catalães foram extremamente hábeis em aproveitar a desculpa do evento para fazer investimentos em infra-estrutura que transformaram completamente a cidade. Até então Barcelona dava as costas para o mar e o seu litoral era mais que degradado. Com a construção da vila olímpica e do anel circular, as Rondas, mudou completamente a dinâmica urbana. Muitos outros investimentos foram feitos. A qualidade de vida melhorou a olhos vista. O sucesso de uns jogos muito bem organizados fizeram o resto para ajudar a torná-la uma das cidades mais populares e agradáveis da Europa.
Para o Rio, ser eleita sede das olimpíadas pode ser o fator decisivo para as mudanças que a cidade tanto necessita. Os investimentos diretos para a realização dos jogos dinamizarão a economia local e deixarão um legado duradouro. Pode ser também a grande oportunidade para limpar a má fama adquirida nas duas últimas décadas graças aos crônicos problemas de violência urbana, pobreza e narcotráfico. O Rio pode voltar a ser, a partir de 2016, uma cidade com a qual sonhar. É uma oportunidade de ouro que esperamos seja muito bem aproveitada.
Para que isso ocorra seria necessário que os investimentos fossem muito além dos especificamente necessários para sediar as olimpíadas. A infra-estrutura da cidade ficou parada no tempo e além de se desgastar, não deu conta do aumento da população. O Rio merece ser passado a limpo com o dinheiro de todos nós. Mais que isso, seria urgente definir que papel se espera da cidade no conjunto do país. Se tivéssemos uma política urbana digna desse nome, com objetivos a longo prazo bem definidos, seria muito mais fácil decidir sobre o que deve ser feito ou não. Mesmo não a tendo, nunca é tarde para promover o debate e gerar idéias.
Na minha opinião, seria bom evitar ações que incentivassem o crescimento populacional - Rio e São Paulo precisam diminuir de tamanho, não crescer. Os investimentos relacionados com água (coleta e tratamento de esgotos, despoluição da baía da Guanabara, proteção de mananciais, etc.) deveriam ser priorizados, assim como a proteção da mata e das encostas - um tema espinhoso por causa das favelas. Também poderia ser a altura certa para recuperar a memória histórica da antiga capital do Império. A República fez de tudo para apagar os traços das décadas de monarquia, como se a mesma não fosse parte do nosso passado. Há absurdo maior do que a Quinta da Boa Vista, antiga residência do imperador, ser um museu de história natural? Quem a visita não encontra nenhuma informação sobre seu uso no século XIX. Por fim, há na cidade um exagerado contingente militar que poderia fazer sentido quando era a capital do país, mas que hoje em dia é mais que questionável.
Também acho preocupante a tendência de basear o conteúdo das mensagens relacionadas com as Olimpíadas na idéia de país do samba e do carnaval. Esse chavão tem um especial apelo no Rio. No entanto, essa imagem do Brasil está mais que ultrapassada. Seria muito melhor nós nos projetarmos como uma país solidamente democrático, em pleno desenvolvimento econômico e social e que quer ser a terra da liberdade e da natureza.
Por fim, termino este post com uma sugestão: os cariocas poderiam aproveitar a oportunidade e mudar o nome da Avenida Presidente Vargas para Avenida dos Jogos Olímpicos. Não faz o menor sentido que uma das vias principais da cidade homenageie o ditador mais cruel que o Brasil já teve. Quando acabou a ditadura na Espanha, todas as ruas e avenidas que tinham sido rebatizadas com o nome de Generalísimo Franco recuperaram seu antigo nome, como é o caso da Avenida Diagonal de Barcelona. Hoje ninguém aceitaria que uma avenida na Espanha homenageasse o antigo ditador. Porque no Brasil deve ser diferente? Homenagear Vargas é incompatível com os nossos valores e ideais democráticos. Avenida dos Jogos Olímpicos seria muito melhor. Vive les jeux e parabéns aos cariocas e ao Brasil!
Muitas vezes, ao longo de anos, escrevi e defendi a idéia de que o Rio de Janeiro é a marca mais conhecida do Brasil no exterior. A cidade que um dia fez sonhar o mundo inteiro. Um sinônimo um pouco difuso de uma felicidade quase que de paraíso perdido. Sempre acreditei que permitir que o Rio passasse pela longa decadência que tem passado, chegando a acumular os problemas que acumulou, era prova de imensa burrice (mais uma vez, exclusivamente nacional, de nenhuma forma imposta desde fora). O Rio de Janeiro não é só dos cariocas, é de todos os brasileiros. Os problemas deles são de todos nós. Deixar o Rio fenecer é mau para todo mundo.
Curiosamente, parecia que ninguém se importava muito. Na verdade, os próprios cariocas e fluminenses deram uma enorme mãozinha ao desastre, elegendo um atrás de outro os piores governantes possíveis. Chegou a parecer que se tratava de um caso perdido, por muito que doesse no coração de todos que gostamos da cidade e não temos problema em admitir que é o nosso mais potente cartão de visitas pelo mundo afora.
Moro em Barcelona há muitos anos. A primeira temporada que passei por cá foi logo depois dos Jogos Olímpicos de 92. Os catalães foram extremamente hábeis em aproveitar a desculpa do evento para fazer investimentos em infra-estrutura que transformaram completamente a cidade. Até então Barcelona dava as costas para o mar e o seu litoral era mais que degradado. Com a construção da vila olímpica e do anel circular, as Rondas, mudou completamente a dinâmica urbana. Muitos outros investimentos foram feitos. A qualidade de vida melhorou a olhos vista. O sucesso de uns jogos muito bem organizados fizeram o resto para ajudar a torná-la uma das cidades mais populares e agradáveis da Europa.
Para o Rio, ser eleita sede das olimpíadas pode ser o fator decisivo para as mudanças que a cidade tanto necessita. Os investimentos diretos para a realização dos jogos dinamizarão a economia local e deixarão um legado duradouro. Pode ser também a grande oportunidade para limpar a má fama adquirida nas duas últimas décadas graças aos crônicos problemas de violência urbana, pobreza e narcotráfico. O Rio pode voltar a ser, a partir de 2016, uma cidade com a qual sonhar. É uma oportunidade de ouro que esperamos seja muito bem aproveitada.
Para que isso ocorra seria necessário que os investimentos fossem muito além dos especificamente necessários para sediar as olimpíadas. A infra-estrutura da cidade ficou parada no tempo e além de se desgastar, não deu conta do aumento da população. O Rio merece ser passado a limpo com o dinheiro de todos nós. Mais que isso, seria urgente definir que papel se espera da cidade no conjunto do país. Se tivéssemos uma política urbana digna desse nome, com objetivos a longo prazo bem definidos, seria muito mais fácil decidir sobre o que deve ser feito ou não. Mesmo não a tendo, nunca é tarde para promover o debate e gerar idéias.
Na minha opinião, seria bom evitar ações que incentivassem o crescimento populacional - Rio e São Paulo precisam diminuir de tamanho, não crescer. Os investimentos relacionados com água (coleta e tratamento de esgotos, despoluição da baía da Guanabara, proteção de mananciais, etc.) deveriam ser priorizados, assim como a proteção da mata e das encostas - um tema espinhoso por causa das favelas. Também poderia ser a altura certa para recuperar a memória histórica da antiga capital do Império. A República fez de tudo para apagar os traços das décadas de monarquia, como se a mesma não fosse parte do nosso passado. Há absurdo maior do que a Quinta da Boa Vista, antiga residência do imperador, ser um museu de história natural? Quem a visita não encontra nenhuma informação sobre seu uso no século XIX. Por fim, há na cidade um exagerado contingente militar que poderia fazer sentido quando era a capital do país, mas que hoje em dia é mais que questionável.
Também acho preocupante a tendência de basear o conteúdo das mensagens relacionadas com as Olimpíadas na idéia de país do samba e do carnaval. Esse chavão tem um especial apelo no Rio. No entanto, essa imagem do Brasil está mais que ultrapassada. Seria muito melhor nós nos projetarmos como uma país solidamente democrático, em pleno desenvolvimento econômico e social e que quer ser a terra da liberdade e da natureza.
Por fim, termino este post com uma sugestão: os cariocas poderiam aproveitar a oportunidade e mudar o nome da Avenida Presidente Vargas para Avenida dos Jogos Olímpicos. Não faz o menor sentido que uma das vias principais da cidade homenageie o ditador mais cruel que o Brasil já teve. Quando acabou a ditadura na Espanha, todas as ruas e avenidas que tinham sido rebatizadas com o nome de Generalísimo Franco recuperaram seu antigo nome, como é o caso da Avenida Diagonal de Barcelona. Hoje ninguém aceitaria que uma avenida na Espanha homenageasse o antigo ditador. Porque no Brasil deve ser diferente? Homenagear Vargas é incompatível com os nossos valores e ideais democráticos. Avenida dos Jogos Olímpicos seria muito melhor. Vive les jeux e parabéns aos cariocas e ao Brasil!
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
ASAMG - Impostinho é Coisa de Gentinha
Está confirmado: Agosto é mesmo mês de cachorro louco. Parece que está dando tudo errado para o atual Governo: a crise política no Senado não acaba e o PT está parecendo pau de galinheiro, graças ao que tem feito em nome da governabilidade; a ex-secretária da Receita Federal confirmou no Congresso que manteve um encontro com Dilma - a ministra-canditada nega, mas essa história está cada vez mais mal contada; a crise na Receita Federal piora com pedidos massivos de demissão entre seus dirigentes (mesmo assim o Governo nega que haja crise... então tá); dois senadores abandonaram o PT, o líder no Senado disse que pedia demissão irrevogável e no fim deu volta atrás; o Senador Suplicy sobe à tribuna para fazer demagogia com cartão vermelho e acaba dando tiro no pé; Dilma não deslancha nas pesquisas e não parece estar bem de saúde (a versão oficial é de que está exausta - não surpreende, tendo em vista o tratamento que está fazendo); aliados importantes podem abandonar o barco da candidatura do PT ao Planalto, como por exemplo Ciro Gomes; dentro do próprio PT há cada vez mais vozes à procura de um plano B, caso Dilma não emplaque.
Será que é só porque é Agosto ou o Presidente Lula, apesar de toda sua popularidade e poder, está virando prematura e muito rapidamente um pato coxo (lame duck)? Este é o nome que os americanos dão ao fenômeno que acontece na reta final de governos que não podem se reeleger, quando todos se esquecem do presidente e vão cuidar da própria vida. Deve estar caindo a ficha para muita gente que falta pouco mais de um ano para as próximas eleições e não há nenhuma garantia de que os companheiros continuem no poder. Quando começa a dar aquele medinho de que estejamos próximos do fim é que há maior perigo de que se façam mais besteiras.
Uma delas está a ponto de entrar em cena: a recriação, muito piorada, do imposto do cheque. A desculpa é que falta dinheiro para a saúde, principalmente depois da gripe suína. O que fazer? Cria-se mais um imposto. No caso, um impostinho. Ressuscitar a CPMF com outro nome seria um grande erro e um passo na direção oposta ao da racionalidade tributária
Em primeiro lugar, não falta dinheiro para a saúde. O Brasil experimentou vários anos de crescimento real de arrecadação. Mesmo que em 2009 haja uma queda, sobra dinheiro para a saúde. O que não sobra é dinheiro para tudo. O que se espera de um governo é que estabeleça as prioridades ao gastar os recursos disponíveis. Uma das prioridades do governo Lula foi aumentar espetacularmente o gasto com pessoal. É normal que falte dinheiro para a saúde e outras coisas. O problema é consequencia das escolhas do próprio governo, nada mais.
Em segundo lugar, o Brasil não necessita de mais impostos. Não existe maior injustiça fiscal do que taxar mais quem não tem como fugir da tributação enquanto há tanta sonegação. A sonegação é a maior injustiça fiscal possível. Se a esquerda se preocupa tanto com a redistribuição da renda e justiça social, sua prioridade número um deveria ser o combate à sonegação. Não é o que se depreende das notícias sobre a crise na Receita Federal. Há um debate azedo sobre a fiscalização de grandes empresas. Um governo que não se disponha a fiscalizar grandes empresas em véspera de eleições não tem moral para criar mais impostos.
Há também um lado prático da questão: o que é mais fácil, controlar o pagamento de sessenta ou de vinte tributos? Fiscalizar a legalidade dos atos dos contribuintes quando há muitas ou poucas regras de isenção? Muitas ou poucas alíquotas? O maior problema do sistema tributário brasileiro é que é um monstrengo irracional. Diminuir o número de impostos, de alíquotas e de isenções facilitaria imensamente a vida de quem tem que pagar e de quem tem que receber. Facilitaria o controle, aumentaria a transparência e deveria diminuir a sonegação. A recente diminuição do IPI sobre alguns bens também demonstrou sem sombra de dúvida que com menos impostos a economia pode crescer mais. Menos impostos pode significar maior crescimento; se ao mesmo tempo houver menos sonegação, menos impostos pode se traduzir em maior arrecadação. Simple comme bonjour!
Nada disso é novidade. O próprio Ministério da Fazenda fez um excelente trabalho para propor uma reforma fiscal cujo único problema era ser tímida e lenta demais. Que o nosso sistema tributário é péssimo é sabido por todo mundo. Que a reforma fiscal é uma necessidade urgente também. Não fazê-la é uma imensa burrice. Trava o crescimento do país e indiretamente ajuda a manter parte da sonegação. Criar mais impostos nesta altura do campeonato é adicionar cretinice à estupidez. Impostinho é coisa de gentinha com titica na cabeça. Deveríamos todos dizer em alto e bom som: nenhum imposto a mais!
E ainda tem idiota que pensa que o Brasil é atrasado por culpa dos países imperialistas do primeiro mundo que nos exploram. Se não somos mais desenvolvidos, em grande parte a culpa é exclusivamente nossa!
Será que é só porque é Agosto ou o Presidente Lula, apesar de toda sua popularidade e poder, está virando prematura e muito rapidamente um pato coxo (lame duck)? Este é o nome que os americanos dão ao fenômeno que acontece na reta final de governos que não podem se reeleger, quando todos se esquecem do presidente e vão cuidar da própria vida. Deve estar caindo a ficha para muita gente que falta pouco mais de um ano para as próximas eleições e não há nenhuma garantia de que os companheiros continuem no poder. Quando começa a dar aquele medinho de que estejamos próximos do fim é que há maior perigo de que se façam mais besteiras.
Uma delas está a ponto de entrar em cena: a recriação, muito piorada, do imposto do cheque. A desculpa é que falta dinheiro para a saúde, principalmente depois da gripe suína. O que fazer? Cria-se mais um imposto. No caso, um impostinho. Ressuscitar a CPMF com outro nome seria um grande erro e um passo na direção oposta ao da racionalidade tributária
Em primeiro lugar, não falta dinheiro para a saúde. O Brasil experimentou vários anos de crescimento real de arrecadação. Mesmo que em 2009 haja uma queda, sobra dinheiro para a saúde. O que não sobra é dinheiro para tudo. O que se espera de um governo é que estabeleça as prioridades ao gastar os recursos disponíveis. Uma das prioridades do governo Lula foi aumentar espetacularmente o gasto com pessoal. É normal que falte dinheiro para a saúde e outras coisas. O problema é consequencia das escolhas do próprio governo, nada mais.
Em segundo lugar, o Brasil não necessita de mais impostos. Não existe maior injustiça fiscal do que taxar mais quem não tem como fugir da tributação enquanto há tanta sonegação. A sonegação é a maior injustiça fiscal possível. Se a esquerda se preocupa tanto com a redistribuição da renda e justiça social, sua prioridade número um deveria ser o combate à sonegação. Não é o que se depreende das notícias sobre a crise na Receita Federal. Há um debate azedo sobre a fiscalização de grandes empresas. Um governo que não se disponha a fiscalizar grandes empresas em véspera de eleições não tem moral para criar mais impostos.
Há também um lado prático da questão: o que é mais fácil, controlar o pagamento de sessenta ou de vinte tributos? Fiscalizar a legalidade dos atos dos contribuintes quando há muitas ou poucas regras de isenção? Muitas ou poucas alíquotas? O maior problema do sistema tributário brasileiro é que é um monstrengo irracional. Diminuir o número de impostos, de alíquotas e de isenções facilitaria imensamente a vida de quem tem que pagar e de quem tem que receber. Facilitaria o controle, aumentaria a transparência e deveria diminuir a sonegação. A recente diminuição do IPI sobre alguns bens também demonstrou sem sombra de dúvida que com menos impostos a economia pode crescer mais. Menos impostos pode significar maior crescimento; se ao mesmo tempo houver menos sonegação, menos impostos pode se traduzir em maior arrecadação. Simple comme bonjour!
Nada disso é novidade. O próprio Ministério da Fazenda fez um excelente trabalho para propor uma reforma fiscal cujo único problema era ser tímida e lenta demais. Que o nosso sistema tributário é péssimo é sabido por todo mundo. Que a reforma fiscal é uma necessidade urgente também. Não fazê-la é uma imensa burrice. Trava o crescimento do país e indiretamente ajuda a manter parte da sonegação. Criar mais impostos nesta altura do campeonato é adicionar cretinice à estupidez. Impostinho é coisa de gentinha com titica na cabeça. Deveríamos todos dizer em alto e bom som: nenhum imposto a mais!
E ainda tem idiota que pensa que o Brasil é atrasado por culpa dos países imperialistas do primeiro mundo que nos exploram. Se não somos mais desenvolvidos, em grande parte a culpa é exclusivamente nossa!
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
ASAMG - Só Mais 500 Dias
Há duas semanas jantei com o mesmo amigo do post anterior. Desta vez foi no "Alcântara Café", em Lisboa. No dia seguinte eu partia para uma semana de férias na Suécia, dois dias depois ele voltava para o Brasil. Foi um jantar descontraído, no qual falamos sobre comida, vinhos, suas impressões sobre Portugal e, como não podia deixar de ser, política.
Comentamos a provável candidatura da ministra Dilma à Presidência da República. Nas cinco eleições diretas desde a constituição de 88, o candidato do PT sempre foi o Lula. Desta vez ele não pode concorrer. Aí mora o perigo, pois o Lula é imensamente melhor e maior do que o PT. Além disso, a busca de um candidato poderia gerar uma guerra entre as várias correntes e facções que co-habitam no partido.
Lula não é culto (ao menos se é não o demonstra), mas parece ser muito inteligente; e é inegável que tem um imenso talento político. Nos seus dois mandatos evitou todos os conflitos que pôde, o que ajuda a explicar parte da popularidade que tem. É uma pena para o Brasil, pois deixou passar talvez nossa melhor oportunidade de fazer as reformas que são tão necessárias para o país. Mas fazer reformas implica mudanças, entrar em conflito com interesses estabelecidos, e disso ele fugiu como o diabo da cruz.
Apesar da popularidade, Lula conhece os limites do que pode fazer. Não tentou aprovar uma emenda constitucional permitindo candidatar-se a mais um mandato. É uma prova não da sua integridade democrática, que não discuto, mas do seu talento político: se a CPMF foi derrubada no Senado, uma emenda da re-reeleição poderia ter o mesmo destino. Provavelmente teria. Era um risco grande demais para correr. Conhecendo seu partido, optou por uma jogada imensamente arriscada, do tipo tudo ou nada, mas que ainda pode dar certo: impor um candidato da sua escolha para as próximas eleições presidenciais e ao mesmo tempo debelar qualquer foco de resistência. O resto era fazer a máquina do governo funcionar a favor do partido da situação, como todo mundo faz.
No jantar em Lisboa meu amigo e eu discutimos muito sobre os prós e contras dessa estratégia. Ele me contou de descontentamentos dentro do PT que, de longe e pela imprensa, na verdade não dá para perceber. Mais ainda quando a ministra ficou doente. Apesar de toda a campanha que vão fazer para dizer que a doença está superada, a verdade é que mesmo que esteja curada, o risco de Dilma voltar a ter problemas de saúde é muito maior do que para alguém que nunca tenha tido câncer. Há um risco grande de volta da doença, que costuma ser durante os primeiros seis meses depois da quimioterapia, e há um risco de médio prazo que é durante os cinco anos depois da "cura". Em ambos casos, o timing é o pior possível: ter uma recaída durante a campanha eleitoral não mataria a candidata, mas provavelmente sim sua candidatura. Se eleita, uma recaída durante o mandato poria o país nas mãos do vice-presidente. Melhor que o candidato seja escolhido a dedo.
Como se não bastassem estes problemas, nos últimos dias surgiram dois fatores novos que vão mudar muito o cenário eleitoral. O primeiro e mais importante é a provável candidatura da ex-ministra e senadora Marina Silva pelo PV, com eventual apoio do PSOL. Esta candidatura não só tem potencial para crescer e portanto ajudar a provocar um segundo turno nas eleições, como pode ter o excelente efeito de trazer os temas ecológicos para o debate presidencial. Está mais do que na hora de debatermos assuntos urgentes, como o tamanho excessivo das nossas metrópoles, a falta de uma política urbana, o saneamento básico, o tratamento das águas e uma política séria de mananciais e despoluição dos nossos rios, além de um longo etecétera. Esperemos que o debate verde não se restrinja aos micro-temas preservacionistas e seja feito com os pés no chão.
Tampouco parece que a candidatura artificial do Ciro Gomes ao governo de São Paulo vá dar certo. Ele parece mais inclinado a concorrer para o Planalto. Se assim for, dificultará muito as coisas para o PT e pode até precipitar que a Geni da política brasileira o apóie ao invés de fazer uma grande coalizão nacional com o partido do Lula.
No último fim de semana o data-folha publicou pesquisa de intenção de voto para as eleições do ano que vem. Uma eleição que tivesse Serra, Dilma, Ciro e Marina concorrendo muito provavelmente iria para segundo turno. Ouso até a fazer uma aposta: o tira teima poderia ser entre Serra e Ciro, não o plebiscito que o presidente tanto deseja. Não há nada assegurado sobre quem será o próximo presidente. O melhor seria tentar assegurar que seu programa de governo fosse aquele que o país precisa. Seja quem for o eleito, só faltam 500 dias para o novo governo começar.
Comentamos a provável candidatura da ministra Dilma à Presidência da República. Nas cinco eleições diretas desde a constituição de 88, o candidato do PT sempre foi o Lula. Desta vez ele não pode concorrer. Aí mora o perigo, pois o Lula é imensamente melhor e maior do que o PT. Além disso, a busca de um candidato poderia gerar uma guerra entre as várias correntes e facções que co-habitam no partido.
Lula não é culto (ao menos se é não o demonstra), mas parece ser muito inteligente; e é inegável que tem um imenso talento político. Nos seus dois mandatos evitou todos os conflitos que pôde, o que ajuda a explicar parte da popularidade que tem. É uma pena para o Brasil, pois deixou passar talvez nossa melhor oportunidade de fazer as reformas que são tão necessárias para o país. Mas fazer reformas implica mudanças, entrar em conflito com interesses estabelecidos, e disso ele fugiu como o diabo da cruz.
Apesar da popularidade, Lula conhece os limites do que pode fazer. Não tentou aprovar uma emenda constitucional permitindo candidatar-se a mais um mandato. É uma prova não da sua integridade democrática, que não discuto, mas do seu talento político: se a CPMF foi derrubada no Senado, uma emenda da re-reeleição poderia ter o mesmo destino. Provavelmente teria. Era um risco grande demais para correr. Conhecendo seu partido, optou por uma jogada imensamente arriscada, do tipo tudo ou nada, mas que ainda pode dar certo: impor um candidato da sua escolha para as próximas eleições presidenciais e ao mesmo tempo debelar qualquer foco de resistência. O resto era fazer a máquina do governo funcionar a favor do partido da situação, como todo mundo faz.
No jantar em Lisboa meu amigo e eu discutimos muito sobre os prós e contras dessa estratégia. Ele me contou de descontentamentos dentro do PT que, de longe e pela imprensa, na verdade não dá para perceber. Mais ainda quando a ministra ficou doente. Apesar de toda a campanha que vão fazer para dizer que a doença está superada, a verdade é que mesmo que esteja curada, o risco de Dilma voltar a ter problemas de saúde é muito maior do que para alguém que nunca tenha tido câncer. Há um risco grande de volta da doença, que costuma ser durante os primeiros seis meses depois da quimioterapia, e há um risco de médio prazo que é durante os cinco anos depois da "cura". Em ambos casos, o timing é o pior possível: ter uma recaída durante a campanha eleitoral não mataria a candidata, mas provavelmente sim sua candidatura. Se eleita, uma recaída durante o mandato poria o país nas mãos do vice-presidente. Melhor que o candidato seja escolhido a dedo.
Como se não bastassem estes problemas, nos últimos dias surgiram dois fatores novos que vão mudar muito o cenário eleitoral. O primeiro e mais importante é a provável candidatura da ex-ministra e senadora Marina Silva pelo PV, com eventual apoio do PSOL. Esta candidatura não só tem potencial para crescer e portanto ajudar a provocar um segundo turno nas eleições, como pode ter o excelente efeito de trazer os temas ecológicos para o debate presidencial. Está mais do que na hora de debatermos assuntos urgentes, como o tamanho excessivo das nossas metrópoles, a falta de uma política urbana, o saneamento básico, o tratamento das águas e uma política séria de mananciais e despoluição dos nossos rios, além de um longo etecétera. Esperemos que o debate verde não se restrinja aos micro-temas preservacionistas e seja feito com os pés no chão.
Tampouco parece que a candidatura artificial do Ciro Gomes ao governo de São Paulo vá dar certo. Ele parece mais inclinado a concorrer para o Planalto. Se assim for, dificultará muito as coisas para o PT e pode até precipitar que a Geni da política brasileira o apóie ao invés de fazer uma grande coalizão nacional com o partido do Lula.
No último fim de semana o data-folha publicou pesquisa de intenção de voto para as eleições do ano que vem. Uma eleição que tivesse Serra, Dilma, Ciro e Marina concorrendo muito provavelmente iria para segundo turno. Ouso até a fazer uma aposta: o tira teima poderia ser entre Serra e Ciro, não o plebiscito que o presidente tanto deseja. Não há nada assegurado sobre quem será o próximo presidente. O melhor seria tentar assegurar que seu programa de governo fosse aquele que o país precisa. Seja quem for o eleito, só faltam 500 dias para o novo governo começar.
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
ASAMG - Bases Americanas na Colômbia
Um grande amigo está me visitando aqui em Portugal. Normalmente é um enorme prazer conversar com ele, porque além de muito bem informado é inteligente e sagaz. Por vezes discordamos em um ou outro assunto, mas em geral nossa percepção do mundo não é muito diferente.
Sábado passado, almoçando no restaurante "Cafeína" no Porto, entramos numa trajetória de colisão que poderia ter estragado nosso almoço. Como nenhum dos dois tem vinte e poucos anos, rapidamente desviamos o rumo da conversa para temas mais amenos. Evitamos o desastre. Que assunto era este que poderia ter levado a uma discussão emocional e acalorada? A instalação das bases militares americanas na Colômbia.
Já tinha lido alguma coisa a respeito na imprensa, mas na verdade não tinha dado a menor importância. Achava que os protestos eram os de costume da esquerda Carolina, que é contra qualquer coisa que seja americana. Naquele início de discussão percebi que era muito mais que isso: alergia aos americanos tornada questão nacional e de princípios. Entre seus argumentos, meu amigo disse que não eram só os idiotas de sempre que estavam protestando, que muita gente no Brasil se opunha. Sabendo-me um admirador do FHC, disse que até ele era contra. Bueno, não me rendo tão facilmente ao argumento da autoridade. Se o Fernando Henrique realmente é contra, então acho que ele se equivoca, e não que tenha razão.
Meu último comentário sobre o assunto foi uma constatação com sabor amargo. Disse-lhe: "Por isso que não posso voltar a viver no Brasil. Minha vida ia ser um inferno, o tempo todo estaria me chocando contra uma mentalidade provinciana que abomino." E completei que me sentia muito à vontade para defender o uso das bases porque, não sendo anti-americano de carteirinha, costumo ser muito crítico com as ações dos EEUU no mundo.
Durante esta semana li tudo que pude sobre este tema. Há muito jogo de cena, de lado a lado gente com agenda oculta dizendo o que convém e não a verdade. O mais incrível dos argumentos é o de que o uso das bases por parte de tropas americanas desestabilizaria a América do Sul, seria uma ameaça e poderia inclusive derivar num conflito armado. Ora bem, comecemos exatamente por aí: qual é e tem sido, nos últimos anos, o maior fator de desestabilização na América do Sul? Quem faz ameaças militares? Quem mobiliza tropas na fronteira? Quem tem usado o dinheiro da bonança do petróleo para comprar armas e reequipar seu exército? Quem está criando em seu país um exército paralelo para defender sua revolução? Que governo vai ter sérios problemas econômicos e poderia buscar a via de escape em um conflito militar? Quem apóia desavergonhadamente grupos guerrilheiros que atuam em país vizinho? Essa é a maior ameaça para a América do Sul e todas estas perguntas apontam numa mesma direção: Venezuela.
Por seu lado, a Colômbia tem sido desgraçada durante décadas pela guerrilha esquerdista, pela reação paramilitar e pelo narcotráfico. Se não fosse problema suficiente, tem um vizinho mais que incômodo e que se torna uma ameaça cada dia maior e cada vez mais concreta. Portanto, deixar os americanos usarem suas bases nada mais é que uma medida preventiva, dissuasória. Chávez poderia buscar uma desculpa para criar um conflito com a Colômbia. Nos últimos anos não se cansou de ensaiá-lo. Mas se os americanos estiverem por lá, provavelmente nem ele é tão irresponsável a ponto de embarcar neste tipo de aventura.
Portanto, não é de se estranhar que o presidente Chávez seja quem mais protesta. Ele e seus aliados diretos. São claramente perdedores nesta história. Mas e porque um governo como o Brasileiro também é contra? Porque é um enorme fracasso na política externa do presidente Lula, mais um de uma longa lista. O governo brasileiro tem tentado projetar a imagem de líder soft da América do Sul. Para consegui-lo, não pára de engolir sapos dos companheiros esquerdistas, os presidentes da Venezuela, Equador, Bolívia ou mesmo Argentina. Ao pôr panos quentes nas bobagens bolivarianas, acaba criando desconfiança por parte da Colômbia. Surpreende que eles se sintam mais à vontade com a proteção dos Estados Unidos? Parece-me que não, mas ao fazê-lo, vai por água abaixo não só a unidade sul americana, como a pretensa liderança da diplomacia brasileira. Mais uma vez, em política internacional o Brasil fica nu.
Álvaro Uribe é o maior estadista que a América Latina produziu em muitas décadas. Ele conseguiu a proeza de regatar seu país, até pouco tempo refém de banditismos vários. Onde num passado recente reinavam a violência e o desespero, hoje há progresso e esperança. É possível que em vinte anos a Colômbia se torne um país tão próspero quanto a Espanha. Já a Venezuela e satélites, em vinte anos estarão pagando caro os desvarios bolivarianos.
São dois modelos completamente diferentes de país e sociedade. Incompatíveis entre si. Não dá para ficar em cima do muro. Quanto a mim, tenho muito claro de que lado estou. Por isso sou a favor das bases americanas na Colômbia.
Sábado passado, almoçando no restaurante "Cafeína" no Porto, entramos numa trajetória de colisão que poderia ter estragado nosso almoço. Como nenhum dos dois tem vinte e poucos anos, rapidamente desviamos o rumo da conversa para temas mais amenos. Evitamos o desastre. Que assunto era este que poderia ter levado a uma discussão emocional e acalorada? A instalação das bases militares americanas na Colômbia.
Já tinha lido alguma coisa a respeito na imprensa, mas na verdade não tinha dado a menor importância. Achava que os protestos eram os de costume da esquerda Carolina, que é contra qualquer coisa que seja americana. Naquele início de discussão percebi que era muito mais que isso: alergia aos americanos tornada questão nacional e de princípios. Entre seus argumentos, meu amigo disse que não eram só os idiotas de sempre que estavam protestando, que muita gente no Brasil se opunha. Sabendo-me um admirador do FHC, disse que até ele era contra. Bueno, não me rendo tão facilmente ao argumento da autoridade. Se o Fernando Henrique realmente é contra, então acho que ele se equivoca, e não que tenha razão.
Meu último comentário sobre o assunto foi uma constatação com sabor amargo. Disse-lhe: "Por isso que não posso voltar a viver no Brasil. Minha vida ia ser um inferno, o tempo todo estaria me chocando contra uma mentalidade provinciana que abomino." E completei que me sentia muito à vontade para defender o uso das bases porque, não sendo anti-americano de carteirinha, costumo ser muito crítico com as ações dos EEUU no mundo.
Durante esta semana li tudo que pude sobre este tema. Há muito jogo de cena, de lado a lado gente com agenda oculta dizendo o que convém e não a verdade. O mais incrível dos argumentos é o de que o uso das bases por parte de tropas americanas desestabilizaria a América do Sul, seria uma ameaça e poderia inclusive derivar num conflito armado. Ora bem, comecemos exatamente por aí: qual é e tem sido, nos últimos anos, o maior fator de desestabilização na América do Sul? Quem faz ameaças militares? Quem mobiliza tropas na fronteira? Quem tem usado o dinheiro da bonança do petróleo para comprar armas e reequipar seu exército? Quem está criando em seu país um exército paralelo para defender sua revolução? Que governo vai ter sérios problemas econômicos e poderia buscar a via de escape em um conflito militar? Quem apóia desavergonhadamente grupos guerrilheiros que atuam em país vizinho? Essa é a maior ameaça para a América do Sul e todas estas perguntas apontam numa mesma direção: Venezuela.
Por seu lado, a Colômbia tem sido desgraçada durante décadas pela guerrilha esquerdista, pela reação paramilitar e pelo narcotráfico. Se não fosse problema suficiente, tem um vizinho mais que incômodo e que se torna uma ameaça cada dia maior e cada vez mais concreta. Portanto, deixar os americanos usarem suas bases nada mais é que uma medida preventiva, dissuasória. Chávez poderia buscar uma desculpa para criar um conflito com a Colômbia. Nos últimos anos não se cansou de ensaiá-lo. Mas se os americanos estiverem por lá, provavelmente nem ele é tão irresponsável a ponto de embarcar neste tipo de aventura.
Portanto, não é de se estranhar que o presidente Chávez seja quem mais protesta. Ele e seus aliados diretos. São claramente perdedores nesta história. Mas e porque um governo como o Brasileiro também é contra? Porque é um enorme fracasso na política externa do presidente Lula, mais um de uma longa lista. O governo brasileiro tem tentado projetar a imagem de líder soft da América do Sul. Para consegui-lo, não pára de engolir sapos dos companheiros esquerdistas, os presidentes da Venezuela, Equador, Bolívia ou mesmo Argentina. Ao pôr panos quentes nas bobagens bolivarianas, acaba criando desconfiança por parte da Colômbia. Surpreende que eles se sintam mais à vontade com a proteção dos Estados Unidos? Parece-me que não, mas ao fazê-lo, vai por água abaixo não só a unidade sul americana, como a pretensa liderança da diplomacia brasileira. Mais uma vez, em política internacional o Brasil fica nu.
Álvaro Uribe é o maior estadista que a América Latina produziu em muitas décadas. Ele conseguiu a proeza de regatar seu país, até pouco tempo refém de banditismos vários. Onde num passado recente reinavam a violência e o desespero, hoje há progresso e esperança. É possível que em vinte anos a Colômbia se torne um país tão próspero quanto a Espanha. Já a Venezuela e satélites, em vinte anos estarão pagando caro os desvarios bolivarianos.
São dois modelos completamente diferentes de país e sociedade. Incompatíveis entre si. Não dá para ficar em cima do muro. Quanto a mim, tenho muito claro de que lado estou. Por isso sou a favor das bases americanas na Colômbia.
quinta-feira, 30 de julho de 2009
ASAMG - Não quer que eu volte!
Tem dias que acordo com síndrome de Sebá. Gente da minha geração ainda se lembra do Jô Soares no papel do último exilado brasileiro em Paris, que toda semana ligava para sua amada Madalena, quem lhe contava as novidades do Patropi - ou será melhor dizer Bananão? Diante dos absurdos que Madá contava, Sebá chegava à conclusão que ela só poderia estar mentindo, teria arrumado um amante. "Amancebou-se, não quer que eu volte", era o mote do incrédulo Sebá. Nos tempos atuais, ao Jô não faltaria assunto para os telefonemas de Sebá.
Pois, quem te viu e quem te vê. Lula defendendo Sarney com unhas e dentes. Sarney, este grande democrata! Será que Lula se esqueceu que durante a ditadura Sarney era o presidente da ARENA, o partido dos militares? E se não bastasse este estranho amor, agora na tropa de choque do lulismo aparece um novo aliado: ninguém menos que o ex presidente que tem (ou tinha?) aquilo roxo. Dom Fernandinho. Lula tem um projeto político, que nem sequer é um projeto de país, e está disposto a vender a alma ao diabo com o fim de manter o poder. Está pressionando seu partido para fazer todas as alianças que forem necessárias com o intuito de eleger sua candidata à sucessão. Compatibilidade ideológica? Quem está interessado nisso?
Às vezes chego a ter pena de amigos petistas, gente do bem e idealista, que realmente sonhou com um país melhor e acreditou na balela de que os políticos do Partido dos Trabalhadores seriam anjos, gente desinteressada, abnegada e incorruptível. Essa gente tem passado por cada saia justa, que dá dó. Quer dizer que agora o PT não tem um nome para lançar como candidato a governador em São Paulo e portanto deve apoiar o Ciro Gomes, um político de fora do estado e totalmente alheio à sua política? O PT paulista não tem gente à altura? A que ponto chegamos - melhor dito, a que ponto chegaram!
No meio disso tudo chega a ser deprimente ver o papel que o partido da oposição ao regime militar tem desempenhado. Virou um partido sem programa, só com interesses pessoais. É o partido disposto a apoiar qualquer um que esteja no poder, com o fim único de garantir o seu. Virou a Geni da política brasileira, o partido que dá para qualquer um. O que não entendo é que ainda haja eleitores que votem nesta gente.
Todos os dias há denúncias de escândalos, desmandos, nepotismo. É bom que haja denúncias e nem sequer significa que haja mais malfeitoria - de entrada só quer dizer que há maior visibilidade no que está mal. O duro não são as denúncias, é a banalização do mal. É não querer que a CPI da Petrobrás funcione, como se uma CPI dessas fosse algo anti-patriótico. Quem disse que a Petrobrás e os seus dirigentes estão acima do bem e do mal? E quando vai haver uma explicação convincente para o recente afastamento da responsável pela Receita Federal? Nos jornais lê-se especulações que ela teria sido afastada porque quis fiscalizar a Petrobrás e outras grandes empresas com mais rigor. Um ano e pouco antes das eleições, não convinha fiscalizar as empresas que também serão os grandes doadores para a campanha eleitoral. Será esta a verdade?
O mais incrível é quem tenta explicar o inexplicável. De porque os escândalos no Senado não são nada, de porque a aliança com o PMDB é fundamental, porque Ciro Gomes é uma boa opção para São Paulo e um longo etcetera. Na época do mensalão nem a musa filósofa da esquerda brasileira teve vergonha de dizer as mais disparatadas asneiras para defender o indefensável. Até dizer que quando o Lula fala o mundo se ilumina ela disse. Merecidamente em certos círculos a companheira-filósofa foi rebatizada de Maria Emília, a segunda marquesa de Rabicó. Uma justa homenagem à personagem do Monteiro Lobato.
Cazuza foi um visionário quando cantou que "transformam o país inteiro num puteiro, porque assim se ganha mais dinheiro". É, há muitas piscinas cheias de ratos, muitas idéias que não correspondem aos fatos. Só nos resta esperar que os eleitores ponham todas estas damas e cavalheiros nos seus devidos lugares. Já o Sebá coitado, se ainda estiver vivo e em Paris, continuará dizendo:
"Amancebou-se!"
Pois, quem te viu e quem te vê. Lula defendendo Sarney com unhas e dentes. Sarney, este grande democrata! Será que Lula se esqueceu que durante a ditadura Sarney era o presidente da ARENA, o partido dos militares? E se não bastasse este estranho amor, agora na tropa de choque do lulismo aparece um novo aliado: ninguém menos que o ex presidente que tem (ou tinha?) aquilo roxo. Dom Fernandinho. Lula tem um projeto político, que nem sequer é um projeto de país, e está disposto a vender a alma ao diabo com o fim de manter o poder. Está pressionando seu partido para fazer todas as alianças que forem necessárias com o intuito de eleger sua candidata à sucessão. Compatibilidade ideológica? Quem está interessado nisso?
Às vezes chego a ter pena de amigos petistas, gente do bem e idealista, que realmente sonhou com um país melhor e acreditou na balela de que os políticos do Partido dos Trabalhadores seriam anjos, gente desinteressada, abnegada e incorruptível. Essa gente tem passado por cada saia justa, que dá dó. Quer dizer que agora o PT não tem um nome para lançar como candidato a governador em São Paulo e portanto deve apoiar o Ciro Gomes, um político de fora do estado e totalmente alheio à sua política? O PT paulista não tem gente à altura? A que ponto chegamos - melhor dito, a que ponto chegaram!
No meio disso tudo chega a ser deprimente ver o papel que o partido da oposição ao regime militar tem desempenhado. Virou um partido sem programa, só com interesses pessoais. É o partido disposto a apoiar qualquer um que esteja no poder, com o fim único de garantir o seu. Virou a Geni da política brasileira, o partido que dá para qualquer um. O que não entendo é que ainda haja eleitores que votem nesta gente.
Todos os dias há denúncias de escândalos, desmandos, nepotismo. É bom que haja denúncias e nem sequer significa que haja mais malfeitoria - de entrada só quer dizer que há maior visibilidade no que está mal. O duro não são as denúncias, é a banalização do mal. É não querer que a CPI da Petrobrás funcione, como se uma CPI dessas fosse algo anti-patriótico. Quem disse que a Petrobrás e os seus dirigentes estão acima do bem e do mal? E quando vai haver uma explicação convincente para o recente afastamento da responsável pela Receita Federal? Nos jornais lê-se especulações que ela teria sido afastada porque quis fiscalizar a Petrobrás e outras grandes empresas com mais rigor. Um ano e pouco antes das eleições, não convinha fiscalizar as empresas que também serão os grandes doadores para a campanha eleitoral. Será esta a verdade?
O mais incrível é quem tenta explicar o inexplicável. De porque os escândalos no Senado não são nada, de porque a aliança com o PMDB é fundamental, porque Ciro Gomes é uma boa opção para São Paulo e um longo etcetera. Na época do mensalão nem a musa filósofa da esquerda brasileira teve vergonha de dizer as mais disparatadas asneiras para defender o indefensável. Até dizer que quando o Lula fala o mundo se ilumina ela disse. Merecidamente em certos círculos a companheira-filósofa foi rebatizada de Maria Emília, a segunda marquesa de Rabicó. Uma justa homenagem à personagem do Monteiro Lobato.
Cazuza foi um visionário quando cantou que "transformam o país inteiro num puteiro, porque assim se ganha mais dinheiro". É, há muitas piscinas cheias de ratos, muitas idéias que não correspondem aos fatos. Só nos resta esperar que os eleitores ponham todas estas damas e cavalheiros nos seus devidos lugares. Já o Sebá coitado, se ainda estiver vivo e em Paris, continuará dizendo:
"Amancebou-se!"
sexta-feira, 3 de julho de 2009
ASAMG - O País do Futuro II
Na semana passada argumentava que ao Brasil falta uma visão de futuro. Durante muito tempo nós nos vimos e fomos vistos como o país do samba e do futebol. É uma visão simpática, mas que não trouxe nem desenvolvimento nem felicidade. É uma concepção de país ultrapassada. Podemos e devemos aspirar a muito mais.
Como queremos chegar ao ano 2050? Pensar nesta pergunta e respondê-la é um primeiro passo para desenvolver uma nova visão. Há respostas que são óbvias, como dizer que queremos ser um país desenvolvido, rico ou justo. Mas são genéricas demais, basicamente porque isso todo mundo quer. Uma visão deve ao mesmo tempo explicitar o que consideramos mais importante e o que nos diferenciaria dos demais países.
Talvez seja mais fácil começar pelo que não seremos em 2050, ou por não podermos ou por não querermos: não seremos o país mais rico do mundo, por nenhum critério, porque não há possibilidade real de crescer suficientemente mais rápido que aqueles que já estão à nossa frente a ponto de ultrapassá-los; tampouco seremos a maior potência militar; talvez fosse possível almejar ser a maior potência militar da América Latina ou até do Hemisfério Sul, mas que vantagem Maria levaria? Dificilmente seremos o maior pólo cultural do planeta ou um líder tecnológico.
Se é assim, a que podemos aspirar? Desde logo, podemos construir sobre as bases que já temos. Uma vez li uma entrevista do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na qual afirmava que a grande bandeira da sua geração foi a democracia. Essa seria uma boa base para começar. O Brasil não deveria nunca renunciar a ser uma nação democrática. Ao contrário, temos tudo para aspirar a ser um dos países mais democráticos do mundo. Há muito que pode ser melhorado na nossa democracia, mas hoje ela já está bastante bem estabelecida. Defender os princípios democráticos como um valor irrenunciável e promover as reformas que melhorem o seu funcionamento deveriam ser parte de nossa visão para o ano 2050.
Outra base muito sólida é a nossa economia. Nos últimos vinte anos superamos muito do besteirol dos anos cinqüenta e sessenta do século passado que impediam o país de crescer. Hoje temos estabilidade e um sistema capitalista que funciona cada vez melhor. Apostar no desenvolvimento através do funcionamento do capitalismo, com todas as suas conseqüências, pode ser também uma maneira de conseguir o crescimento acelerado que permita dar grandes saltos nas questões sociais e no desenvolvimento humano. Não é mera coincidência que todas as nações mais desenvolvidas do mundo sejam capitalistas. Nós deveríamos deixar de hesitar em dar também este passo.
Por fim há algo que diferencia o Brasil de todos os demais países: a floresta amazônica. É um patrimônio que temos que defender como nosso e ao mesmo tempo saber explorar inteligentemente. Isso implica uma preocupação ecológica que pode e deve ser estendida a todo o país. Não vejo porque não podemos aspirar a ser vanguarda na preservação do meio ambiente. Podemos querer crescer e ser ricos e ao mesmo tempo fazê-lo de forma sustentável. Não tem sido a nossa história e mudar nosso comportamento tem custos, o primeiro deles econômico, mas tem também benefícios, principalmente a longo prazo.
Se me perguntassem qual é a minha visão para o Brasil no ano 2050, diria sem titubear: gostaria que nós fôssemos a maior e mais ecológica democracia capitalista do planeta. Que deixássemos de ser o país do samba e futebol e passássemos a ser o país da liberdade e da natureza. Com essa visão definida, depois o resto é conseqüência: os valores básicos, as prioridades, o modelo de desenvolvimento. Seria muito mais simples articular projetos de longo prazo que fossem coerentes entre si e que nos levassem ao objetivo final.
Pela minha idade, é possível que ainda esteja vivo quando chegarmos à metade deste século. Ficaria feliz se o Brasil tivesse esta face. Também morreria mais otimista com o legado da minha geração. Qui vivra, verra!
Como queremos chegar ao ano 2050? Pensar nesta pergunta e respondê-la é um primeiro passo para desenvolver uma nova visão. Há respostas que são óbvias, como dizer que queremos ser um país desenvolvido, rico ou justo. Mas são genéricas demais, basicamente porque isso todo mundo quer. Uma visão deve ao mesmo tempo explicitar o que consideramos mais importante e o que nos diferenciaria dos demais países.
Talvez seja mais fácil começar pelo que não seremos em 2050, ou por não podermos ou por não querermos: não seremos o país mais rico do mundo, por nenhum critério, porque não há possibilidade real de crescer suficientemente mais rápido que aqueles que já estão à nossa frente a ponto de ultrapassá-los; tampouco seremos a maior potência militar; talvez fosse possível almejar ser a maior potência militar da América Latina ou até do Hemisfério Sul, mas que vantagem Maria levaria? Dificilmente seremos o maior pólo cultural do planeta ou um líder tecnológico.
Se é assim, a que podemos aspirar? Desde logo, podemos construir sobre as bases que já temos. Uma vez li uma entrevista do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na qual afirmava que a grande bandeira da sua geração foi a democracia. Essa seria uma boa base para começar. O Brasil não deveria nunca renunciar a ser uma nação democrática. Ao contrário, temos tudo para aspirar a ser um dos países mais democráticos do mundo. Há muito que pode ser melhorado na nossa democracia, mas hoje ela já está bastante bem estabelecida. Defender os princípios democráticos como um valor irrenunciável e promover as reformas que melhorem o seu funcionamento deveriam ser parte de nossa visão para o ano 2050.
Outra base muito sólida é a nossa economia. Nos últimos vinte anos superamos muito do besteirol dos anos cinqüenta e sessenta do século passado que impediam o país de crescer. Hoje temos estabilidade e um sistema capitalista que funciona cada vez melhor. Apostar no desenvolvimento através do funcionamento do capitalismo, com todas as suas conseqüências, pode ser também uma maneira de conseguir o crescimento acelerado que permita dar grandes saltos nas questões sociais e no desenvolvimento humano. Não é mera coincidência que todas as nações mais desenvolvidas do mundo sejam capitalistas. Nós deveríamos deixar de hesitar em dar também este passo.
Por fim há algo que diferencia o Brasil de todos os demais países: a floresta amazônica. É um patrimônio que temos que defender como nosso e ao mesmo tempo saber explorar inteligentemente. Isso implica uma preocupação ecológica que pode e deve ser estendida a todo o país. Não vejo porque não podemos aspirar a ser vanguarda na preservação do meio ambiente. Podemos querer crescer e ser ricos e ao mesmo tempo fazê-lo de forma sustentável. Não tem sido a nossa história e mudar nosso comportamento tem custos, o primeiro deles econômico, mas tem também benefícios, principalmente a longo prazo.
Se me perguntassem qual é a minha visão para o Brasil no ano 2050, diria sem titubear: gostaria que nós fôssemos a maior e mais ecológica democracia capitalista do planeta. Que deixássemos de ser o país do samba e futebol e passássemos a ser o país da liberdade e da natureza. Com essa visão definida, depois o resto é conseqüência: os valores básicos, as prioridades, o modelo de desenvolvimento. Seria muito mais simples articular projetos de longo prazo que fossem coerentes entre si e que nos levassem ao objetivo final.
Pela minha idade, é possível que ainda esteja vivo quando chegarmos à metade deste século. Ficaria feliz se o Brasil tivesse esta face. Também morreria mais otimista com o legado da minha geração. Qui vivra, verra!
quinta-feira, 25 de junho de 2009
ASAMG - O País do Futuro
Nas duas últimas décadas tive muitas oportunidades de viajar. Conheci muita gente pelo caminho e os seus conhecimentos sobre o Brasil variavam enormemente. Quando as pessoas não sabiam absolutamente nada sobre o país, ao menos uma palavra conheciam: Copacabana. Para mim sempre foi a confirmação de que o nosso maior ativo é o Rio de Janeiro - e prova da burrice extrema que é deixar a cidade degringolar durante décadas a fio.
Algumas pessoas sabiam muito sobre o Brasil. Mas mesmo estas cedo ou tarde acabavam associando o país a carnaval ou futebol. Pelé, aliás, é a segunda palavra mais mencionada pelos que sabem pouco ou nada sobre nós. Ser o país do carnaval e futebol não é só nossa imagem externa, é também nossa visão do Brasil, explícita ou implicitamente.
É curiosa essa atitude, pois não deixa de ser esquizofrênica: ao mesmo tempo que levamos na piada visões otimistas sobre o nosso futuro (o Brasil só tem tamanho e sacanagem; é um gigante deitado eternamente em berço esplêndido etc), também estamos convencidos que somos um povo e um país especial, abençoado por Deus e bonito por natureza. Oscilando entre uma coisa e outra, falta ao Brasil e ao brasileiro uma visão de futuro, um projeto de país, uma imagem na qual nos vejamos refletidos e com a qual estejamos razoavelmente satisfeitos.
O Brasil já foi classificado como terceiro mundo, país subdesenvolvido, em desenvolvimento, emergente e mais recentemente como parte do BRIC, que é uma liga especial entre os emergentes. Acho que todos gostaríamos de ser um país rico e desenvolvido. Não sei quantos acreditam que isso seja possível, mas não tenho a menor dúvida de que há enorme variação de opiniões sobre como chegar lá.
Apesar do século XX ter demonstrado que o capitalismo é o sistema econômico que produz mais riqueza e mais rapidamente entre todos que o ser humano já inventou, há muita gente que advoga pelo socialismo; apesar do capitalismo funcionar mal no país, travado pelos privilégios cartoriais, mal funcionamento do estado, insegurança jurídica, nosso absurdo sistema fiscal, excesso de empresas estatais e um largo etcétera, há quem seja contra o mercado, a concorrência, a iniciativa privada e o lucro; apesar de necessitarmos tanto do capital como da tecnologia estrangeira, há quem veja o estrangeiro com desconfiança, com a idéia primitiva de que só querem espoliar o país, esquecendo-se que é melhor dividir os ganhos do que não ganhar.
Há tanta divergência sobre como alcançar o desenvolvimento, que há até economistas que se etiquetam como "desenvolvimentistas". Economista "desenvolvimentista" é duplamente kafkiano: primeiro, porque dá a entender que haja economistas que sejam contra o desenvolvimento, o que na verdade não existe; segundo, porque as receitas dos "desenvolvimentistas" são as que a longo prazo criam menos desenvolvimento e mais miséria. Nos próximos dez anos Venezuela, Argentina e Equador serão exemplos cristalinos dessa realidade.
Entre 2003 e meados de 2008 presenciamos o período de maior prosperidade na história da humanidade. Nunca antes o PIB per capita mundial tinha crescido tanto por tanto tempo (credo, "nunca antes" parece o Lula se auto-elogiando). Essa incrível onda de prosperidade não só permitiu que dezenas de países emergentes crescessem aceleradamente, como derrubou um dos mantras que pretensamente explicava porque o primeiro mundo era rico e o terceiro e quarto pobres: dizia a lenda que os países ricos compravam por preços cada vez mais baratos os recursos naturais dos países pobres. Na recente prosperidade os preços dessas matérias primas em alguns casos triplicou, o que ajudou enormemente na prosperidade dos emergentes exportadores desses materiais.
Agora a crise mundial está revertendo a situação e a marolinha do presidente Lula ou a gripinha da ministra Dilma estão se revelando um problema sério, com muitas chances de levar o país à recessão. Pululam os gurus pregando o fim do capitalismo, imprecando contra o mercado, advogando a intervenção estatal. A crise mundial é séria, seriíssima. Está destruindo muito da riqueza criada anteriormente. Está expondo o que funcionava mal na economia globalizada. Pode durar muito mais do que a maioria ousa imaginar. Mas não é o fim do mundo. Tampouco é o fim do capitalismo. Nem sequer será o fim da economia de mercado.
Apesar de não podermos mais surfar na onda da prosperidade internacional, o Brasil continua sendo um país viável, com enorme potencial de ser um país desenvolvido no futuro. Mas para sê-lo, primeiro temos que querer; depois precisamos acreditar que é possível; por fim é preciso escolher o caminho certo para lá chegar. É perfeitamente possível sonhar com um Brasil rico e desenvolvido no ano 2050. Para isso precisaríamos ter uma visão de país, valores inegociáveis e uma estratégia de desenvolvimento. Um espelho em que todos nos reconhecêssemos e ao mesmo tempo nos diferenciasse dos demais. Não vejo nada disso nas discussões que andam pelaí. É uma pena. Já dizia Sêneca, quem não sabe para onde quer navegar, nenhum vento lhe é favorável.
Algumas pessoas sabiam muito sobre o Brasil. Mas mesmo estas cedo ou tarde acabavam associando o país a carnaval ou futebol. Pelé, aliás, é a segunda palavra mais mencionada pelos que sabem pouco ou nada sobre nós. Ser o país do carnaval e futebol não é só nossa imagem externa, é também nossa visão do Brasil, explícita ou implicitamente.
É curiosa essa atitude, pois não deixa de ser esquizofrênica: ao mesmo tempo que levamos na piada visões otimistas sobre o nosso futuro (o Brasil só tem tamanho e sacanagem; é um gigante deitado eternamente em berço esplêndido etc), também estamos convencidos que somos um povo e um país especial, abençoado por Deus e bonito por natureza. Oscilando entre uma coisa e outra, falta ao Brasil e ao brasileiro uma visão de futuro, um projeto de país, uma imagem na qual nos vejamos refletidos e com a qual estejamos razoavelmente satisfeitos.
O Brasil já foi classificado como terceiro mundo, país subdesenvolvido, em desenvolvimento, emergente e mais recentemente como parte do BRIC, que é uma liga especial entre os emergentes. Acho que todos gostaríamos de ser um país rico e desenvolvido. Não sei quantos acreditam que isso seja possível, mas não tenho a menor dúvida de que há enorme variação de opiniões sobre como chegar lá.
Apesar do século XX ter demonstrado que o capitalismo é o sistema econômico que produz mais riqueza e mais rapidamente entre todos que o ser humano já inventou, há muita gente que advoga pelo socialismo; apesar do capitalismo funcionar mal no país, travado pelos privilégios cartoriais, mal funcionamento do estado, insegurança jurídica, nosso absurdo sistema fiscal, excesso de empresas estatais e um largo etcétera, há quem seja contra o mercado, a concorrência, a iniciativa privada e o lucro; apesar de necessitarmos tanto do capital como da tecnologia estrangeira, há quem veja o estrangeiro com desconfiança, com a idéia primitiva de que só querem espoliar o país, esquecendo-se que é melhor dividir os ganhos do que não ganhar.
Há tanta divergência sobre como alcançar o desenvolvimento, que há até economistas que se etiquetam como "desenvolvimentistas". Economista "desenvolvimentista" é duplamente kafkiano: primeiro, porque dá a entender que haja economistas que sejam contra o desenvolvimento, o que na verdade não existe; segundo, porque as receitas dos "desenvolvimentistas" são as que a longo prazo criam menos desenvolvimento e mais miséria. Nos próximos dez anos Venezuela, Argentina e Equador serão exemplos cristalinos dessa realidade.
Entre 2003 e meados de 2008 presenciamos o período de maior prosperidade na história da humanidade. Nunca antes o PIB per capita mundial tinha crescido tanto por tanto tempo (credo, "nunca antes" parece o Lula se auto-elogiando). Essa incrível onda de prosperidade não só permitiu que dezenas de países emergentes crescessem aceleradamente, como derrubou um dos mantras que pretensamente explicava porque o primeiro mundo era rico e o terceiro e quarto pobres: dizia a lenda que os países ricos compravam por preços cada vez mais baratos os recursos naturais dos países pobres. Na recente prosperidade os preços dessas matérias primas em alguns casos triplicou, o que ajudou enormemente na prosperidade dos emergentes exportadores desses materiais.
Agora a crise mundial está revertendo a situação e a marolinha do presidente Lula ou a gripinha da ministra Dilma estão se revelando um problema sério, com muitas chances de levar o país à recessão. Pululam os gurus pregando o fim do capitalismo, imprecando contra o mercado, advogando a intervenção estatal. A crise mundial é séria, seriíssima. Está destruindo muito da riqueza criada anteriormente. Está expondo o que funcionava mal na economia globalizada. Pode durar muito mais do que a maioria ousa imaginar. Mas não é o fim do mundo. Tampouco é o fim do capitalismo. Nem sequer será o fim da economia de mercado.
Apesar de não podermos mais surfar na onda da prosperidade internacional, o Brasil continua sendo um país viável, com enorme potencial de ser um país desenvolvido no futuro. Mas para sê-lo, primeiro temos que querer; depois precisamos acreditar que é possível; por fim é preciso escolher o caminho certo para lá chegar. É perfeitamente possível sonhar com um Brasil rico e desenvolvido no ano 2050. Para isso precisaríamos ter uma visão de país, valores inegociáveis e uma estratégia de desenvolvimento. Um espelho em que todos nos reconhecêssemos e ao mesmo tempo nos diferenciasse dos demais. Não vejo nada disso nas discussões que andam pelaí. É uma pena. Já dizia Sêneca, quem não sabe para onde quer navegar, nenhum vento lhe é favorável.
terça-feira, 31 de março de 2009
ASAMG - Instituto de Propaganda Econômica Amiga?
Em setembro do ano passado fui para o Brasil. A crise econômica estava se agravando no hemisfério norte, mas o Governo Lula insistia em que ela passaria à margem do país. Foi a época de declarações memoráveis, como de que "a crise não atravessaria o Atlântico", "quando chegasse ao Brasil seria só uma marolinha" ou, nas palavras da ministra Dilma "seria só uma gripinha". Naquela altura ainda havia quem sonhasse com taxas de crescimento ao redor dos 5% em 2009.
Demorou para cair a ficha de que o país não estaria imune ao fim da bonança mundial. Alguns achávamos que os efeitos da desaceleração se fariam sentir também nos países emergentes. Mas não ousávamos imaginar que seriam tão fortes. As primeiras vezes que escrevi neste blog sobre o assunto dizia que "3% de crescimento em 2009 já é considerado um cenário super otimista" (02/10/08). Mais à frente argumentava que o país provavelmente não iria entrar em recessão, mas "o crescimento do PIB tem tudo para ser raquítico nos próximos dois anos" (06/11/08). Estávamos todos enganados, porque a realidade está sendo muito pior do que o previsto. No entanto há uma enorme distância entre os que erramos ao não ver que o impacto da crise seria maior do que o imaginado e os que diziam aos quatro ventos que não haveria impacto.
Depois que o IBGE divulgou dados de queda do PIB brasileiro de -3,6% no último trimestre do ano passado, muitas contas foram revistas. Passava a ser evidente que as estimativas oficiais de crescimento (então em 3,5%) eram totalmente irrealistas. O Governo mudou sua previsão para 2% e corrigiu o orçamento levando em conta esta nova perspectiva. A pergunta é: existe alguma possibilidade da economia crescer 2% este ano?
Possibilidade teórica sempre existe. O relevante seria estimar, dentro do universo de possibilidades, o que é o mais provável acontecer. Tanto um crescimento de 2% como uma recessão de -2% são altamente improváveis. Os indicadores existentes nos levam a crer que estamos mais perto de crescimento zero ou ligeiramente negativo neste ano. Isso é o que dizem as instituições consultadas pelo boletim Focus do Banco Central, que estimam uma taxa de 0,1%, ou uma instituição tão respeitável como The Economist, que prevê uma queda de -0,4%. A previsão da OCDE é -0,3% e a do Banco Mundial é de +0,5%, ambas anunciadas hoje. Em meados de abril será a vez do FMI publicar novos números.
Não surpreende que o Governo trabalhe com uma taxa de 2%. Seu número é, por definição, político. Por isso mesmo não é para ser levado muito a sério. O que surpreende é que na semana passada o IPEA tenha publicado sua Carta de Conjuntura com a mesma previsão. O Governo não perde nada se no final do ano a variação do PIB for muito diferente da que defende agora. Um instituto de pesquisa está pondo em jogo a sua credibilidade, pois 2% de crescimento é diferente do que está prevendo o mercado, outras instituições e é suspeitamente conveniente para o Governo que paga as contas do IPEA (com nosso dinheiro, claro está). Errar no número é fácil e até normal, errar no diagnóstico é bastante mais feio. Quem fala em crescimento zero está falando em estagnação ou mesmo leve recessão. Quem fala em 2% está dizendo que a economia vai crescer, quando o resto do mundo está parando. São dois diagnósticos muito diferentes.
O número do IPEA surpreende tanto que entrei no seu site e li a Carta de Conjuntura. Fiquei francamente decepcionado. Primeiro porque eles se dedicam a fazer "análise elevador", dizendo que indicadores subiram e quais desceram. É a forma mais primária de análise que se pode fazer. Em segundo lugar porque não há nenhuma indicação de que a projeção de crescimento de 2% seja resultado de um cálculo, ou seja, de um modelo estatístico objetivo, alimentado com dados concretos e que produz um resultado específico. Fiquei com a nítida impressão de que a tal projeção é puro chutômetro, principalmente porque as razões apontadas para justificá-la são todas qualitativas e não quantitativas. Pode ser que o IPEA tenha um modelo estatístico para calcular suas projeções de PIB. Na verdade, é o mínimo que se espera de um instituto que queira ser levado a sério, mas se eles o têm não o dizem.
Fiquei com a pulga atrás da orelha principalmente porque o resultado de crescimento de 2% decorre da previsão de aumento do PIB de 0,2% no primeiro trimestre, 1,6% no segundo, 2,5% no terceiro e 3,6% no último. 3,6% de crescimento é mais do que o dobro da taxa de 1,6% verificada nos três primeiros trimestres do ano passado, ano em que a economia cresceu 5,1%. Será mesmo razoável prever esta taxa?
Se eu estivesse no IPEA e quisesse fabricar uma projeção de crescimento que fosse ao mesmo tempo política, confirmando as previsões do Governo, e que não comprometesse a credibilidade da instituição, faria exatamente o que eles fizeram: preveria crescimento fraco no começo do ano e mais forte no final. Sempre é mais fácil argumentar ter errado a previsão do quarto trimestre, que está mais longe no tempo. No entanto mesmo essa tática seria míope e de curto prazo, pois em breve saberemos se o IPEA errou feio ou acertou.
Cada vez há mais queixas de que o atual Governo está promovendo o aparelhamento do IPEA, com a contratação de companheiros de ideologia afim com o partido que está no poder. Prever 2% de crescimento para a economia brasileira neste ano pode ser resultado de uma capacidade visionária brilhante, contra a opinião dominante; pode ser só incompetência de "economista" que não sabe nem matemática nem estatística; ou uma forcinha a mais de um instituto amigo colaborando na propaganda oficial. O futuro dirá se é ou não apropriado mudar o nome do IPEA para Instituto de Propaganda Econômica Amiga.
Demorou para cair a ficha de que o país não estaria imune ao fim da bonança mundial. Alguns achávamos que os efeitos da desaceleração se fariam sentir também nos países emergentes. Mas não ousávamos imaginar que seriam tão fortes. As primeiras vezes que escrevi neste blog sobre o assunto dizia que "3% de crescimento em 2009 já é considerado um cenário super otimista" (02/10/08). Mais à frente argumentava que o país provavelmente não iria entrar em recessão, mas "o crescimento do PIB tem tudo para ser raquítico nos próximos dois anos" (06/11/08). Estávamos todos enganados, porque a realidade está sendo muito pior do que o previsto. No entanto há uma enorme distância entre os que erramos ao não ver que o impacto da crise seria maior do que o imaginado e os que diziam aos quatro ventos que não haveria impacto.
Depois que o IBGE divulgou dados de queda do PIB brasileiro de -3,6% no último trimestre do ano passado, muitas contas foram revistas. Passava a ser evidente que as estimativas oficiais de crescimento (então em 3,5%) eram totalmente irrealistas. O Governo mudou sua previsão para 2% e corrigiu o orçamento levando em conta esta nova perspectiva. A pergunta é: existe alguma possibilidade da economia crescer 2% este ano?
Possibilidade teórica sempre existe. O relevante seria estimar, dentro do universo de possibilidades, o que é o mais provável acontecer. Tanto um crescimento de 2% como uma recessão de -2% são altamente improváveis. Os indicadores existentes nos levam a crer que estamos mais perto de crescimento zero ou ligeiramente negativo neste ano. Isso é o que dizem as instituições consultadas pelo boletim Focus do Banco Central, que estimam uma taxa de 0,1%, ou uma instituição tão respeitável como The Economist, que prevê uma queda de -0,4%. A previsão da OCDE é -0,3% e a do Banco Mundial é de +0,5%, ambas anunciadas hoje. Em meados de abril será a vez do FMI publicar novos números.
Não surpreende que o Governo trabalhe com uma taxa de 2%. Seu número é, por definição, político. Por isso mesmo não é para ser levado muito a sério. O que surpreende é que na semana passada o IPEA tenha publicado sua Carta de Conjuntura com a mesma previsão. O Governo não perde nada se no final do ano a variação do PIB for muito diferente da que defende agora. Um instituto de pesquisa está pondo em jogo a sua credibilidade, pois 2% de crescimento é diferente do que está prevendo o mercado, outras instituições e é suspeitamente conveniente para o Governo que paga as contas do IPEA (com nosso dinheiro, claro está). Errar no número é fácil e até normal, errar no diagnóstico é bastante mais feio. Quem fala em crescimento zero está falando em estagnação ou mesmo leve recessão. Quem fala em 2% está dizendo que a economia vai crescer, quando o resto do mundo está parando. São dois diagnósticos muito diferentes.
O número do IPEA surpreende tanto que entrei no seu site e li a Carta de Conjuntura. Fiquei francamente decepcionado. Primeiro porque eles se dedicam a fazer "análise elevador", dizendo que indicadores subiram e quais desceram. É a forma mais primária de análise que se pode fazer. Em segundo lugar porque não há nenhuma indicação de que a projeção de crescimento de 2% seja resultado de um cálculo, ou seja, de um modelo estatístico objetivo, alimentado com dados concretos e que produz um resultado específico. Fiquei com a nítida impressão de que a tal projeção é puro chutômetro, principalmente porque as razões apontadas para justificá-la são todas qualitativas e não quantitativas. Pode ser que o IPEA tenha um modelo estatístico para calcular suas projeções de PIB. Na verdade, é o mínimo que se espera de um instituto que queira ser levado a sério, mas se eles o têm não o dizem.
Fiquei com a pulga atrás da orelha principalmente porque o resultado de crescimento de 2% decorre da previsão de aumento do PIB de 0,2% no primeiro trimestre, 1,6% no segundo, 2,5% no terceiro e 3,6% no último. 3,6% de crescimento é mais do que o dobro da taxa de 1,6% verificada nos três primeiros trimestres do ano passado, ano em que a economia cresceu 5,1%. Será mesmo razoável prever esta taxa?
Se eu estivesse no IPEA e quisesse fabricar uma projeção de crescimento que fosse ao mesmo tempo política, confirmando as previsões do Governo, e que não comprometesse a credibilidade da instituição, faria exatamente o que eles fizeram: preveria crescimento fraco no começo do ano e mais forte no final. Sempre é mais fácil argumentar ter errado a previsão do quarto trimestre, que está mais longe no tempo. No entanto mesmo essa tática seria míope e de curto prazo, pois em breve saberemos se o IPEA errou feio ou acertou.
Cada vez há mais queixas de que o atual Governo está promovendo o aparelhamento do IPEA, com a contratação de companheiros de ideologia afim com o partido que está no poder. Prever 2% de crescimento para a economia brasileira neste ano pode ser resultado de uma capacidade visionária brilhante, contra a opinião dominante; pode ser só incompetência de "economista" que não sabe nem matemática nem estatística; ou uma forcinha a mais de um instituto amigo colaborando na propaganda oficial. O futuro dirá se é ou não apropriado mudar o nome do IPEA para Instituto de Propaganda Econômica Amiga.
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