quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

ASAMG - Impressões do Brasil

Estou passando uma semana de férias no Brasil. Apesar de vir com frequência, sempre há coisas que me surpreendem, positiva ou negativamente. Como quem vive aqui às vezes nem sequer as nota, acho que vale a pena comentá-las:

A primeira grande surpresa, que já é uma velhidade, foi a vitória do "Não" no plebiscito para desmembrar o estado do Pará em vários estados. A idéia era péssima e a conta seria paga por todos os brasileiros. Achava injusto que só os paraenses votassem e confesso que esperava o pior. Os eleitores, no entanto, surpreenderam pelo bom senso e o Pará não vai ser dividido. Se a decisão tivesse ficado nas mãos dos políticos, provavelmente teria acontecido o contrário. No bate-papo da pizza de ontem à noite alguém disse que se o Sarney tivesse interesse na divisão, ele teria dado um jeito dela acontecer. É triste, mas provavelmente meu amigo tinha razão. A política brasileira é cada vez mais impalatável. Mas não vejo sinal de indignados.

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Hoje pretendia ir passar o dia no Rio e visitar uma amiga que há muito não vejo. Como só tenho uma semana de férias, tinha que ser bate e volta: ir de manhã e voltar à noite. Tal e como fazia no passado (e não estou me referindo aos bons tempos da ponte aérea e dos aviões Electra, mas de apenas alguns anos atrás), fui comprar a passagem na hora no aeroporto. Devo ter viajado mais de setenta vezes entre Rio e São Paulo. Nunca tive problema. Hoje, na primeira companhia em que tentei viajar, a passagem custava mais de 2.000,00 reais. Sim senhor, mais de mil dólares, preço de passagem entre a Europa e o Brasil. Na segunda companhia, dita low cost, custava a bagatela de 1.800,00 reais. Evidentemente desisti da viagem, pois não me deixo roubar facilmente.

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Não é preciso ser bruxo para prever que amigos brasileiros dirão que a culpa é minha, pois deveria ter comprado com antecedência pela internet, que seria muito mais barato. É uma maneira de ver as coisas. O que eu vejo é que há dois meses passei pela mesma situação no aeroporto de Barajas, em Madrid. Comprei na hora um bilhete de ida e volta para Barcelona, trajeto comparável a Rio-São Paulo, e custou um terço do pedido hoje em Congonhas. Esse preço absurdo me parece um indicador de que não há suficiente concorrência no mercado. Qual a surpresa, se o país não tem sequer aeroportos? A Espanha, que tem a mesma população que o estado de São Paulo, tem dois mega aeroportos e pelo menos uma dezena de aeroportos regionais maiores e/ou melhores que Congonhas ou Cumbica, os maiores aeroportos do país. Sem aeroporto, como vai haver mercado, concorrência e preço baixo? Até o preço do estacionamento foi muito mais caro do que em qualquer aeroporto europeu que eu conheça. Se ao invés de estar de férias tivesse que viajar a trabalho, teria pago o preço que pediam. É um exemplo claro do tal custo Brasil.

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Onde está o plano do governo para os aeroportos? Ninguém sabe, ninguém viu. Nem a tal privatização vai para a frente. E quando acontecer vai chover pouca - leitura protestando contra a privataria, mesmo que praticada por governo companheiro. A lógica da coisa me escapa completamente!

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Também é verdade que parte do problema decorre do câmbio valorizado da moeda brasileira. O problema não é de hoje e a alta inflação dos últimos anos só agrava a situação. Longe de mim propor medidas artificiais para "corrigir" um preço. Isso é receita de ignorante. Mas é preciso se perguntar porque o cambio está tão valorizado e que distorções provoca na economia brasileira. Depois é preciso agir. Não espero nada nesse sentido da atual equipe econômica instalada em Brasília.

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Ontem fui almoçar com outra grande amiga no Casserole, no centro de São Paulo. É um dos meus restaurantes preferidos. Em Maio levei meu sobrinho para almoçar lá e pude conversar por um momento com Marie France, proprietária e filha dos criadores do restaurante. Agradeci-lhe que continuasse à frente desse marco da vida paulistana. Nós, seus clientes, lhe somos gratos. Basta pensar no triste fim do "Bayswater Brasserie" em Sydney para saber que muitas vezes é mais fácil e tentador vender e deixar de ter problema.

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Depois do almoço fomos dar uma volta pelo centro da cidade. Fiquei gratamente surpreso. Estava tudo mais limpo, melhor conservado e com melhor cara do que pouco tempo atrás. Sem dúvida uma boa notícia e razão para ter esperança de que o centro possa ser recuperado. Torço para que seja assim. Gostar do centro é coisa de velhos paulistanos. É o que sou. Será que um dia será também a preferência dos jovens?

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Eu não sabia que ainda existia "A Voz do Brasil". Por alguma razão achava que o país já tinha se livrado dessa relíquia de ditaduras passadas. Mas outro dia, ouvindo rádio no carro, qual não foi a minha surpresa quando interromperam a programação para transmitir a malfadada "Voz do Brasil". Quais serão os poderosos lobbies corporativistas que impedem o bom senso de prevalecer? Por que não acabar de uma vez com essa porcaria? É incrível, mas às vezes o estatismo esquerdista dá a mão ao estatismo de extrema direita em casamentos inusitados. Quem paga a conta - e sofre - é o cidadão indefeso.

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A presidente Dilma, que por sinal não entende São Paulo, está de férias na Bahia. Quando voltar ao trabalho, em 9 de Janeiro, terá vários abacaxis pela frente. A crer nas projeções de analistas, o PIB de 2011 deve ficar abaixo de 3,0% e a inflação acima de 6,5%. Dois dados que resumem um mau primeiro ano de mandato. Nem remando muito vai ser fácil conseguir crescimento médio acima de 5,0% no seu governo, muito menos inflação controlada (para mim, 2,0% ao ano, 4,5% já é alto demais). Por enquanto a realidade está ganhando de 1 a 0. Seria melhor para o país se ela conseguisse empatar o jogo, mas me parece muito difícil sem um choque liberal. Choque liberal não tem a cara dela. Façam suas apostas e feliz ano novo!

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

ASAMG - Tenta de Novo

Ontem o IBGE publicou a (não) variação do PIB no terceiro trimestre. Segundo o instituto ficou no zero a zero, a economia nem cresceu nem encolheu. Um resultado conveniente demais. Pessoas desconfiadas como eu não acreditam nem em coincidências nem em números convenientes. Fazia quase dois meses que surgiam, de vez em quando, informações que indicavam que provavelmente a economia teria contraído entre Julho e Setembro. O número mais citado era queda de 0,3% no PIB. Se tivesse sido confirmado, teria sido uma chatice para o governo, principalmente porque a desaceleração continua no quarto trimestre e dois trimestres consecutivos de retração configuram uma recessão técnica. Com o resultado de ontem esse risco ficou adiado por ao menos três meses.

Não sei como é feito o cálculo do PIB, do ponto de vista prático. No entanto suponho que nas contas se tenha que fazer muitas hipóteses, devido à não disponibilidade de dados reais. Também deve haver projeções com margens maiores ou menores de erro. Por essa razão os resultados são revisados até dois anos depois de publicados. Não acontece só no Brasil, é assim por toda parte. No Brasil dos últimos anos, no entanto, o IBGE quando erra o faz de forma conveniente ao governo. Se para chegar ao resultado de ontem houve alguns elementos que foram estimados, pergunto aos meus botões se em algum momento alguém deu um jeitinho para ajustar o número final. O futuro dirá...

A evolução do PIB é um dado que dá muito que falar. Por isso mesmo do ponto de vista da propaganda, do governo ou da oposição, decimais a mais ou a menos, transformando um número de negativo em positivo ou vice-versa faz muita diferença. Para a economia, no entanto, esses decimais contam muito pouco. O que interessa é o quadro geral e a foto do quadro geral é muito triste: crescimento de 7,5% em 2010 (a ser confirmado) e estagnação no segundo semestre de 2011. Ninguém no governo Dilma vai nunca admitir, mas essa é a verdadeira herança maldita do governo anterior.

Lula pisou no acelerador do gasto público no seu último ano de governo. Certamente queria tanto deixar um bom sabor de boca, na sua despedida, como ajudar a eleger a sua candidata. Não há melhor cabo eleitoral do que uma economia bombando. Fazer a economia crescer na base do gasto público é uma mágica fácil, qualquer um sabe fazer. O duro é que um dia há que pagar a conta. Dilma, corretamente, tirou o pé do acelerador e a economia parou. Para maior azar, a conjuntura externa é desfavorável e deixou de dar a ajuda que deu em sete dos oito anos de governo Lula.

Mas esse não é o único cadáver no armário. A inflação deve fechar o ano beirando os 6,5% do limite da meta. Ajustar o dado da inflação é muito mais difícil. De novo vai haver a guerra dos decimais, como se uma inflação de 6,4% fosse aceitável e 6,6% fosse alta demais. A realidade é que inflação por volta de 6,5% já é alta demais, independentemente de estar dentro da meta ou não. Muito pior, é um número que evolui mais facilmente para cima do que para baixo. E nesse ponto o novo governo está fazendo uma aposta ainda mais arriscada, para não dizer irresponsável: abriu mão da política monetária e confia que o dragão da inflação vai abrandar graças a menos gasto público e à menor atividade econômica. Pode dar certo, mas o mais provável é que dê errado.

2012 é ano eleitoral. Dilma não tem nem a habilidade política do seu antecessor, muito menos a mesma capacidade de comunicação. A doença do ex-presidente tampouco veio ajudar o governo. É de se esperar que haja a tentação de voltar a aumentar o gasto público para reanimar uma economia que deve marcar passo no primeiro semestre. Seria a receita mais rápida para perder o controle da inflação. Para os tais desenvolvimentistas a opção é clara: mais vale crescer do que ter estabilidade de preços.

Eis um falso conflito. A escolha entre inflação e crescimento não é real, muito menos uma fatalidade. Há alternativas de maior alcance a longo prazo. Basta fazer as reformas estruturais que o Brasil tanto precisa e abandonar parte do besteirol desenvolvimentista. Dá pena ver que ninguém mais fala na reforma fiscal. Reforma previdenciária é vitupério. Privatizações, por enquanto nem as inevitáveis dos aeroportos de São Paulo, Campinas e Brasília. Comprometer-se com déficit público zero (depois de pagar os juros) ninguém nem cogita. Simplificar a vida das empresas e apoiar os empreendedores é papo de marciano.

Nesse aspecto o governo Dilma parece que vai ser perda de tempo, tal como o governo Lula o foi. É o pior lado dos governos do PT, mais daninho até do que a corrupção. Não reformam porque não enxergam nem a necessidade nem as vantagens. Pagam a conta todos os brasileiros, pelo tempo e oportunidades perdidos. Nenhum dos dois pode ser recuperado.

domingo, 18 de setembro de 2011

ASAMG - O Falso Dilema da Saúde

Nos próximos dias a Câmara dos Deputados deve votar o projeto de lei que regulamenta a chamada Emenda 29. Essa emenda fixou o mínimo que cada nível de governo deve gastar do seu orçamento em saúde. Como não havia uma definição do que era gasto em saúde, a criatividade contábil permitiu que os governantes respeitassem a constituição chamando de gasto de saúde coisas que não necessariamente o eram. O projeto de lei a ser votado quer botar os pingos nos iis e dizer o que vale e o que não vale. Os defensores dessa leizinha acreditam que assim os recursos do setor aumentarão e os brasileiros terão melhor atendimento.

O governo está preocupado, porque mais uma vez suas excelências pretendem aumentar o gasto, mas sem dizer de onde virá o dinheiro. Qual a solução para o problema? Adivinhou quem disse "criar mais um impostinho". Há várias alternativas sobre a mesa, desde a ressurreição da CPMF (em versão muito piorada) até o aumento do IPI para bebidas e cigarro. Outra grande bobagem!

Esse debate é completamente artificial e começa errado desde a base. É pura ilusão achar que leis, sejam leizinhas ou leizonas (como uma emenda constitucional), resolvem problemas reais. Se para resolver um problema bastasse aprovar uma lei, não haveria nem assassinatos, nem roubos nem corrupção no país. Há várias leis que proíbem todas essas coisas. Aliás, seria fácil acabar também com a pobreza, pois bastaria proibi-la.

O dirigismo, ou engenharia social, por boas que sejam as intenções, simplesmente não funciona. Na melhor das hipóteses funciona por um tempo, só até as pessoas descobrirem a maneira de dar a volta. Nossos governantes gastam pouco em educação ou saúde porque os eleitores não estão realmente preocupados com o assunto. Se esses temas fossem decisivos para ganhar eleições os gastos viriam por si só, sem precisar ser regulados pela legislação. A Emenda 29 no fundo é paternalista, é o mesmo que dizer que como os cidadãos não dão prioridade para o que é importante, cabe ao estado fazê-lo no seu lugar.

Nos últimos anos a receita de impostos não parou de aumentar. Nem sequer o fim da CPMF resultou em redução de arrecadação. Se não há recursos para a saúde ou educação é porque nenhum dos dois temas foi prioridade para os governantes. O governo Lula aumentou o gasto público como nenhum outro. Sua prioridade foi com o gasto de pessoal. Ele também parou as privatizações, deixou passar a oportunidade de zerar o déficit público e gastar menos dinheiro com o pagamento de juros, etc. Nada disso foi uma fatalidade. Foram decisões de governo. É o que faz um governo, escolhe o que lhe parece mais importante. Se o dinheiro não foi para a saúde, o problema não era a falta de recursos, era a falta de vontade. Não a vontade fácil dos discursos demagógicos, mas a vontade revelada pelos fatos.

Para completar, é outra ilusão achar que, ao se criar um novo imposto, vai passar a haver mais dinheiro para a saúde. E porque? Porque dentre os gastos do governo há muitos que não são vinculados, ou seja, não têm que ser gastos necessariamente em saúde. Se fosse criado um novo imposto, com arrecadação por exemplo de 50 bilhões de reais, talvez o gasto em saúde não aumentasse nada. Como assim, se é um imposto vinculado? O dinheiro do novo imposto sim iria para a saúde, porque não haveria alternativa, mas os outros recursos poderiam ser diminuídos, indo parar em outro lugar. Na prática isso quer dizer que o novo impostinho corre o risco de financiar gastos muito diferentes daqueles para os quais foi originalmente pensado.

A revista "The Economist" desta semana publica uma matéria sobre os gastos públicos no Brasil. Eles citam o "Relatório de Competitividade Global" publicado pelo Fórum Econômico Mundial. Nossa carga regulatória é a mais pesada e nossos impostos os mais complexos entre todos os países. Segundo o relatório "Fazendo Negócios" do Banco Mundial, também citado pela revista, uma empresa média gasta 2.600 horas por ano para pagar seus impostos, o dobro do segundo pior país e dez vezes a média total. Não deveria ser nenhuma surpresa para nós. Nosso sistema fiscal é péssimo, absurdo e ineficiente. Criar mais um impostinho só vai ajudar a torná-lo ainda pior.

Vinte anos atrás de vez em quando alguma pessoa lúcida dizia que o que o Brasil realmente precisava era de um choque de liberalismo. Apesar dos muitos passos dados nessa direção, esse diagnóstico continua sendo correto. Mas, ao invés disso, nossos deputados preferem regular a Emenda 29 e talvez criar um novo imposto. Às vezes dá vontade de desistir!

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

ASAMG - Tiroteio

Ontem o IBGE divulgou um dado preocupante: a inflação dos últimos doze meses bateu em 7,23%, muito acima da meta máxima de 6,5% fixada pelo governo. Há apenas uns dias o Banco Central diminuiu a taxa interna de juros, com o argumento de que o combate à inflação deveria ser uma combinação entre política fiscal e monetária, e não só baseada em altas taxas de juros, por todos os problemas que gera. Há meses a equipe econômica do governo Dilma tenta vender a idéia de "soft landing" para a inflação, ou seja, levá-la gradualmente de volta ao centro da meta, isso lá por 2012 ou 2013. Que perigo!

Parecia que o Brasil tinha aprendido a valorizar a estabilidade de preços, conquistada a duras penas nos últimos dezoito anos. No entanto os atuais formuladores de política econômica estão flertando irresponsavelmente com a idéia de que inflação um pouco alta não é um problema tão grave e ajuda a estimular o crescimento. Essa gente esquece a lição do falecido Roberto Campos: inflação pequena é como uma pequena gravidez. Cada ponto a mais na taxa de inflação torna muito mais difícil a tarefa de trazer a economia de volta para a estabilidade dos preços, sem contar que estabilidade de verdade é inflação de 2,0 % ao ano e não 4,5 %, muito menos 6,5 %.

Na semana passada o IBGE já tinha publicado outro dado que mostrava que as coisas andavam mal: o crescimento continua desacelerando e atualmente os analistas apontam para uma taxa de 3,5% este ano ao invés dos 5,0% ou mais esperados no começo do ano. Ambos temas estão interligados: a recessão de 2009 foi pior do que o governo Lula previu ou admitiu (convenientemente a revisão do dado oficial só ocorreu depois do segundo turno da eleição presidencial do ano passado, o que permitiu ao lulismo vender o tempo todo a lorota de que graças ao governo a recessão havia sido leve). Para ajudar a eleger sua candidata, Lula pisou no acelerador do gasto público para criar a sensação de bonança econômica. O que ele não contou para os eleitores foi que a gastança ia gerar também inflação. É o que estamos vendo agora.

Além de beneficiar o partido no governo, chego até a duvidar que a enxurrada de gasto público de 2010 tenha mesmo gerado tanto crescimento econômico quanto divulgado. Não me surpreenderia nada que o dado oficial corrigido, que deve ser publicado no final deste ano pelo IBGE, mostrasse um crescimento menor no ano passado que o número atual. Há que reconhecer que os "erros" tanto do IBGE como do IPEA geralmente foram a favor da propaganda do governo anterior. Se isso fosse assim, o relaxamento nas contas públicas teria gerado menos crescimento do que alardeado e mais inflação do que então admitida. Um crescimento artificial, não sustentável a longo prazo, que só serviu para fins políticos.

Neste momento o governo está dando tiro para todos os lados: na semana passada anunciaram um superávit primário suplementar de 10 bilhões de reais, para ajudar no combate à inflação. É uma decisão positiva, mas totalmente insuficiente para compensar a redução da taxa de juros; na mesma semana a imprensa divulgou que o déficit da previdência dos funcionários públicos deve alcançar a incrível soma de 57 bilhões de reais e não houve nenhuma palavra no sentido de que é indispensável atacar esse problema, porque é a maior ameaça à economia brasileira. A reforma fiscal sumiu dos noticiários, o tema só aparece quando algum iluminado propõe a criação de um novo imposto. As possíveis privatizações se arrastam na indefinição e nem sequer os investimentos públicos estão andando.

No começo do ano escrevi aqui que o governo Dilma poderia surpreender positivamente em política econômica. Passados oito meses, a impressão que dá é de descordenação, incompetência e improvisação. Não há o menor sinal de coerência na política econômica. Se tivesse que rever minha opinião hoje, diria que esse governo é um forte candidato a ser um horror. Que pena para o Brasil!

quinta-feira, 21 de julho de 2011

ASAMG - Maturidade Política

A manchete de hoje dos jornais espanhóis é sobre a renúncia do presidente da Comunidade Valenciana ao cargo para o qual foi reeleito em Maio. As comunidades autônomas na Espanha são o equivalente dos estados brasileiros. A Comunidade Valenciana é uma das mais importante do país, depois de Madrid e Catalunha. Francisco Camps, o ex-presidente, renunciou por ter sido acusado num processo de corrupção. Seu crime: supostamente aceitar que terceiros (estes sim, suspeitos de malfeitorias muito maiores) lhe pagassem meia dúzia de ternos que mandou fazer sob medida em Madrid. O valor dos ternos é estimado em aproximadamente três mil Euros.

Camps não precisava ter renunciado. Caso tivesse se declarado culpado evitava o julgamento e pagaria uma multa pecuniária de valor irrisório para um político do seu quilate. É verdade que seria o primeiro presidente de uma comunidade autônoma a governar depois de se declarar culpado de um crime, algo considerado uma vergonha, mas até certo ponto um mal menor. O que o líder do seu partido não aceitava, no entanto, é que se declarasse inocente e fosse a julgamento. Tudo indica que o partido de direita, o PP ao qual Camps é filiado, vai ganhar as próximas eleições gerais. Sua imagem sentado no banco dos réus acusado de corrupção prejudicaria o seu partido e a campanha de Mariano Rajoy. Rajoy é dado por muitos como futuro primeiro ministro espanhol. Para chegar lá só tem que evitar os erros e danos de imagem, como a de um julgamento de político de seu partido.

O ex-presidente valenciano preferiu declarar-se inocente e ao mesmo tempo renunciar ao seu cargo, para poder defender-se com maior liberdade e sem comprometer o PP. A necessidade da renúncia não era em absoluto legal, era política. Analistas de diversas tendências eram unânimes em afirmar que o eleitorado puniria o PP se aceitasse manter Camps na presidência da Generalitat mesmo depois de tornar-se réu de um processo de corrupção. Vejam bem, o problema é ser réu, não há certeza que seja condenado. O valor minúsculo do seu suposto crime tampouco pesou no desfecho dessa história que se arrasta há dois anos.

Nada mais distante da triste realidade da política brasileira! Nas últimas semanas vemos na imprensa denúncias de indícios de corrupção no Ministério dos Transportes. Todos os valores citados são sempre de dezenas de milhões de reais. Quando a presidente Dilma decide fazer limpeza na pasta, é elogiada pela sua decisão. Claro que é preciso limpar, mas o que surpreende é que o governo seja elogiado por "atuar rápido" e não haja uma indignação generalizada por mais este caminhão de suspeitas de corrupção grossa sob governo petista. E qual vai ser o próximo escândalo? Nós, o distinto público, ficamos com a sensação de que nunca antes houve tanta corrupção na história desse país como sob o petismo.

Por muitíssimo menos em 1992 a esquerda foi para a rua, pintou a cara e não parou de protestar até conseguir o impeachment do então presidente Collor. Quando os detalhes do mensalão começaram a vir à tona ao invés de reagir com a mesma indignação diante de fatos muito mais graves os ex-cara-pintadas protestavam contra a "tentativa de golpe" contra o presidente Lula. Foram ditas as bobagens mais bizantinas para tentar explicar e justificar o injustificável, até a pérola dita pela segunda marquesa de Rabicó de que quando Lula falava o mundo se iluminava...

Os escândalos se sucedem uns aos outros e não se vê os eleitores punindo os principais responsáveis. Apesar do mensalão, Lula foi reeleito; para sua sucessão ele agiu como o Putin na Rússia, um país pouco democrático, e conseguiu eleger o poste político que impingiu ao seu partido; o escândalo do MT, que vem de sua época na presidência, para nada arranhou seu prestígio; se for candidato em 2014 provavelmente se elegerá fácil. Apesar do enorme risco de caudilhismo que ele representa, e de todos os escândalos de corrupção dos últimos anos, o eleitor parece estar muito longe de querer aposentá-lo.

Ontem deu inveja da Espanha. O Brasil ainda tem que caminhar muito até se tornar uma democracia madura.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

ASAMG - Ignorância ou Oportunismo?

Na semana passada estive uns dias de férias na Itália. Entre outros encontrei-me com um amigo alemão, que trabalha como executivo nos Estados Unidos. Esse amigo esteve no Brasil em Maio. Chegou em São Paulo e partiu do Rio. Seu primeiro comentário foi: "li tantas coisas sobre os BRICs, o Brasil potência emergente, o crescimento econômico dos últimos anos, no entanto fiquei surpreso com os aeroportos, com a péssima infra-estrutura, era puro terceiro-mundo."

Provavelmente os nacionalistas e patriotas de plantão se sentiriam indignados com esse comentário e diriam coisas como "não precisa vir se não acha os aeroportos bons". A triste verdade, no entanto, é que só quem não tem parâmetro de comparação não se dá conta do quanto os aeroportos brasileiros são horríveis, do mau serviço que proporcionam e da péssima impressão que causam nos dois momentos mais importantes da relação com estrangeiros: o primeiro contato é ruim, o último, aquele que a pessoa levará consigo, também. É o pior cartão de visitas que podemos dar aos turistas de fora, além do calvário que representam para os nacionais.

Apesar disso, também na semana passada li nos jornais declaração de líder sindical ligado ao PT que dizia que privatizar aeroportos que dão lucro era um crime. Confesso que não perdi tempo com essa besteira, mas posso imaginar que o "crime" estaria no fato do povo brasileiro perder o lucro que tais aeroportos geram. É um argumento emocional que com certeza será repetido à exaustão por muita gente ignorante. Pena que não se sustente de nenhuma maneira. Aliás, o caso dos aeroportos é muito propício para demonstrar o quanto essa fobia contra privatizações é irracional.

Se o governo construísse dois aeroportos exatamente iguais, ao mesmo custo, mas um deles tivesse mais movimento e desse lucro e o outro desse prejuizo, os dois valeriam o mesmo por serem iguais? Mesmo quem não sabe nada de economia provavelmente responderia intuitivamente que não, que o aeroporto que dá lucro vale mais. É a resposta certa e dela dá para tirar duas conclusões: primeiro que nenhuma atividade vale pelo que custaram as suas instalações e segundo que o valor da atividade está diretamente relacionado à sua capacidade de gerar lucro, tanto no presente como no futuro. Digo atividade de propósito, porque se aplica não só a empresas formais, mas a qualquer tipo de empreendimento econômico.

Quando os proprietários decidem vender uma empresa o valor mínimo que pedem por ela é aquele que compensa os lucros que eles deixarão de ter no futuro. É o mesmo princípio de quem vende um imóvel: se o mesmo está alugado, o proprietário recebe o aluguel. Depois da venda deixa de recebê-lo. A contrapartida é que recebeu de uma vez o valor da venda. No caso das empresas acontece a mesma coisa: ao vendê-las seus proprietários deixarão de receber os dividendos derivados dos lucros, mas isso porque receberam o preço pago pelo comprador. Não há absolutamente nenhum crime, trata-se apenas de um negócio.

Se o valor de uma empresa é aquele que compensa deixar de receber dividendos no presente e no futuro, qual é o interesse de quem compra? Se quem compra fizer tudo exatamente igual ao que fazia quem vende, não há interesse nenhum. El truco del amendruco está em que o comprador imagina fazer algo diferente e que ele espera irá aumentar os lucros e portanto os dividendos. Esse algo diferente pode ser de múltipla natureza: melhorar a administração, investir em novas instalações, trazer novas tecnologias, novos clientes, aproveitar sinergiais com outros negócios e um longo etc. Por isso na maioria de transações de compra/venda de empresas é normal haver um ágio pago pelo comprador - ele espera ganhar suficientemente mais para compensar o ágio e ainda valer a pena. E porque o vendedor não faz essas coisas que o comprador quer fazer e fica ele mesmo com o aumento do lucro? Porque não sabe, não tem ou não pode.

Tudo isso é be-a-bá de economia e finanças. Dezenas de milhares de pessoas utilizam estes princípios todos os dias, ao redor do mundo, para avaliar empresas e realizar negócios. É verdade que o modelo é um pouco mais sofisticado e inclui variáveis como endividamento, taxa de juros e necessidades de investimento - em outras palavras, fluxo de caixa. Mas a base é sempre a mesma: capacidade de dar lucro.

Portanto, respondendo ao sindicalista do PT, vender aeroporto que dá lucro não é crime, é negócio; pode ser um excelente negócio se os compradores melhorarem muito a lucratividade dos mesmos, pois pagarão mais impostos e o governo (ou seja, o tão defendido povo brasileiro) se tornará sócio desse éxito empresarial. Se der errado, o risco estará inteiramente nas mãos dos novos proprietários. E não são só os aeroportos lucrativos que podem ser privatizados. Aqueles que nas mãos do governo dão prejuízo talvez possam passar a ser lucrativos nas mãos da iniciativa privada.

É tão inacreditável que um sindicalista importante não saiba essas coisas, que não acredito na sua ignorância. O mais provável é que use esse discurso só para fazer demagogia, contando com a ignorância da maioria do público em temas de economia e finanças. É lamentável que continuemos marcando passo graças a essas baixarias!

quinta-feira, 2 de junho de 2011

ASAMG - Um Puxadinho

Nos anos oitenta, quando Paulo Maluf era governador de São Paulo e construiu a nova rodoviária, o terminal Tietê, muita gente a comparou a um aeroporto. As instalações eram bonitas, confortáveis, limpas e funcionais. Uma melhora notável em relação à estação anterior nos Campos Elíseos. Na época, se não me falha a memória, Cumbica ainda não existia e o maior aeroporto do país era o Galeão. A comparação fazia sentido.

Hoje, infelizmente, temos que dizer o contrário: nossos aeroportos se parecem cada vez mais a estações rodoviárias, e das piores. A infra-estrutura aeroportuária está saturada, envelhecida, é desconfortável e ineficiente. Sofrem os passageiros, mas não só eles. Aeroporto tem impacto no crescimento do país, a começar pela indústria do turismo. A primeira impressão dada aos turistas estrangeiros que vão ao Brasil é lamentável. Além disso, transporte aéreo é fundamental num país com as nossas dimensões. Não investir no setor é atraso de vida.

Até hoje o Estado brasileiro se mostrou incapaz de construir e administrar os aeroportos que o país precisa. Essa pasmaceira continuaria por ainda muito tempo sem os compromissos internacionais assumidos para a Copa 2014 e as Olimpíadas 2016. O governo Lula não fez praticamente nada no setor - e o que fez me parece duvidoso, como investir em Congonhas, um aeroporto que a médio prazo deveria ser fechado. Vítima da sua pregação contra a privataria, ficou de mãos atadas e não pôde contar com a iniciativa privada para os investimentos. Portanto, a mudança de rumo da presidente Dilma, logo ao tomar posse, não era só porque as eleições já tinham passado - era ditada pela necessidade e pela evidência de que o governo não era capaz de fazer os investimentos necessários antes da Copa.

Mesmo reconhecendo que a nova orientação era ditada pela necessidade, ainda assim elogiei o bom senso mostrado pela presidente. Nesta semana, depois da publicação dos planos governamentais para a suposta privatização de três aeroportos, tenho que retirar o que disse. O PT continua refém da sua pregação anti-privataria e só consegue propor uma privatização meia-boca, que tem tudo para não dar certo.

No mês passado estive uns dias em São Paulo. Por casualidade me encontrei com um conhecido que vem do setor. Conversamos sobre como Cumbica está cada dia pior. Esse conhecido me disse que se os planos do governo para abrir o setor à iniciativa privada passassem pela obrigação de se associarem à Infraero, o órgão estatal, provavelmente não encontrariam parceiros privados dispostos a fazê-lo. Ele também criticou o marco legal, que segundo sua opinião não daria segurança jurídica aos potenciais investidores. Por fim disse o óbvio: aeroporto é excelente negócio, quando bem administrado. Com certeza haveria muitas empresas, nacionais e estrangeiras, dispostas a construir e administrar novos aeroportos, como o terceiro aeroporto de São Paulo, caso pudessem fazê-lo por conta própria e sem ingerência governamental. Bastaria haver clareza e segurança com respeito à legislação, inclusive o funcionamento da agência reguladora. Sem isso, era duvidoso que houvesse empresas dispostas a se arriscarem.

Não consigo entender porque há gente contra o investimento privado na área. Em primeiro lugar, o Estado se mostrou sobradamente incompetente ou incapaz de fazer os aeroportos que o país requer. Portanto a opção é entre não ter investimento ou deixar empresas privadas investirem e ganharem dinheiro. Mas no besteirol da cartilha esquerdista é melhor sofrer com má infra-estrutura nas mãos do estado do que deixar os empresários terem lucro (normalmente se esquecem de que as empresas pagam impostos sobre os lucros e o estado se torno sócio do sucesso empresarial). A propriedade privada de grandes aeroportos é um modelo que deu certo em muitos lugares do mundo. Dar as costas a ele é burrice.

A pior notícia é que já é tarde demais para conseguir construir os novos terminais, pistas e outras infra-estruturas necessárias para a Copa. Não dá mais tempo. O único que se pode fazer é alguns puxadinhos. Trata-se da típica solução provisória, de última hora, e que depois se torna permanente. Como exemplo meu conhecido citou o aeroporto de Lisboa, cuja reforma não podia ficar pronta para a Eurocopa e se apelou para o puxadinho. Bueno, o anexo virou uma espécie de terminal e não só existe até hoje, como torna o funcionamento do aeroporto mais complicado e ineficiente. Só para dar um exemplo, já fiquei mais de uma hora dentro de um avião que tinha aterrissado na Portela à espera do ônibus que nos levaria até à saída do terminal principal. Não havia ônibus disponíveis, tantos são os passageiros que têm que ir de um lado para outro. Outra vez o embarque atrasou por quase duas horas pela mesma razão. As malas extraviadas são outro pesadelo dos infelizes que fazem uma conexão por lá no verão.

Se o aeroporto de Lisboa é um exemplo do que nos espera no futuro, então está garantido o vexame durante a Copa. Não precisava ter sido assim. Tenho curiosidade de saber o que a presidente Dilma dirá sobre o assunto em 2014. Com certeza a culpa será de todos os outros, menos do partido no governo desde 2003. Quando as coisas dão errado nunca é culpa do PT. Se alguém espera que a presidente reconheça que houve barbeiragem, melhor esperar deitado. Desde já.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

ASAMG - O Que Tu Sonhares

O governo Dilma está passando por sua primeira crise política séria. Quando o mar ficou bravo, quem entrou em cena para ajudar a coordenar a estratégia do governo? Ninguém menos que Lula da Silva. As notícias publicadas na imprensa dão a impressão de que ele ainda manda e desmanda, apesar de não ser mais presidente. Fica ainda mais claro que Lula fez no Brasil exatamente o mesmo que o Putin na Rússia: escolheu a dedo e autoritariamente a sua sucessora, enfiou-a goela abaixo do seu partido e aliados, deixou seus eleitores sem alternativa e conseguiu que sua pupila fosse eleita. Na Rússia Putin pôde passar de presidente a primeiro ministro. Como o cargo não existe no Brasil, Lula exerce a função de eminência parda. Parece que Putin convencerá Medvedev a não concorrer à reeleição, para que ele mesmo possa ser de novo candidato. Será esse o futuro reservado a Dilma? E depois tem gente que não entende que possa me sentir tão indignado com a eleição da presidente! Moscou é aí.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

ASAMG - De Novo Demografia!

Ontem a ONU publicou sua nova estimativa para o desenvolvimento populacional no planeta. Parece mentira, mas é um exercício furado da base às conclusões. É mais uma prova de como interesses políticos servem para manipular projeções demográficas.

Porque digo que é um exercício furado? Porque muitos dos dados até 2010 estão errados, ao menos quando comparados com dados oficiais dos censos dos respectivos países. Poderia entender que houvesse alguma variação de critério em algum caso específico, mas não diferenças tão generalizadas em dados passados, que deveriam ser indiscutíveis. Para ficar num único exemplo, no caso do Brasil nenhum dado desde 1950 no relatório da ONU bate com os dados do censo. Será que eles acham que sabem melhor? Ou será pura displicência?

O mesmo se pode dizer dos números de 2010, agora que vários países já divulgaram os resultados dos seus respectivos censos. Dou alguns exemplos: censo Brasil 190,733 milhões, ONU 194,946; censo USA 308,746 milhões, ONU 310,384; censo Índia 1.210 milhões, ONU 1.224,614; censo China 1.339 milhões, ONU 1.341. Eu costumo analisar os dados de população da ONU em detalhe. Não me lembro de nenhuma vez que as Nações Unidas tenham subestimado a população de nenhum país. Sempre erram para mais. Esse viés é típico de agentes políticos com uma de duas agendas: ou bem exageram os problemas, para concluir que uma mudança social só é possível com outro sistema econômico (típico da esquerda), ou bem os exageram para pedir mais recursos para os seus interesses imediatos (típico de burocratas).

Porém o que me parece mais grave é que a projeção para a população mundial em 2050, no cenário médio, cresceu de 9.149 milhões (projeção de 2008) para 9.306 (projeção atual). É altamente improvável que essa tendência seja correta, pois os dados dos censos de 2010 publicados até agora apontaram, nos maiores países, uma moderação do crescimento demográfico. O último deles foi a China na semana passada. A grande diferença entre as projeções de 2008 e a atual está na África sub-sahariana, que é a região do mundo que mais cresce populacionalmente. Em 2008 a ONU dizia que a região teria em 2050 1.753 milhões de habitantes; agora dizem que serão 1.960. São 207 milhões de pessoas a mais. Dá para acreditar?

Bueno, bola de cristal ninguém tem e a variável mais importante para projeções populacionais, a taxa de fertilidade feminina, tem que ser estimada. Ou seja, há muita margem para manipulação. As discussões sobre taxa futura de fertilidade são inconclusivas, porque os argumentos podem ser melhores ou piores, mesmo assim ninguém sabe a priori quem tem razão. No entanto há alguns dados que deveriam nos levar a pensar:

- Vários países africanos tiveram um notável crescimento econômico na última década; seis dos dez países que mais cresceram no mundo na última década eram africanos. Se persistir o boom das commodities, o que é provável, o continente africano continuará experimentando altas taxas de crescimento. A experiência demonstra que quanto maior o nível de vida, mais baixa é a taxa de fertilidade.

- A mortalidade infantil foi reduzida de maneira notável em muitos países africanos. Ao contrário do que possa parecer, há uma correlação entre diminuição da mortalidade infantil e diminuição da fertilidade. Quando as chances das crianças sobreviverem na infância são maiores, as famílias têm menos filhos.

- A urbanização é um fenômeno mundial, que se verifica também na África. Mais uma vez, quanto maior a urbanização mais tarde as mulheres tendem a ter o primeiro filho e mais baixa a taxa de fertilidade. Ambos fatores levam à diminuição do crescimento demográfico.

Parece indiscutível que a África sub-sahariana continuará sendo a parte do mundo que mais crescerá nas próximas décadas. Isso, no entanto, pode acontecer ao mesmo tempo que o crescimento diminua significativamente. Há fortes razões para admitir que essa hipótese não só é possível, como provável.

Por fim, a projeção da ONU é neutra com relação à maior incógnita demográfica em todo o planeta: a população chinesa. Nós não sabemos quais são os planos do partido comunista quanto à população do seu país, nem até quando pretendem mater a política de filho único. Mas além do que os responsáveis políticos pretendam, outra coisa é saber como a sociedade chinesa reagirá não só à mega transformação que essa política implica, mas também ao final da política de filho único, quando isso aconteça. Pode acontecer qualquer coisa. Na hipótese mais dramática, a população chinesa poderia diminuir até 800 milhões de habitantes em meados do século. Seria uma sociedade envelhecida, onde as crianças não teriam nem irmãos, nem tios, nem primos. Essa é a maior incógnita demográfica pairando sobre o planeta. Devido à importância da China, vai marcar o mundo na segunda metade do século. Dá vontade de chegar vivo a 2050 só para saber o que aconteceu!

quinta-feira, 28 de abril de 2011

ASAMG - O Simbólico no Século XXI

Durante a Idade Média o mundo conhecido, ou seja, aquele onde havia sociedades sedentárias com unidades político-administrativas organizadas e onde havia escrita (e portanto história) se compunha do bloco euro-asiático, norte da África e Oriente Médio. O Ocidente se resumia à Europa e nela as invasões bárbaras e a desintegração do Império Romano levaram ao esvaziamento das cidades, ruralização da população e da economia e ao feudalismo, que durou dez séculos.

No sistema feudal a posição de cada indivíduo na sociedade é determinada pelo nascimento e não há mobilidade possível. Na base da pirâmide estavam os servos, ligados à terra e dependentes do seu senhor. Os senhores, por sua vez, compunham a nobreza e entre eles havia relações de suserania e vassalagem, ou seja, havia uma hierarquização do prestígio relativo de cada família nobre e seus membros. No topo da pirâmide se encontravam as famílias reais. Apesar de que as guerras pudessem levar a alterações na hierarquia, com o aparecimento ou desaparecimento de novos reinos, principados, ducados ou condados, como classe social a nobreza era na prática impermeável, sendo quase sempre inalcançável para pessoas de fora. Os membros da Igreja, um estrato social em si próprio, eram também oriundos da nobreza.

O prestígio e posição das famílias nobres podia ser alterado basicamente de duas formas: através das alianças matrimoniais ou das guerras. Mesmo assim, para a nobreza que não era descendente direta de famílias reais havia um teto de vidro que não era ultrapassado: os membros das famílias reais só se casavam entre seus pares, para assegurar seu prestígio e fortalecer o seu poder. Portanto, continuava havendo barreiras sociais, determinadas pelo nascimento, mesmo entre os mais privilegiados membros das sociedades medievais.

Essa situação começou a alterar-se com o fim do feudalismo. A urbanização crescente da população a partir do renascimento, o progressivo fim da servidão, os descobrimentos marítimos, as colônias ultramarinas e o desenvolvimento do comércio trouxeram mudanças na organização das sociedades européias. Essas mudanças não impediram que o prestígio social ligado ao nascimento ainda fosse muito forte até o início do século XX. Basta lembrar que em 1900 só dois países europeus eram repúblicas: França e Suíça. Todos os demais eram monarquias. A nobreza, mesmo destituída de parte de seus privilégios, ainda gozava de enorme prestígio.

No entanto o desenvolvimento do capitalismo trouxe consigo primeiro o aparecimento da burguesia comercial. Em seguida, a partir da industrialização, a burguesia industrial e financeira também entraram em cena, e apareceu o proletariado. Estas novas classes sociais são definidas pelo nascimento unicamente pela negativa: não são nobres. Progressivamente a impermeabilidade existente na sociedade medieval foi se diluindo. Por um lado havia a possibilidade de mobilidade entre a burguesia e o proletariado; por outro, a acumulação de riquezas entre uma pequena parcela da burguesia tem como efeito abrir-lhe as portas da nobreza. Havia cada vez mais monarcas que outorgavam títulos de nobreza a súditos que prestavam relevantes serviços ao reino, notadamente financeiros. Ao mesmo tempo as famílias nobres se tornaram mais flexíveis nas suas alianças matrimoniais, quando viam a oportunidade de que seus filhos fizessem um casamento rico.

A partir do século XIX e mais acentuadamente no século XX o prestígio social é cada vez menos dependente do nascimento. As famílias burguesas, enriquecidas mas sem títulos, buscam elementos compensatórios que lhes confiram um reconhecido status social. A primeira forma é através da casa familiar. Quanto maior e mais ricamente decorada, maior sinal de fortuna. A casa familiar, de modo geral, passa a ser um símbolo de importância maior, o cartão de visitas, uma declaração ao mundo exterior que percorre todo o espectro de riqueza material. A pequeno burguesia, quando materialmente incapaz de ter uma grande casa, adota os valores da ordem, limpeza e disciplina como fatores que lhe asseguram relativa distinção.

O segundo aspecto a conferir respeitabilidade às famílias burguesas é a moral sexual e coesão familiar. É importante que, nas aparências ao menos, os membros familiares possam apresentar ao mundo uma ficha impecável de bom comportamento. Um escândalo, uma traição sexual, um filho fora do casamento, uma separação ou abandono do lar podem marcar negativamente não só seus atores principais, mas comprometer o bom nome de toda a família.

A terceira estratégia de reconhecimento social e busca de status está baseada na educação formal, na cultura geral e na consecução de uma carreira na administração do Estado. Poder mandar um filho à universidade é até hoje um mecanismo de esperança de ascensão social. Melhor se este filho fizer uma carreira na diplomacia, chegar a um ministério, obtiver uma cátedra universitária ou, muito mais prestigioso ainda, se tornar um escritor, intelectual renomado ou membro de uma Academia (de letras, artes, ciências, medicina etc).

Se ao longo do século XX a burguesia pôde encontrar o seu lugar ao sol, livre do jugo das normas ditadas pelo nascimento, este mesmo século produziu outras transformações sociais que têm um efeito determinante sobre o imaginário e o simbólico, tanto coletivo como individual. Entre elas destacam-se a aceleração do processo de urbanização, o incrível aumento da produtividade e do consumo, a expansão cada vez mais universal da classe média e o advento da sociedade de massas. Como consequência, o mundo entrou no século XXI mudado. As possibilidades que se apresentam a cada indivíduo são infinitas:

- Nunca houve tanta mobilidade social e geográfica na história da humanidade.

- Nunca se produziu e consumiu tanto como agora.

- Nunca houve tanta informação disponível.

- Nunca foi tão fácil se comunicar e as pessoas estiveram tão acessíveis.

- Nunca houve tanta população urbana (calcula-se que em meados de 2008 pela primeira vez a população urbana mundial superou a rural).

- Nunca houve tantos Estados Nacionais independentes e reconhecidos internacionalmente.

Nesse novo cenário internacional, a identidade individual se define por dois fatores: afiliação e consumo. As pessoas se identificam pela sua nacionalidade, pelo time pelo qual torcem, pelo partido ou corrente política que preferem, pela religião que praticam (ou não), o colégio ou universidade onde estudaram etc. Por outro lado, os símbolos de status que anteriormente eram determinados pelo nascimento, hoje são largamente definidos pelo que se consome: a marca do carro, da roupa, da bolsa, do relógio, do sapato, do celular, do computador, os vinhos que bebe, a classe em que viaja de avião, o número de estrelas do hotel onde se hospeda etc. As pessoas valem menos pelo que sabem e mais pela marca do seu diploma (os MBAs das escolas mais prestigiosas do mundo são cada dia mais caros e mais exclusivos). Quando a massificação e a ascensão econômica tornam determinados bens e serviços acessíveis a milhões de consumidores, alguém em alguma empresa descobre a maneira de voltar a diferenciá-los e torná-los exclusivos, para o consumo de poucos privilegiados.

"Eu consumo, logo existo" é uma marca do século XXI. No afã de tornar não só o consumo possível, mas principalmente, o consumo das marcas que conferem diferenciação e status, as pessoas trabalham cada vez mais, fazem sacrifícios e relegam para segundo plano valores, comunicação, interação social ou afeto. As relações interpessoais ficam mais coisificadas, passíveis de virar objeto de compra e venda: você se encontra mal? Tome um remédio. Seu filho é problemático? Pague um psicólogo. Seu vizinho lhe cria problemas? Contrate um advogado. Não está feliz com o seu corpo? Vá para um spa ou faça uma plástica. Duvida do seu bom gosto? Contrate um personal shopper. Não pôde estudar? Compre um diploma universitário, frequentando uma faculdade que exija pouco mais do que o pagamento da mensalidade. Quer escrever um livro mas não sabe como? Contrate um ghost writer. Tem que ir a um jantar importante e não tem um parceiro/parceira? Mande vir um acompanhante... Parece não haver limite para quem tem dinheiro para pagar pela solução dos seus problemas.

Com certeza, este não é o ponto final na longa jornada da humanidade, mesmo que seja difícil imaginar as consequencias do consumismo desenfreado ou o que poder vir depois. Tampouco pode-se negar que muito mais gente tem hoje a oportunidade de escolher sobre sua vida e sobre o que quer ser e fazer. A humanidade deu largos passos desde a sociedade medieval. Só é uma pena que ainda não haja disponível à venda no mercado a felicidade, em marca branca e do tipo simples e barato. Provavelmente nunca haverá. É o calcanhar de Aquiles desse mundo em que o consumo é tudo e que nós mesmos reconstruímos cada vez que compramos algo.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

ASAMG - Latinoamericanas

Nesta semana foi inaugurada a 37ª edição da feira do livro em Buenos Aires. O escritor peruano e atual prêmio Nobel de literatura Mario Vargas Llosa foi convidado para fazer sua abertura. Então, um idiota menor cujo nome nem vale a pena citar e que se diz "intelectual" (afe!) protestou contra a escolha e sugeriu que o autor peruano fosse desconvidado. A polêmica estava servida. Foi preciso até a intervenção da presidente argentina para acalmar os ânimos. Foi encontrada uma "solução" conciliadora, segundo a qual Vargas Llosa continuaria a ser o orador principal da abertura da feira, mas a cerimônia de abertura foi dividida em dois dias e ele só pôde pronunciar seu discurso no segundo dia. Para cúmulo da vergonha, hoje li no jornal "El País" que o escritor peruano tem que andar com proteção nas ruas, senão pode ser atacado fisicamente!

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Porque Mario Vargas Llosa é tão odiado por esses ditos intelectuais? Porque é um liberal. Porque faz a defesa da liberdade acima de tudo, a começar pela liberdade de expressão, mas também a de ir e vir, a de eleger seus representantes políticos, a defesa da democracia, da pluralidade, da crítica, de ser de outra opinião. Como Vargas Llosa critica tudo que lhe parece errado, como o regime cubano, os desvarios do Átila venezuelano, as políticas dos Kirchners na Argentina e muitas outras vacas sagradas da esquerda carolina, ele é detestado pelos pouca-leitura. Às vezes chega a ser vítima de demonstrações de violência. Quanto a mim, entre um senhor que defende a liberdade e os que tentam calá-lo, não duvido nem um minuto sequer sobre quem tem a minha simpatia. Que vexame para a Argentina!

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Por sinal, na revista "The Economist" desta semana há um artigo preocupante sobre outro tipo de censura naquele país. O secretário de comércio Guillermo Moreno tirou do armário uma lei de 1983, promulgada pela ditadura militar, para tentar evitar que estatísticas não oficiais de inflação possam ser divulgadas. Desde 2007 o governo argentino aprovou uma mudança absurda no cálculo oficial da inflação, o calcanhar de Aquiles do mau governo dos Kirchner, primeiro o falecido marido e agora a esposa. Só com essa manipulação oficial o índice parece estar sob controle. Haverá eleições em Outubro e o descalabro da inflação real, calculada em 25% contra os 10% oficiais, pode ser um entrave para a reeleição de Cristina Fernández. O que fazer? Censurar a força todo cálculo que insinue que o rei (ou rainha) está nu.

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Espero que a moda não contagie o Brasil, que em meio ao dilema juros/cambio/inflação poderia também se inclinar ou por controles de preço ou por maquiagem do cálculo da inflação. Acredito que nós já superamos esses perigos e nossa sociedade não aceitaria esse tipo de picaretagem, but you never know...

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Ainda na América latina, o Peru, o país que mais cresceu nos últimos dez anos e que se perfilava como um dos candidatos a ser rico em algumas décadas, conseguiu a proeza de mandar para o segundo turno das eleições presidenciais os dois piores candidatos. Nesses momentos dá uma enorme tristeza, pois os tres melhores candidatos dividiram o voto entre si e ficaram de fora do segundo turno por pouco. Como era mesmo? Quem é burro pede a Deus que o mate e ao Diabo que o carregue!

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Last but not least, em Cuba foi realizado o congresso do partido comunista, com direito a visita surpresa de Fidel e tudo. Se perguntarmos a qualquer latino americano medianamente informado quantas pessoas desapareceram ou foram assassinadas pelas ditaduras chilena ou argentina, a resposta estará na ponta da língua: os números são sempre 20.000 ou 30.000, para qualquer dos dois países. Não saberia dizer qual é o correto, mas o que me chama a atenção é que ninguém saberia dizer quantas pessoas desaparecem ou foram executadas pelo regime cubano. Você sabe? Não é que o número seja desconhecido, é que ele não é repetido à saciedade como os números do Chile e Argentina. A patrulha ideológica que defende o paraíso cubano é capaz de tudo, até de negar que tenha havido execuções... Pois é, o velhinho decrépito que é o ídolo de tanta gente e que, por velhinho, poderia inspirar simpatia, na verdade foi um ditador dos piores e grande assassino. Nem vale a pena discutir as reformas aprovadas no tal congresso. O regime cubano, como qualquer outra ditadura, um dia se desmoronará e não sobrará pedra sobre pedra. Nesse dia também saberemos muitas verdades que ainda podem ser escondidas. Repito o que já escrevi uma vez aqui: quando isso acontecer mais de uma reputação ficará abalada.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

ASAMG - Andando em Círculos

Em meados de 2006 fui passar uns dias no Brasil. Naquela ocasião almocei em São Paulo com um velho amigo. Estávamos em pleno escândalo do mensalão e no final do ano havia eleições. Como não podia deixar de ser, parte da nossa conversa foi sobre política.

Meu amigo me surpreendeu e me deixou estupefato quando disse que ia votar no Lula. "Como uma pessoa como você pode votar no Lula, Ricardo?" lhe perguntei. Ele nunca foi de esquerda e tinha criticado severamente todas as evidências de corrupção que estavam vindo à tona com o mensalão. Parecia incoerente. "É muito simples", respondeu. "Com esse governo os juros explodiram. Estou ganhando muito dinheiro sem ter que trabalhar e sem correr nenhum risco. Porque iria querer que mudasse?"

Lembrei-me dessa história ao ler as notícias dos últimos dias. Está cada vez mais intenso o debate sobre a valorização do real e seus efeitos perversos sobre a competitividade dos produtos brasileiros no exterior, principalmente ao terem que competir com a China, cuja moeda está infra-valorada. Parte da culpa reside nos juros praticados pelo Banco Central, que vira e mexe lemos que são os mais altos do mundo. No entanto, o Banco Central aumentou e possivelmente continuará aumentando os juros por causa das pressões inflacionárias, que continuam em alta. A própria valorização do real ajuda a manter a inflação controlada, na medida que os produtos importados são mais baratos em reais.

Não há absolutamente nada de novo nesse debate. Em Outubro de 2008, comentando as perspectivas da economia mundial e seu impacto sobre o Brasil escrevi que " Cada vez é maior o número dos (economistas) que acreditam que a desaceleração da economia pode ser brusca. 3% de crescimento em 2009 já é considerado um cenário super otimista. Como em 2010 há eleição e é da natureza do partido que está no poder tentar mantê-lo a qualquer custo, é de se esperar que a pressão para manter o crescimento econômico seja máxima. Até aí, tudo bem. O problema é que o caminho mais tentador será o de aumentar os gastos e relaxar as políticas fiscal e monetária. Essa receita é a mais fácil, qualquer tonto sabe propô-la. Como dizem na Espanha, é pão para hoje e fome para amanhã, pois no longo prazo passa fatura. Agora seria a hora de fazer a sério as reformas estruturais de que o país tanto precisa e que foram as grandes ausentes deste Governo. A mais óbvia seria a reforma fiscal. Será que nossos políticos e formadores de opinião estarão à altura dos acontecimentos?"

No mês seguinte voltei a escrever sobre o mesmo assunto: " Com o panorama internacional, é impossível fazer tudo ao mesmo tempo: manter o crescimento econômico acima de 3%, conter a desvalorização do real, manter os investimentos previstos, manter o superávit primário, manter a inflação dentro da meta e não subir os juros. Dependendo de que grupos de pressão e que forças políticas prevaleçam, uma ou várias das metas acima irão para o espaço."

Não deu outra. Em 2009 houve recessão. A economia encolheu 0,6% e a resposta do governo Lula foi gastar mais e relaxar principalmente a política fiscal, mas também a monetária. Qual é a surpresa de que haja pressão inflacionária agora? É o preço que todos brasileiros vão pagar pelo esforço do governo anterior de eleger sua candidata.

É lamentável que a inflação seja combatida só com o aumento dos juros e a valorização da moeda. Essa fórmula reforça a mentalidade rentista de muitos brasileiros, como o amigo com quem almocei em 2006. É nefasta a idéia que se possa viver confortavelmente dos juros das aplicações financeiras, principalmente quando os mesmos são muito mais altos que em qualquer outro lugar do mundo. Só há uma maneira de criar riquezas e é através do trabalho. Os juros altos drenam riquezas para os detentores de ativos financeiros e desestimulam investimentos produtivos. Isso é receita de ruína. Pode ser adotada em situações conjunturais e por tempo limitado, mas no Brasil essa fórmula é a regra.

Então, o que fazer? Certamente a resposta a estes desafios não é nem um controle excessivo do cambio, muito menos a redução artificial dos juros. Ambas medidas teriam efeitos colaterais ainda mais indesejáveis, o primeiro deles o descontrole da inflação. A pergunta que falta fazer e responder é: porque os juros têm que ser tão altos no Brasil para conter a inflação? Pessoalmente não tenho dúvidas quanto à resposta: porque o déficit público atual e futuro (principalmente o déficit da previdência) não deixam margem de manobra. Se algum governo, algum dia, se comprometesse a atingir superávit corrente (ou seja, depois de pagar os juros da dívida pública) e ao mesmo tempo fizesse uma reforma da previdência que desarmasse a bomba relógio que seu buraco financeiro representa, poderíamos finalmente ver os juros descerem para patamares de países mais estáveis. Por outro lado, enquanto isso não acontecer não sairemos do círculo vicioso pressão inflacionária/juros altos/cambio valorizado. Tá na cara. Só os pais do Cruzado e seus discípulos não vêm. E o país continua a dar voltas em torno do prato quente.

terça-feira, 22 de março de 2011

ASAMG - O Tempo Passou na Janela

Ontem um amigo que é professor de economia postou no seu Facebook o link a uma entrevista da professora Maria da Conceição Tavares à "Carta Maior". Fazia anos que não lia nada dela. Matei minha curiosidade, li e cheguei à conclusão de que não devo ter perdido nada nesses anos todos.

Sou da época em que Conceição era considerada uma grande economista e guru da patota da UFRJ e Unicamp, os seus pupilos. Ainda me lembro dela derramando lágrimas na televisão, emocionada de alegria com o lançamento do Plano Cruzado, cujos "pais" tinham sido seus alunos. A mesma Conceição que defendeu a megapicaretagem que foi o Cruzado (ver post anterior) criticou o Plano Real, quando do seu lançamento. Previu o seu fracasso e errou completamente.

Conceição sempre foi uma show-woman. Era divertido assistir debates em que ela participava, porque além de imprevisível, era destemperada nos seus ataques. Hoje me dou conta de que era só aquilo, um espetáculo circense. Aparentemente era menos divertido ser seu aluno. Ouvi muitas histórias sobre suas aulas e de como alunos tinham medo dela. Aliás, essa é uma característica de muitos dos seus ex-alunos: o medo e a incapacidade de criticar os seus mestres. O chato é que ao longo dos anos a realidade acabou realizando o trabalho de desmentí-los em muito do que pregavam.

Abstenho-me de comentar as idéias que a professora destila na entrevista quando fala de Obama e da política americana, mas não resisto à tentação de me estender sobre suas análises econômicas. Entre elas há verdadeiras pérolas. Como tanta gente quando quer fazer demagogia, ela centra suas críticas na "desregulação dos mercados financeiros autorizando a farra que redundou em bolhas, crise e, por fim, na pasmaceira conservadora" Fala em "nuvem atômica de dinheiro" e diz que "não se pode subestimar a capacidade da finança podre de engendrar desordem". São imagens fortes, mas na prática de pouco conteúdo.

É verdade que se não tivesse havido desregulação financeira, derivativos, bolha imobiliária, crescimento acelerado do preço das commodities etc, a crise não teria tido as dimensões que teve, ameaçando tornar-se numa depressão. Porém, sem isso tudo os anos de 2003 a 2008 tampouco teriam sido o segundo período de maior crescimento da economia mundial desde a Segunda Grande Guerra, nem teríamos tido a fase de maior prosperidade da humanidade desde que existem números para medí-la (2003-2008 registrou o maior crescimento do PIB per capita da história mundial). Ou seja, não teria havido tanta destruição de riqueza porque ela antes não teria sido criada.

Em segundo lugar os juros anormalmente baixos durante toda a primeira década deste século tiveram um papel enorme tanto no crescimento econômico como na formação das múltiplas bolhas espalhadas pelo planeta. O Fed baixou os juros quando houve a crise das dotcom no final dos noventa e depois dos atentados em Washington e NY em 2001. Quando os bancos centrais americano e europeus começaram a aumentar os juros em 2007 surgiu a crise das sub-primes. Com a recessão de 2008 os juros voltaram ao patamar mais baixo visto em gerações. Apesar de haver muita polêmica sobre a extensão do dano causado pelos juros baixos até 2007, não há como negar que tiveram um papel importante na formação das bolhas, na especulação e na crise posterior. É um exemplo prático do que passa quando os governos resolvem interferir arbitrariamente num dos preços básicos da economia.

O descontrole do mercado financeiro e a especulação são uma idéia fixa para essa turma. Ela considera, por exemplo, que o aumento do preço dos alimentos é especulação e não se deve a causas reais. Deve doer no seu calo ver que faz quase dez anos que os preços das commodities aumentam sem parar (caíram entre 2008 e 2009 mas já se recuperaram). Ela fez sua fama defendendo a substituição de importações e dizendo que os países periféricos eram pobres porque o centro comprava suas matérias primas cada vez mais barato. Os primeiros beneficiados com o aumento de preço das commodities são os países exportadores. Isso explica o enorme crescimento econômico de mais de duas dúzias de países "periféricos" nos últimos anos, inclusive parte importante do desempenho do Brasil. É a realidade desmentindo uma das teses mais caras dos cepalinos.

Ao contrário do que Conceição diz, há muitas razões para os preços dos alimentos aumentarem. Pode-se citar o aumento do consumo dos biocombustíveis, que competem com as plantações de alimentos; o aumento da renda per capita em inúmeros países pobres, permitindo que a população aumente seu consumo de carne - mais carne requer uma proporção muito maior de produtos agrícolas para engordar os animais (só a China reduziu o seu número de pobres de 60% para 16% da sua população entre 1990 e 2005 - são quase 600 milhões de pessoas consumindo alimentos mais elaborados); os incêndios na Europa no ano anterior, destruindo plantações de trigos, bem como as inundações na Austrália este ano. A lista é longa, mas é mais fácil dizer que se trata de especulação financeira.

Também surpreende quando ela diz que "não temos a inflação fora de controle", quando é evidente que está subindo perigosamente. Sua turma nunca deu importância à inflação. Mas ela simplesmente falta à verdade quando diz que "num mundo encharcado de liquidez por todos os lados, o Brasil saiu na frente do planeta.. Subimos os juros antes dos ricos, eles sim, em algum momento talvez tenham que enfrentar esse dilema inflacionário." De memória me lembro que a Austrália começou a aumentar os juros ainda em 2009, Noruega idem. A China, segunda maior economia do planeta, também já começou a aumentar suas taxas. O Canadá, membro do G7, começou a aumentá-los em 2010. O Brasil não foi o primeiro. O Brasil tem é a maior taxa real do planeta, o que é uma desgraça, mas juro não é preço que se possa controlar na marra. Enquanto não resolvermos nosso déficit fiscal, principalmente a real bomba atômica que é o déficit futuro da previdência, não haverá como os juros caírem. A propósito, sua queda não é desejável só por causa do câmbio, mas principalmente para a economia não estatal poder crescer ainda mais rápido.

Por fim, nem imagino a que ela se refere quando diz que há um "tsunami de liquidez externa". A parte mais difícil do meu trabalho como executivo na Europa é conseguir negociar crédito com os bancos para as empresas com as quais trabalho. Há uma desalavancagem generalizada. Não há a mínima sombra de liquidez. Muito me surpreenderia que as empresas brasileiras pudessem se endividar facilmente no exterior. No entanto, se for o caso, qual o problema? Isso é o que elas deveriam fazer, para escapar dos juros exorbitantes no mercado nacional.

Conceição é uma representante emérita da esquerda Carolina, a que não viu o tempo passar na janela. A política econômica brasileira dos últimos 17 anos e o seus bons resultados são uma demonstração cabal do quanto era bobagem muitas das coisas que ela e seus colegas da Unicamp e UFRJ diziam e escreviam. No entanto ainda há quem as defenda. Parece mentira.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

ASAMG - Bom Senso ou Picaretagem

Na semana que vem, dia 28, fará vinte e cinco anos do lançamento do malfadado Plano Cruzado. A data deveria ser relembrada com destaque, pois se trata da maior picaretagem da história da economia brasileira. Seu responsável maior, José Sarney, foi provavelmente nosso pior presidente, ditadores à parte (ditadura sempre é a pior opção, mesmo quando comparada com a democracia meia-boca da transição brasileira, onde até filme foi censurado e outras jequices que tais). Constatar quanto o país mudou neste quarto de século dá uma idéia de como em muitos aspectos nós estamos melhor.

Aqueles eram outros tempos. Naquela época os economistas escreviam muita besteira nos jornais, os professores ensinavam muita bobagem nas faculdades de economia e, o que é pior, tentavam aplicar suas idéias tresloucadas à nossa pobre sociedade. O Febeapá rolava solto e ninguém tinha vergonha de dizer idiotices como que a teoria econômica do primeiro mundo não funcionava num país da periferia; que inflação não era problema, porque havia correção monetária; que déficit público não era problema, porque o Estado tinha que induzir o desenvolvimento; que éramos pobres porque éramos explorados pelos países imperialistas; que o remédio era substituir importações, proteger o valiosíssimo mercado nacional, estatizar, criar leizinhas, baixar decretos e um larguíssimo etc.

O poder de fogo dessa vanguarda do atraso cepalina/unicampista/UFRJotista era tão sedutor que, mesmo sendo aluno do quarto ano de economia cheguei a acreditar na mega picaretagem do Cruzado e a defender uma estupidez tão grande quanto a reserva de mercado para a informática. Não é de se estranhar que a década de oitenta tenha sido a década perdida, pois fazíamos tudo errado, mas aposto como até hoje tem gente que acha que na verdade a culpa era do FMI e não nossa.

O Plano Cruzado era também chamado de choque heterodoxo. Ortodoxia, claro, era a teoria econômica que não podia funcionar num país como o Brasil (assim diziam nossos gênios). Imagina, os ortodoxos pregavam disciplina fiscal e política monetária para combater a inflação! Os heterodoxos achavam mais apropriado combatê-la congelando preços, não só de bens e serviços, mas também o câmbio. Os juros não foram congelados, mas foram mantidos artificialmente baixos, negativos em termos reais, e o gasto público disparou. Não faltou nada para garantir o fracasso da aventura. A duras penas e a custa de desabastecimento o governo conseguiu manter as aparências de estabilidade até as eleições de Novembro. Depois, uma vez as eleições ganhas, foi o salve-se quem puder que nos levou a anos de sofrimento e à hiper-inflação.

Há uma maneira muito fácil de detectar quando uma pessoa não sabe absolutamente nada de economia, mesmo que tenha um doutorado na matéria: quem defende controle ou congelamento de preços pode saber muita coisa, inclusive muita teoria econômica, mas não tem a menor idéia de como funciona uma economia. Controle de preços, inclusive dos juros, que não deixam de ser mais um preço na economia, simplesmente é impossível e não funciona. Na melhor das hipóteses produz um efeito passageiro de estabilidade, mas sempre acaba resultando em distorções, desabastecimento, conflito, mercado negro e débâcle. Mas em 1986 quem dizia uma obviedade dessas era considerado conservador, anti-patriota, direitista, desmanchão ou qualquer outra coisa considerada ofensiva pelos heterodoxos.

Nestes vinte e cinco anos desde a aventura tresloucada do Cruzado o Brasil amadureceu muito. Foi preciso Collor ter seu momento de genialidade e dizer que os carros brasileiros eram carroças para nos tocarmos de que íamos mal. Seu governo começou a abrir a economia para o mundo e a desmontar os mamutes estatais. Pouco a pouco, com Itamar Franco e FHC o bom senso em economia começou a prevalecer. Caiu o mito de que inflação não era problema e hoje parece que estamos convencidos de que é um dos maiores problemas. Ficou evidente a correlação entre déficit público e inflação e até o ex-presidente Lula se rendeu à evidência de que é preciso disciplina nas contas do Estado. Apesar da gritaria dos mais ignorantes, ficou demonstrado que política monetária é um elemento chave para alcançar a estabilidade de preços. E a maior parte das privatizações são histórias de sucesso que permitiram ao país dar muitos passos à frente.

Exatamente porque caminhamos tanto é preciso lembrar e relembrar constantemente as bobagens do nosso passado recente. Os antigos heterodoxos agora se travestiram em desenvolvimentistas, um dos rótulos mais tontos que se possa pensar para um economista (acaso existe alguma escola de economia que seja contra o desenvolvimento?). Essa gente é viciada em Estado, intervenção na economia, resiste em admitir os males dos déficits públicos, muitas vezes é ignorante de pai e mãe em matemática e é capaz de pregar coisas tão estúpidas como abaixar os juros por decreto. Não devemos abaixar a guarda, pois como dizia Camus ao final do belíssimo livro "A Peste", nunca se sabe quando "a peste acordaria seus ratos e os enviaria morrer numa cidade feliz."

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

ASAMG - Bom Censo e o Futuro

Menos de um mês depois de publicar os resultados provisórios do censo 2010, no final de Novembro passado o IBGE publicou os dados definitivos. Entre um resultado e outro havia uma diferença de cinco milhões de habitantes. Essas pessoas terão sido encontradas no espaço de poucas semanas. Hum. Esta foi a primeira vez que acompanhei a publicação dos dados, portanto não tenho a menor idéia se é normal haver uma diferença tão grande entre o número preliminar e o final. No entanto, como sou treinado para desconfiar de estatísticas, ainda mais quando elas beneficiam quem as faz, essa mudança súbita me cheirou mal. Ainda mais levando em conta que 32,7% da diferença se concentrou nas áreas metropolitanas de São Paulo e Rio, que abrigam 20,2% da população. É normal errar mais nas duas maiores metrópoles do país? Eu, se quisesse fazer um "ajuste" no número, escolheria fazê-lo onde fosse mais difícil comprovar, ou seja, onde houvesse maior população. Sei lá, haverá algo de podre no Reino da Dinamarca?

Os primeiros números deixavam o IBGE de tanga, pois eram imensamente distantes das suas projeções mais recentes. A última PNAD, publicada em Setembro de 2009, projetava uma população naquele ano de 191,8 milhões de almas, 1,1 milhão a mais do que o resultado final do censo de 2010. Considerando que entre 2009 e 2010 a população deve ter crescido entre 1,0 e 1,5 milhão, o censo já mostrou uma diferença notável com relação a um instrumento (a PNAD) que deveria ser muito mais fiável. Mas havia mais gente interessada em encontrar uma população maior no Brasil, pois se fosse confirmado o dado de 185,7 milhões muitas teses caras aos atuais governantes iriam por água abaixo. Para começo de conversa, a tolice de que a atual previdência social é sustentável a longo prazo. Por isso minhas dúvidas quanto à correção feita.

De qualquer forma, seja qual for o número correto, as conclusões mantém-se as mesmas, só varia a sua intensidade. A transição demográfica está ocorrendo de forma acelerada; a população está deixando de crescer; se não houver um notável fluxo migratório nas próximas décadas, o Brasil deixará de crescer entre 2020 e 2030 (mais próximo de 2020 que de 2030); é questionável se algum dia chegaremos a ter 210 milhões de habitantes; o envelhecimento populacional está se acelerando; as maiores metrópoles do país estão muito perto de pararem de crescer; e a população rural é cada vez mais insignificante com relação ao total (menos de 16%).

Vale a pena destacar este último fato. Em 1940 12,8 milhões de pessoas viviam nas cidades brasileiras - em setenta anos o número mais que decuplicou, sendo hoje 160,8 milhões. No mesmo ano, 1940, quase 70% dos brasileiros viviam na zona rural. De lá para cá esta proporção tem caído sistematicamente, até os 15,7% de 2010. Mais significativo, o número absoluto de pessoas que vivem no campo é decrescente desde 1970: passamos de 41 milhões em 1970 a menos de 30 em 2010. Em números absolutos a atual população rural é semelhante à de 1940. Isto quer dizer que do ponto de vista da urbanização, a transição demográfica brasileira está na reta final.

Estes dados demográfico têm uma importante repercussão sobre o que é e o que pode vir a ser a sociedade brasileira. A primeira delas, emocionalmente difícil para a esquerda tradicional, é a de que a chamada "questão agrária" e o remédio clássico para resolvê-la, a reforma agrária, perderam sua relevância política e social - o problema do Brasil contemporâneo é urbano e não rural. Tanto mais que a agricultura e o agro business se desenvolveram enormemente e do ponto de vista produtivo uma eventual reforma agrária não só não aportaria valor, como provavelmente seria contra-produtiva.

Por outro lado, a questão urbana é de máxima relevância: nossas cidades explodiram, principalmente as duas maiores áreas metropolitanas, e a infra-estrutura não acompanhou a demanda. O fim do processo de urbanização (população rural que se muda para as cidades) e a acentuada queda no crescimento demográfico, que provavelmente ocorrerá nas próximas duas décadas, vão trazer um respiro para as nossas cidades: pela primeira vez em mais de um século há a possibilidade dos investimentos em infra-estrutura irem mais rápido que a demanda, o que resultaria numa melhor qualidade de vida, em muitos dos municípios brasileiros.

Trata-se, sem dúvida, de uma boa notícia. No entanto deixar à mercê do acaso o desenvolvimento urbano não é nem inteligente nem desejável. Este tem um impacto direto sobre a economia, a política, o meio-ambiente e até a segurança nacional. Por exemplo, não é a mesma coisa a Amazônia mais povoada ou menos povoada; faz toda diferença se a população se concentrar em poucos centros urbanos ou se espalhar em muitas cidades de menor dimensão; ter mais ou menos cidades próximas à fronteira também faz diferença, assim como para a floresta tropical os eixos de povoamento e as atividades econômicas são decisivos.

Está mais do que na hora de começarmos a nos perguntar que tipo de país queremos ser quando crescermos. Querendo ou não, nossa urbanização até agora foi centralizadora e concentrada em duas áreas metropolitanas: São Paulo e Rio de Janeiro. Em nível regional outras cidades também explodiram, como Belo Horizonte, Salvador ou Recife. Isso é o que queremos para o futuro? Eu não me cansarei de repetir que São Paulo e Rio deveriam diminuir de tamanho, até porque se tornou caro demais proporcionar os serviços que cidades tão grandes necessitam - há deseconomias de escala. Uma estratégia urbana que tivesse como objetivo explícito a redução da população das duas maiores metrópoles nacionais seria algo inédito.

No entanto desanima pensar que nenhum governo, ou partido político, desenvolveu estratégia a respeito. Está mais do que na hora de começarmos a pensar numa. Criar ministérios como o das Cidades pode ser perfeitamente inútil se não estiver acompanhado de conteúdo. Só serve para assegurar emprego para os companheiros e aumentar o gasto público. Não resolve nada. E se os governos até hoje não se preocuparam com o tema, não há porque nós, cidadãos, ficarmos à sua espera. Nós mesmos podemos começar a pensar e opinar sobre qual deveria ser a estratégia e a política urbana para o Brasil do século XXI. Em algum momento este debate tem que ser iniciado para dar um pouco de sentido às coisas que fazemos. Para planejar o nosso futuro precisaremos tanto de bons censos como de uma grande dose de bom senso. Fingir de morto é a pior das escolhas.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

ASAMG - Melhor Freud Não Explicar

A primeira vez que li que seria criado um documento nacional de identidade no Brasil, o tal do RIC, uma frase do cartão me chamou a atenção: "Estado de Utopia". Imediatamente pensei que aquilo devia ser uma bobagem qualquer, escrita à esmo só para exemplificar o formato do novo documento. Tempos depois voltei a vê-lo mais duas ou três vezes em jornais na internet, e comecei a me preocupar: será que algum iluminado estava reivindicando que o Brasil passasse a ser denominado "Estado de Utopia"? Essas coisas são um perigo, pois quanto mais babaca a idéia, maior a probabilidade de encontrar um padrinho (ou madrinha, não quero ser acusado de machismo).

"Não", pensei, "não pode ser". "Isso seria incrível". Mau. Quando no Brasil essas duas frases são ditas uma depois da outra, sua tradução costuma ser "sim, está acontecendo; você não acredita, mas é real". Não seria a primeira vez que uma estupidez ganha status oficial. Nossa constituição não limita os juros a 12% ao ano? Não obriga o professor a fazer chamada? Quando um amigo me contou sobre o artigo da chamada, achei realmente que ele estivesse de sacanagem. "Não pode ser, não acredito" foi o que respondi. Ele me disse em que artigo estava esta pérola. E está mesmo. Um frio percorreu a minha espinha. A história da utopia podia ser a sério. Tentei imaginar quais seriam os argumentos para defender tal idéia, mas minha imaginação não chegava para tanto.

Hoje voltei a ver o modelo do novo RIC e o examinei cuidadosamente. O cabeçalho é: "República Federativa do Brasil, Ministério da Justiça, Registro de Identidade Civil, Estado de Utopia". Então entendi que Estado, no caso, se referia à unidade da federação. Para não mencionar nenhum Estado específico, quem bolou o modelo deixou-se levar por uma inspiração poética e escreveu "Estado de Utopia". Claro que Freud explicaria. Poderia estar escrito Estado de Nheco-nheco; Estado do Fim do Mundo; até Estado de Espírito. Mas utopia é mais significativo. Seu autor deve ter pensado que os governos companheiros estão trazendo a felicidade das utopias para o reino dos homens (desculpa, República). Ai Jesus, esse é o problema. Alguém pode achar que no fundo trata-se de uma boa idéia.

Quem escreve na nota uma jequice do tipo "Deus seja louvado", misturando duas coisas que não têm rigorosamente nada a ver uma com a outra, fé e dinheiro, pode também por no documento de identidade "Estado de Utopia". Onde o Febeapá campeia há tanto tempo, desde muito antes de Sérgio Porto criar a expressão, vale tudo, até beijo na boca. Seria a República republicana como nunca antes na história desse país! Melhor Freud não explicar o que se passou no inconsciente de quem cunhou tal frase, antes que uma personagem como a segunda Marquesa de Rabicó resolva levá-la a sério. Da minha parte eu só toparia se o que estivesse escrito fosse: "Bananão, Estado de Utopia".

Enquanto a utopia não chega, cada vez mais me convenço que Cazuza foi um visionário genial ao compor "O tempo não pára". Ele não nos contou o que estava acontecendo, antecipou o futuro. Quem acha que era a música da era Collor talvez se surpreenda como ela se ajusta à era Lula. Quantas vezes o ex-presidente usou a palavra republicano da maneira tonta que o petismo botou em moda? Alguém devia perguntar a ele se é republicano usar os bens públicos para fins privados, por exemplo passando férias familiares na praia numa base do exército e por conta do contribuinte. É republicano dar passaporte diplomático para os filhos no final de seu governo? Como era mesmo que cantava Cazuza? "Sua piscina está cheia de ratos, suas idéias não correspondem aos fatos..."

E no meio disso tudo, a primeira notícia econômica do governo Dilma surpreendeu: a presidente quer privatizar a construção dos novos terminais nos aeroportos brasileiros, além de abrir o capital da Infraero. Não nos iludamos, isso é só o reconhecimento de que o governo é incapaz de construir os novos terminais dentro do prazo necessário, ou seja, para a Copa. Ninguém parece estar incomodado com os anos perdidos durante o governo anterior, quando tal decisão podia e deveria ter sido tomada. Os brasileiros que se danem e aguentem transitar por aeroportos terceiro mundistas e abarrotados. Mas agora que eles já ganharam as eleições e não precisam mais acusar os adversários de privataria, acharam melhor tomar uma decisão sensata. Antes tarde do que nunca, como diziam nos tempos dos meus avós. E Deus, além de ser louvado, permita que a nova presidente se deixe iluminar e aja mais vezes com a mesma sensatez. Pelo menos ela merece o crédito de não ter começado fazendo besteira. Será que ela veio para matar pai e mãe? Acho que nem Freud se atreveria a decifrar esse mistério. Qui vivra verra!