Quando me mudei do Brasil para a Europa, há dezoito anos, aconteceu algo que muito me surpreendeu: nas últimas semanas em São Paulo várias pessoas deram mostras de carinho e generosidade, disseram e fizeram coisas que não esperava. Na época achei que tivesse sido algo excepcional, mas depois, nas outras cinco vezes que mudei de país, percebi que a mesma coisa se repetia. Cada vez que o fim estava próximo algumas pessoas se revelavam e às vezes até agiam por impulso. As últimas semanas sempre foram as que abriam as portas do imponderável.
Pelo tipo de vida que levei eu não era o único que ia embora. Muitos dos amigos que encontrei pelo caminho também vinham de outro país ou se mudavam para outro lugar. E com eles ocorria o mesmo fenômeno. Em duas ocasiões vi até amores de última hora desabrocharem. Em ambos casos tratava-se de casais de diferentes nacionalidades. Quando a partida de um deles era iminente, um dos dois resolveu partir para o tudo ou nada, deu o passo, declarou-se e na undécima hora o relacionamento amoroso se cristalizou.
Apesar de que a iminência da separação costuma levar as pessoas a expressarem o que têm de melhor, nem sempre acontece assim. Nem todo mundo é do bem e alguns, poucos é verdade, aproveitam a hora final para dizer ou fazer coisas lamentáveis. Tive a imensa sorte de me deparar pouquíssimas vezes com essa situação.
Hoje é o último dia do governo Lula. Para o meu gosto foi um governo que durou demais. Não porque foram dois mandatos e oito anos representam mais de dez por cento da vida da maioria das pessoas. Durou demais porque se a nossa democracia fosse mais madura ele não teria resistido ao mar de lama que foi o escândalo do mensalão. Mas a maioria dos eleitores resolveu olhar para o outro lado, fingir de morto, acreditar que o presidente não sabia de nada. Não só não houve impeachment como Lula foi reeleito. Durou demais. Mas mesmo assim chegou o último dia.
O presidente poderia ter escolhido muitas maneiras de se despedir. Poderia até ter sido discreto e não ter feito nada no último dia do ano. Mas ele preferiu, no apagar das luzes do seu governo, negar a extradição do terrorista Cesare Battisti para a Itália. A data não é mero acaso. Ele sabia que essa decisão seria polêmica e poderia até ocasionar um impeachment. Ao invés de agir por convicção e arcar com os possíveis custos políticos da decisão, ele optou pela alternativa menos digna e deixou para assinar o papel no último dia do seu mandato.
O argumento usado pela presidência para garantir a impunidade do companheiro terrorista é que na Itália ele poderia ser vítima de perseguição política. Esse episódio exemplifica de forma lapidar o cinismo, o duplo critério e a má fé de muitos de nossos políticos de esquerda. O mesmo governo que negou o asilo a dois atletas cubanos durante o Pan no Rio, dois jovens que não tinham cometido crime nenhum, que simplesmente queriam fugir da enorme prisão que é o paraíso socialista dos brothers Castro, concede asilo a um criminoso julgado culpado de participação em quatro assassinatos! Alguém se preocupou em saber se os judocas cubanos mandados de volta para o seu país foram perseguidos politicamente? Provavelmente não, pois estavam preocupados com perseguições políticas num país democrático como a Itália. Um país onde nem sequer o homem mais poderoso, o primeiro ministro Silvio Berlusconi, consegue manipular a justiça, que ele frequentemente acusar de estar infiltrada por comunistas.
Os atletas cubanos form mandados de volta para não criar um conflito político com Cuba. Cuba, uma ditadura de partido único e cada vez mais miserável, um parceiro comercial de nenhuma importância econômica. No caso Battisti o governo não pôs reparo em dar uma bofetada diplomática na Itália, que não só é uma democracia, mas também um dos países membros do maior bloco econômico do mundo. O governo Lula não criticou nunca Cuba com a desculpa de não se intrometer em assuntos internos do país, mas não teve escrúpulos de dizer que a justiça italiana não funciona e que um cidadão daquele país pode ser vítima de perseguição política.
O argumento mais alucinante para defender Battisti é porque ele diz que é inocente! Quantos dos que defendem a tese da sua inocência conhecem as leis italianas segundo as quais ele foi condenado? Quantos leram os autos do processo, analisaram as provas, estudaram o veredicto? A maioria dos criminosos se declara inocente. É muito pouco para defender quem quer que seja. Se ele é inocente, que demonstre perante a justiça. E se não acredita na justiça do seu país, que apele para o Tribunal Europeu de Estrasburgo. Battisti, como qualquer outra pessoa, tem direito a um julgamento justo. Mas não tem nenhum direito a almejar a impunidade.
Para que tapar o sol com a peneira? A campanha a favor de Battisti só ocorreu porque ele é de esquerda e a solidariedade entre os companheiros de esquerda não conhece limites nem razão. Os atletas cubanos não ficaram no Brasil porque não eram de esquerda, queriam fugir do paraíso político criado pelo ícone da esquerda latino americana.
O político Lula nunca foi santo de minha devoção. Nunca votei nele e provavelmente nunca votaria. Considero seu governo medíocre, porque desperdiçou a melhor oportunidade que o Brasil teve durante o meu tempo de vida de fazer as reformas que poderiam realmente transformar o país para melhor. Algumas decisões que ele tomou me irritaram, outras me indignaram, houve as que considerei más, inúteis ou equivocadas. Mas com o ato de hoje o presidente conseguiu se superar, caíram todas as máscaras. Só ficou visível o que a esquerda latino americana tem de pior. Hoje senti uma enorme vergonha do governo do Brasil.
sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
ASAMG - Cadê o Toucinho Que Estava Aqui?
Quando era criança adorava sentar-me no colo da minha avó e brincar de "cadê o toucinho que estava aqui?" "O gato comeu", era a resposta, e daí para frente as variações eram intermináveis, do tipo: "Cadê o gato?" "Fugiu para o mato." "Cadê o mato?" "O fogo queimou." "Cadê o fogo?" "A água apagou" e assim por diante. Depois que o IBGE publicou na semana passada o resultado provisório do censo 2010, deve haver muita gente se perguntando: "Cadê cinco milhões de brasileiros que estavam aqui?" Pois o gato comeu!
Digo isso porque a estimativa de população do IBGE para 2009 era quase cinco milhões maior do que o resultado do censo neste ano. Quem segue este blog deve se recordar que em Abril de 2008 escrevi que não acreditava na projeção oficial para a população brasileira. A mesma me parecia exagerada; dizia então qual era a minha conta sobre o assunto. Em Dezembro do mesmo ano o IBGE corrigiu drasticamente sua previsão, reduzindo em 45 milhões de pessoas a projeção para 2050, e na época também escrevi a respeito. O primeiro post desse ano falava sobre o censo e nele dizia que se houvesse surpresa, provavelmente seria que encontraríamos dois ou três milhões a menos de pessoas do que a projeção corrigida do IBGE de 2008. A diferença foi muito maior do que a esperada.
O censo traz a melhor notícia do ano, apesar de passar desapercebida para a maioria das pessoas. Aliás, muita gente é capaz de achar que é uma surpresa que haja só 186 milhões de almas encarnadas no país, sem parar para pensar no que isso significa. De fato, não há nenhuma surpresa, quem entende de demografia sabe há pelo menos duas décadas que a transição demográfica está sendo mais rápida do que se previa. Mas demografia é um tema decisivo para as nações e por isso mesmo pode ser objeto de manipulação política. No caso do Brasil, reconhecer as mudanças demográficas enfraquece muitos dos argumentos da esquerda Carolina. O IBGE só correu atrás do prejuízo, retificando suas projeções exageradas quando não dava mais para tapar o sol com a peneira. Dois anos depois, a realidade impõe um novo vexame aos técnicos do instituto.
A primeira conclusão que se pode tirar a partir dos dados publicados é a de que a população brasileira está deixando de crescer. A média de crescimento da última década foi de 0,9 % ao ano. Se não houver nenhuma mudança súbita nas migrações internas ou externas (migração é a variável mais imprevisível em demografia), ou catástrofes do tipo guerra, é bastante razoável supor que na próxima década o crescimento médio seja inferior a 0,5% por ano. Ou seja, o país não chegará aos 200 milhões de habitantes nem sequer em 2020 e no seu pico populacional dificilmente atingirá 210 milhões. Daí para frente a tendência será de ligeiro declínio.
Isso quer dizer que o bônus demográfico já começou na década passada. Ajuda a explicar a notável melhoria em muitos dos indicadores sociais. Continuaremos usufruindo das benesses dessa situação por duas décadas mais. Ótimo para quem estiver no país até 2030, pois tanto o crescimento econômico como os investimentos em infra-estrutura se traduzirão quase que automaticamente em melhor padrão de vida e maior bem estar. A má notícia é que depois do bônus vem o malus e os problemas do envelhecimento populacional se farão sentir muito antes do que se costuma reconhecer. O problema estrela da economia e da sociedade brasileira, o déficit da previdência social, provavelmente explodirá antes do esperado. Os defensores da idéia idiota e ilusa de que não há déficit na previdência terão que fazer contorcionismos estatísticos. Se não brigarem contra os números não vai haver maneira de continuarem afirmando que a previdência é sustentável tal como está montada.
Por enquanto não foram publicados dados detalhados, só as populações dos municípios e os dados agregados por estados. A primeira grande notícia é que São Paulo e Rio já pararam de crescer. Na década passada São Paulo cresceu 2,2% e o Rio 1,4%. Como a taxa de crescimento de ambas cidades é decrescente há décadas, é razoável supor que em 2010 a taxa de crescimento anual seja inferior à média dos dez anos anteriores - ou seja, neste momento a maior cidade do país estaria crescendo menos de 0,2% ao ano e a segunda maior menos de 0,1%. De novo, se não houver nenhum ciclo migratório inesperado nos próximos dez anos, é provável que as duas cidades deixem de crescer e passem a perder população até 2020. Portanto, não seria nenhuma surpresa se o próximo censo mostrasse São Paulo com menos do que os atuais 10,7 milhões de habitantes e o Rio com menos de 5,9 milhões. Nesse caso, é provável que em 2020 Luanda seja a segunda maior cidade lusófona do planeta, deslocando o Rio para uma terceira posição depois de quase dois séculos entre os dois primeiros lugares (ao lado de Lisboa primeiro e São Paulo depois).
Que a população pare de crescer é uma grande oportunidade para o país. Pela primeira vez na nossa história não teremos que correr sempre atrás do prejuízo. É a oportunidade de ouro para o país dar um salto de qualidade. A demografia vai proporcionar as condições, mas mesmo assim, o salto somos nós que vamos ter que dar, ele não vai acontecer sozinho.
Digo isso porque a estimativa de população do IBGE para 2009 era quase cinco milhões maior do que o resultado do censo neste ano. Quem segue este blog deve se recordar que em Abril de 2008 escrevi que não acreditava na projeção oficial para a população brasileira. A mesma me parecia exagerada; dizia então qual era a minha conta sobre o assunto. Em Dezembro do mesmo ano o IBGE corrigiu drasticamente sua previsão, reduzindo em 45 milhões de pessoas a projeção para 2050, e na época também escrevi a respeito. O primeiro post desse ano falava sobre o censo e nele dizia que se houvesse surpresa, provavelmente seria que encontraríamos dois ou três milhões a menos de pessoas do que a projeção corrigida do IBGE de 2008. A diferença foi muito maior do que a esperada.
O censo traz a melhor notícia do ano, apesar de passar desapercebida para a maioria das pessoas. Aliás, muita gente é capaz de achar que é uma surpresa que haja só 186 milhões de almas encarnadas no país, sem parar para pensar no que isso significa. De fato, não há nenhuma surpresa, quem entende de demografia sabe há pelo menos duas décadas que a transição demográfica está sendo mais rápida do que se previa. Mas demografia é um tema decisivo para as nações e por isso mesmo pode ser objeto de manipulação política. No caso do Brasil, reconhecer as mudanças demográficas enfraquece muitos dos argumentos da esquerda Carolina. O IBGE só correu atrás do prejuízo, retificando suas projeções exageradas quando não dava mais para tapar o sol com a peneira. Dois anos depois, a realidade impõe um novo vexame aos técnicos do instituto.
A primeira conclusão que se pode tirar a partir dos dados publicados é a de que a população brasileira está deixando de crescer. A média de crescimento da última década foi de 0,9 % ao ano. Se não houver nenhuma mudança súbita nas migrações internas ou externas (migração é a variável mais imprevisível em demografia), ou catástrofes do tipo guerra, é bastante razoável supor que na próxima década o crescimento médio seja inferior a 0,5% por ano. Ou seja, o país não chegará aos 200 milhões de habitantes nem sequer em 2020 e no seu pico populacional dificilmente atingirá 210 milhões. Daí para frente a tendência será de ligeiro declínio.
Isso quer dizer que o bônus demográfico já começou na década passada. Ajuda a explicar a notável melhoria em muitos dos indicadores sociais. Continuaremos usufruindo das benesses dessa situação por duas décadas mais. Ótimo para quem estiver no país até 2030, pois tanto o crescimento econômico como os investimentos em infra-estrutura se traduzirão quase que automaticamente em melhor padrão de vida e maior bem estar. A má notícia é que depois do bônus vem o malus e os problemas do envelhecimento populacional se farão sentir muito antes do que se costuma reconhecer. O problema estrela da economia e da sociedade brasileira, o déficit da previdência social, provavelmente explodirá antes do esperado. Os defensores da idéia idiota e ilusa de que não há déficit na previdência terão que fazer contorcionismos estatísticos. Se não brigarem contra os números não vai haver maneira de continuarem afirmando que a previdência é sustentável tal como está montada.
Por enquanto não foram publicados dados detalhados, só as populações dos municípios e os dados agregados por estados. A primeira grande notícia é que São Paulo e Rio já pararam de crescer. Na década passada São Paulo cresceu 2,2% e o Rio 1,4%. Como a taxa de crescimento de ambas cidades é decrescente há décadas, é razoável supor que em 2010 a taxa de crescimento anual seja inferior à média dos dez anos anteriores - ou seja, neste momento a maior cidade do país estaria crescendo menos de 0,2% ao ano e a segunda maior menos de 0,1%. De novo, se não houver nenhum ciclo migratório inesperado nos próximos dez anos, é provável que as duas cidades deixem de crescer e passem a perder população até 2020. Portanto, não seria nenhuma surpresa se o próximo censo mostrasse São Paulo com menos do que os atuais 10,7 milhões de habitantes e o Rio com menos de 5,9 milhões. Nesse caso, é provável que em 2020 Luanda seja a segunda maior cidade lusófona do planeta, deslocando o Rio para uma terceira posição depois de quase dois séculos entre os dois primeiros lugares (ao lado de Lisboa primeiro e São Paulo depois).
Que a população pare de crescer é uma grande oportunidade para o país. Pela primeira vez na nossa história não teremos que correr sempre atrás do prejuízo. É a oportunidade de ouro para o país dar um salto de qualidade. A demografia vai proporcionar as condições, mas mesmo assim, o salto somos nós que vamos ter que dar, ele não vai acontecer sozinho.
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
ASAMG - Cheque em Branco
As últimas pesquisas eleitorais indicam que a candidata petista estaria à frente do tucano uns doze pontos percentuais na disputa para a presidência. É margem mais que suficiente para dar muita coisa errada e mesmo assim ela sair eleita no dia 31. A nove dias da eleição, parece muito provável que Dilma venha a ser a nova presidente do Brasil.
As eleições são uma mistura de decisão racional com competição emocional. Torcemos pelo nosso candidato como torcemos pela nossa seleção, pelo nosso filme favorito ao Oscar, nosso time de futebol. Em política conta tanto o sentimento a favor como contra. De um e outro lado ouvimos queixas do ódio que estaria marcando a disputa presidencial. Alguma surpresa? Não há dúvida que o voto pró Dilma ou Serra, assim como o voto contra o PT ou o PSDB tem muito de emocional. Quem for eleito presidente terá ganho tanto a batalha da razão como a da emoção. Depois, superada a competição, voltaremos à realidade.
Às vezes me pergunto se os eleitores de Dilma Rousseff alguma vez pararam para pensar no dia seguinte. Não só primeiro de Novembro, Todos os Santos, mas cada dia do seu mandato. O que significa realmente, na prática e no dia-a-dia, tê-la como presidente. No seu caráter famoso pelo autoritarismo e pelo pavio curto. Na sua inexperiência como negociadora política. Na dúvida se ela vai mandar no PT ou ser mandada pelo PT. Na enorme dúvida se além de boa número dois, ela também pode ser uma líder, uma boa número um. Na avidez do partido que é a Geni da política brasileira para ficar com a sua parte deste latifúndio. Até mesmo nas suas tendências estatistas e no seu mapa mental ancorado nos anos sessenta e setenta. Uma coisa é querer que Dilma ganhe, outra é querer tê-la como presidente. Será que quem vota nela parou para pensar nisso?
Respeito os eleitores que votam no PT por convicção ideológica. Eles votariam em qualquer candidato do seu partido. Apesar de discordar de suas idéias e de nos encontrarmos em posições distantes do arco político, eles são adversários, não inimigos. Mas estes devem perfazer pouco mais da metade dos votos que Dilma aparentemente terá. E a outra metade? Estão dispostos a votar numa pessoa que no fundo é uma incógnita, a troco da esperança de que o Brasil continue indo bem? Não há nenhuma garantia de que seja assim. Esse voto é um cheque em branco. É claro que cada eleitor faz o que bem entender, mas você passaria um cheque em branco a uma desconhecida?
Volto a fazer a pergunta do post anterior: se Lula não tivesse tomado a decisão unilateral (e portanto autoritária) de escolher Dilma como candidata e impô-la ao PT e aos eleitores, alguém teria tido essa idéia? Parece-me óbvio que não. É essa candidata artificial que os brasileiros querem mesmo como presidente durante 1.461 dias? Tenho idade suficiente para saber que o fato dela ser uma neófita em eleições e mais burocrata que política não significa necessariamente que será uma má presidente. Os próximos quatro anos não dependem só de quem estiver no governo e das medidas que tomar, mas também da conjuntura internacional e de eventos que nem sequer imaginamos hoje. Mas Dilma seria a primeira opção dos seus eleitores sem o dedazo de Lula? E as pessoas vão votar nela só porque o presidente mandou?
Da minha parte acho um enorme desperdício o país perder mais quatro anos sem fazer as reformas que são tão urgentes e que Lula simplesmente ignorou. Ontem mesmo foi divulgado o déficit da previdência e a projeção para o final do ano. Apesar do Brasil estar bombando e da criação record de trabalho formal, o déficit previdenciário não dá trégua. Mas parece que ninguém se importa. A previdência, a reforma fiscal, o déficit público estão ausentes do debate eleitoral. As privatizações só se discutem na base da baixaria. O tema ecológico, fundamental para a visão de país em 2050 (e além), também fica de fora, apesar da enorme votação de Marina Silva no primeiro turno. A eleição parece mais bate-boca de vizinhos, o tão pernicioso "nós" contra "eles". Que pena!
As eleições são uma mistura de decisão racional com competição emocional. Torcemos pelo nosso candidato como torcemos pela nossa seleção, pelo nosso filme favorito ao Oscar, nosso time de futebol. Em política conta tanto o sentimento a favor como contra. De um e outro lado ouvimos queixas do ódio que estaria marcando a disputa presidencial. Alguma surpresa? Não há dúvida que o voto pró Dilma ou Serra, assim como o voto contra o PT ou o PSDB tem muito de emocional. Quem for eleito presidente terá ganho tanto a batalha da razão como a da emoção. Depois, superada a competição, voltaremos à realidade.
Às vezes me pergunto se os eleitores de Dilma Rousseff alguma vez pararam para pensar no dia seguinte. Não só primeiro de Novembro, Todos os Santos, mas cada dia do seu mandato. O que significa realmente, na prática e no dia-a-dia, tê-la como presidente. No seu caráter famoso pelo autoritarismo e pelo pavio curto. Na sua inexperiência como negociadora política. Na dúvida se ela vai mandar no PT ou ser mandada pelo PT. Na enorme dúvida se além de boa número dois, ela também pode ser uma líder, uma boa número um. Na avidez do partido que é a Geni da política brasileira para ficar com a sua parte deste latifúndio. Até mesmo nas suas tendências estatistas e no seu mapa mental ancorado nos anos sessenta e setenta. Uma coisa é querer que Dilma ganhe, outra é querer tê-la como presidente. Será que quem vota nela parou para pensar nisso?
Respeito os eleitores que votam no PT por convicção ideológica. Eles votariam em qualquer candidato do seu partido. Apesar de discordar de suas idéias e de nos encontrarmos em posições distantes do arco político, eles são adversários, não inimigos. Mas estes devem perfazer pouco mais da metade dos votos que Dilma aparentemente terá. E a outra metade? Estão dispostos a votar numa pessoa que no fundo é uma incógnita, a troco da esperança de que o Brasil continue indo bem? Não há nenhuma garantia de que seja assim. Esse voto é um cheque em branco. É claro que cada eleitor faz o que bem entender, mas você passaria um cheque em branco a uma desconhecida?
Volto a fazer a pergunta do post anterior: se Lula não tivesse tomado a decisão unilateral (e portanto autoritária) de escolher Dilma como candidata e impô-la ao PT e aos eleitores, alguém teria tido essa idéia? Parece-me óbvio que não. É essa candidata artificial que os brasileiros querem mesmo como presidente durante 1.461 dias? Tenho idade suficiente para saber que o fato dela ser uma neófita em eleições e mais burocrata que política não significa necessariamente que será uma má presidente. Os próximos quatro anos não dependem só de quem estiver no governo e das medidas que tomar, mas também da conjuntura internacional e de eventos que nem sequer imaginamos hoje. Mas Dilma seria a primeira opção dos seus eleitores sem o dedazo de Lula? E as pessoas vão votar nela só porque o presidente mandou?
Da minha parte acho um enorme desperdício o país perder mais quatro anos sem fazer as reformas que são tão urgentes e que Lula simplesmente ignorou. Ontem mesmo foi divulgado o déficit da previdência e a projeção para o final do ano. Apesar do Brasil estar bombando e da criação record de trabalho formal, o déficit previdenciário não dá trégua. Mas parece que ninguém se importa. A previdência, a reforma fiscal, o déficit público estão ausentes do debate eleitoral. As privatizações só se discutem na base da baixaria. O tema ecológico, fundamental para a visão de país em 2050 (e além), também fica de fora, apesar da enorme votação de Marina Silva no primeiro turno. A eleição parece mais bate-boca de vizinhos, o tão pernicioso "nós" contra "eles". Que pena!
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
ASAMG - E Agora?
Estava em Barcelona no dia três, quando houve o primeiro turno das eleições no Brasil. Aqui na Europa a imprensa dava como certa a vitória de Dilma Rousseff. A maneira como era feita a cobertura levava a que meus conhecidos me considerassem um lunático, ao insistir tanto que haveria um segundo turno, que a vitória da ex-ministra não eram favas contadas. Tanto em Portugal como aqui na Espanha Lula e a sua candidata eram considerados imbatíveis. Bueno, parece que os eleitores brasileiros eram de outra opinião.
Dilma Rousseff ganhou o primeiro turno, mas não no primeiro turno. O PT, a começar pelo presidente da República, fez tanto finca pé em que ela teria maioria absoluta e houve tanto oba-oba e "já ganhou", que sua vitória teve o sabor amargo de derrota. As cenas que vi na televisão espanhola mostravam petistas e aliados com indisfarçável cara de bunda mal lavada. Já Serra dizia estar feliz e via-se que estava mesmo. Depois de insistir tanto nessa bobagem de ganhar no primeiro turno, não só Lula tem que engolir essa derrota para a sua vaidade mega-inflada, como tem que admitir que até hoje só o seu desafeto Fernando Henrique Cardoso conseguiu se eleger assim, por sinal duas vezes e em ambas ocasiões derrotando o próprio Lula.
Mas se todo mundo achava que Lula ia eleger sua candidata, o que foi que aconteceu? O que saiu errado? Para usar uma construção cara ao presidente, nunca antes na história desse país tinha sido criada uma estrutura tão forte, uma máquina eleitoral tão poderosa como a que funcionou para a candidata petista. O PT não só se coligou com o mais poderoso partido brasileiro, PMDB, como fez todos os acordos regionais que pôde para viabilizar sua vitória. O caso mais notório foi sacrificar a candidatura própria ao governo de Minas. As doações para a campanha de Dilma deixaram Marina e Serra muito atrás. O próprio presidente fez mais campanha para a sua candidata do que para si próprio em 2006. Nem assim foi suficiente.
Provavelmente parte do problema de Dilma é que sua candidatura é totalmente artificial. Foi escolha pessoal e unilateral de Lula, imposta ao seu partido. Se o presidente não tivesse feito assim, alguém teria tido a idéia de lançá-la candidata à presidência? Provavelmente não, e por razões óbvias. Essas razões óbvias foram insistentemente esquecidas durante os dois últimos anos, baseadas na idéia de que a popularidade de Lula resolveria tudo. Muita gente acreditou nessa balela. Mas Dilma não é uma política profissional. Não tinha nenhuma experiência eleitoral. Não é carismática. Até bem pouco tempo nem sequer era conhecida. Pedir para votar nela é como dizer para um jovem que deve aceitar um casamento arranjado pelos seus pais: pode ser uma escolha que dê certo (amigos indianos se casaram dessa forma e são muito felizes), mas o risco é enorme. E muita gente adulta prefere pensar por si própria e fazer o que acha mais adequado, e não o que os pais dizem para fazer.
A segunda parte dessa equação é que José Serra é um político conhecido, experiente e experimentado. Tem trânsito, cancha eleitoral, é conhecido nacionalmente há muito tempo, foi bem avaliado como prefeito de São Paulo e como governador. E mais importante que qualquer outra coisa: desde o final do ano passado aliados e opositores o criticam pela maneira como administra sua candidatura, mas insistentemente os fatos demonstram que ele não pode estar tão errado, pois a sua resiliência é enorme. Depois de ter sido considerado acabado tantas vezes, ele conseguiu não só chegar ao segundo turno, como o momentum lhe é favorável. Tudo que a candidatura de Dilma tem de artificial a de Serra tem de substancial, independentemente das preferências políticas do eleitor.
O segundo turno, em 31 de Outubro, é uma nova eleição. Não será de maneira nenhuma um passeio, um mero trâmite burocrático para eleger Dilma. O PT já não contará com vantagem no tempo de TV. Nos cinco maiores estados as eleições para governador foram resolvidas no domingo passado e muitas análises mostram que isso pode se tornar uma grande vantagem para os tucanos. Minas Gerais provavelmente será um estado decisivo na votação. Depois do enorme sapo que os petistas mineiros tiveram que engolir, a derrota de Hélio Costa não ajuda em nada a levantar os ânimos. E se tudo isso não fosse suficiente, ouço dizer nos bastidores que Dilma está esgotada fisicamente. Sabe-se lá como ela chegará ao final da campanha.
Se nos últimos meses mais de uma vez disse que achava que Serra era o favorito, agora estou mais do que convencido disso. Não quer dizer de maneira nenhuma que ele vá ganhar a eleição. A poderosa máquina eleitoral montada pelo presidente Lula continuará trabalhando para Dilma. Mas depois do último domingo, ele ficou um pouco mais perto do Planalto, e ela um pouco mais longe.
Termino este post expressando minha felicidade de que Mário Vargas Llosa tenha ganhado o premio Nobel de literatura. Vargas Llosa é um excelente escritor e um brilhante intelectual. É um feroz defensor da liberdade humana e da sociedade aberta. A América Latina e o mundo seriam lugares muito melhores se houvesse mais gente como ele!
Dilma Rousseff ganhou o primeiro turno, mas não no primeiro turno. O PT, a começar pelo presidente da República, fez tanto finca pé em que ela teria maioria absoluta e houve tanto oba-oba e "já ganhou", que sua vitória teve o sabor amargo de derrota. As cenas que vi na televisão espanhola mostravam petistas e aliados com indisfarçável cara de bunda mal lavada. Já Serra dizia estar feliz e via-se que estava mesmo. Depois de insistir tanto nessa bobagem de ganhar no primeiro turno, não só Lula tem que engolir essa derrota para a sua vaidade mega-inflada, como tem que admitir que até hoje só o seu desafeto Fernando Henrique Cardoso conseguiu se eleger assim, por sinal duas vezes e em ambas ocasiões derrotando o próprio Lula.
Mas se todo mundo achava que Lula ia eleger sua candidata, o que foi que aconteceu? O que saiu errado? Para usar uma construção cara ao presidente, nunca antes na história desse país tinha sido criada uma estrutura tão forte, uma máquina eleitoral tão poderosa como a que funcionou para a candidata petista. O PT não só se coligou com o mais poderoso partido brasileiro, PMDB, como fez todos os acordos regionais que pôde para viabilizar sua vitória. O caso mais notório foi sacrificar a candidatura própria ao governo de Minas. As doações para a campanha de Dilma deixaram Marina e Serra muito atrás. O próprio presidente fez mais campanha para a sua candidata do que para si próprio em 2006. Nem assim foi suficiente.
Provavelmente parte do problema de Dilma é que sua candidatura é totalmente artificial. Foi escolha pessoal e unilateral de Lula, imposta ao seu partido. Se o presidente não tivesse feito assim, alguém teria tido a idéia de lançá-la candidata à presidência? Provavelmente não, e por razões óbvias. Essas razões óbvias foram insistentemente esquecidas durante os dois últimos anos, baseadas na idéia de que a popularidade de Lula resolveria tudo. Muita gente acreditou nessa balela. Mas Dilma não é uma política profissional. Não tinha nenhuma experiência eleitoral. Não é carismática. Até bem pouco tempo nem sequer era conhecida. Pedir para votar nela é como dizer para um jovem que deve aceitar um casamento arranjado pelos seus pais: pode ser uma escolha que dê certo (amigos indianos se casaram dessa forma e são muito felizes), mas o risco é enorme. E muita gente adulta prefere pensar por si própria e fazer o que acha mais adequado, e não o que os pais dizem para fazer.
A segunda parte dessa equação é que José Serra é um político conhecido, experiente e experimentado. Tem trânsito, cancha eleitoral, é conhecido nacionalmente há muito tempo, foi bem avaliado como prefeito de São Paulo e como governador. E mais importante que qualquer outra coisa: desde o final do ano passado aliados e opositores o criticam pela maneira como administra sua candidatura, mas insistentemente os fatos demonstram que ele não pode estar tão errado, pois a sua resiliência é enorme. Depois de ter sido considerado acabado tantas vezes, ele conseguiu não só chegar ao segundo turno, como o momentum lhe é favorável. Tudo que a candidatura de Dilma tem de artificial a de Serra tem de substancial, independentemente das preferências políticas do eleitor.
O segundo turno, em 31 de Outubro, é uma nova eleição. Não será de maneira nenhuma um passeio, um mero trâmite burocrático para eleger Dilma. O PT já não contará com vantagem no tempo de TV. Nos cinco maiores estados as eleições para governador foram resolvidas no domingo passado e muitas análises mostram que isso pode se tornar uma grande vantagem para os tucanos. Minas Gerais provavelmente será um estado decisivo na votação. Depois do enorme sapo que os petistas mineiros tiveram que engolir, a derrota de Hélio Costa não ajuda em nada a levantar os ânimos. E se tudo isso não fosse suficiente, ouço dizer nos bastidores que Dilma está esgotada fisicamente. Sabe-se lá como ela chegará ao final da campanha.
Se nos últimos meses mais de uma vez disse que achava que Serra era o favorito, agora estou mais do que convencido disso. Não quer dizer de maneira nenhuma que ele vá ganhar a eleição. A poderosa máquina eleitoral montada pelo presidente Lula continuará trabalhando para Dilma. Mas depois do último domingo, ele ficou um pouco mais perto do Planalto, e ela um pouco mais longe.
Termino este post expressando minha felicidade de que Mário Vargas Llosa tenha ganhado o premio Nobel de literatura. Vargas Llosa é um excelente escritor e um brilhante intelectual. É um feroz defensor da liberdade humana e da sociedade aberta. A América Latina e o mundo seriam lugares muito melhores se houvesse mais gente como ele!
domingo, 3 de outubro de 2010
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
ASAMG - Os Cem Dias
Em Agosto passei duas semanas de férias em São Paulo. Foi quando Dilma começou a disparar nas pesquisas e o clima de já ganhou começou a preponderar. Digo isso de São Paulo. É possível que em outros estados mais governistas a euforia com a candidata oficial fosse mais antiga.
A maioria das pessoas que conheço não votam nem no Lula nem no PT, portanto o que mais ouvi foram críticas e análises pessimistas. Uma delas era de que uma vitória de Dilma prenunciaria uma era de autoritarismo populista, no estilo do PRI mexicano. Até o comentário de que "se ela ganhar o Brasil nunca mais se livra do PT" era frequente, porque depois de Dilma voltaria Lula e nesses anos todos "eles" teriam tempo para acabar de aparelhar toda a máquina do Estado, ameaçando a própria democracia.
Não há dúvida que a velha guarda esquerdista que está por trás da candidatura Dilma não merece confiança. Historicamente, onde teve a oportunidade, essa gente passou por cima da democracia e priorizou seus interesses, partidários ou mesmo pessoais. Para dar um exemplo basta mencionar o tal controle social da imprensa. Esta seria a maneira de justificarem a censura parcial ou total às matérias que lhes são contrárias. No arsenal esquerdista populista há inúmeras formas de atropelar o Estado de Direito. Se alguém tem alguma dúvida, basta olhar para a Venezuela do Hugo Chávez, onde abundam os desmandos.
Mesmo assim, a comparação com o PRI pareceu-me não só exagerada, como altamente improvável. Admitindo que Dilma seja realmente eleita (ainda não estou convencido), para começo de conversa não há nenhuma garantia de que faça um bom governo. Ela pode ser um desastre como presidente e em 2014 a oposição ganhar a eleição. Aliás, esse não é o único risco. Ela pode voltar a ter problemas de saúde (em casos de câncer, os cinco primeiros anos depois da cura são os mais críticos) e, dependendo da gravidade, com consequências imprevisíveis. O mesmo pode ser dito de Lula: em 2014 ele terá 69 anos. Nessa idade não há garantia de nada, nem sequer de que chegue lá vivo (em 2017 a chance é menor ainda). Portanto achar que a vitória de Dilma agora significa a volta de Lula e mais dois mandatos para o presidente é botar os bois muito à frente da carroça.
A situação atual do Brasil me lembra muito mais a Espanha do que o México. Na transição espanhola os governos conservadores preponderaram por uma década desde o final do franquismo. Então Felipe González foi eleito e ficou no poder dezesseis anos. Nesse tempo fez coisas boas e ruins. Teve o vento a favor quando a Espanha entrou para a CEE e o país nadou nas ajudas européias. Foi uma época de grandes investimentos em infra-estrutura e de crescimento econômico. Por um tempo a Espanha esteve na moda, com os Jogos Olímpicos de Barcelona e a Expo de Sevilha. Mas dezesseis anos é muito tempo, suficiente para haver inversão do ciclo econômico (como se viu em 2008/2009, nenhuma prosperidade é para sempre) e o país passar pela grave crise de 1993. Ao desgaste natural do governo somaram-se inúmeros escândalos de corrupção e o país achou que era hora de mudar: em 1996 a direita voltou ao poder, com José Maria Aznar do PP.
O paralelismo com a Espanha dá muito que pensar. No seu último mandato, o socialista Gonzalez começou a tomar medidas que os pouca-leitura brasileiros chamariam de neo-liberais. Foi ele quem começou inclusive o processo de privatização das empresas estatais. Aznar radicalizou esse processo e a Espanha viveu quase quinze anos de prosperidade, crescendo muito mais que os países comparáveis da União Européia. Vendo o que aconteceu na Espanha, parece que só o governo que vier depois da era PT, depois de mais quatro, oito, doze ou sabe-se lá quantos anos, fará as reformas estruturais de que o Brasil tanto precisa. Que desperdício perder mais todo esse tempo, depois dos oito anos já perdidos na era Lula.
Outra razão para preocupação é constatar o quanto a sociedade espanhola é fraturada entre "nós" e "eles" e de como o jogo político é pesado e brutal. É verdade que o enfrentamento entre as duas Espanhas vem de longa data e passou pelo cataclismo da guerra civil. Mas o que vejo no Brasil é a formação de um bi-partidismo de antipatias viscerais, cada vez mais parecido com a divisão da sociedade espanhola. Onde foi parar a cordialidade brasileira? Almoçando com velhos amigos em São Paulo, um deles recordou que na infância jogava bola na rua com os meninos da favela e aquilo não era nem anormal nem representava nenhum problema. Na São Paulo de hoje seria inimaginável. Eu poderia dar muitos exemplos semelhantes da minha infância. Que pena que essa convivência entre grupos distintos possa estar se tornando inviável.
Apesar do que dizem as pesquisas e do paralelismo ente o Brasil e a Espanha sugerir que pode haver um ciclo longo de governo petista, não acredito que Dilma ganhe no primeiro turno. Mesmo reconhecendo seu favoritismo, não estou convencido sequer de que sua vitória é irreversível. Mas hoje é um dia especial: além de começar a primavera, faltam só cem dias para o fim do mandato do nosso candidato a monarca francês - Rei Sol ou Napoleão, não se sabe ainda bem qual dos dois lhe cai melhor. Aconteça o que acontecer, pelo menos teremos um descanso do Lula. Que dure!
A maioria das pessoas que conheço não votam nem no Lula nem no PT, portanto o que mais ouvi foram críticas e análises pessimistas. Uma delas era de que uma vitória de Dilma prenunciaria uma era de autoritarismo populista, no estilo do PRI mexicano. Até o comentário de que "se ela ganhar o Brasil nunca mais se livra do PT" era frequente, porque depois de Dilma voltaria Lula e nesses anos todos "eles" teriam tempo para acabar de aparelhar toda a máquina do Estado, ameaçando a própria democracia.
Não há dúvida que a velha guarda esquerdista que está por trás da candidatura Dilma não merece confiança. Historicamente, onde teve a oportunidade, essa gente passou por cima da democracia e priorizou seus interesses, partidários ou mesmo pessoais. Para dar um exemplo basta mencionar o tal controle social da imprensa. Esta seria a maneira de justificarem a censura parcial ou total às matérias que lhes são contrárias. No arsenal esquerdista populista há inúmeras formas de atropelar o Estado de Direito. Se alguém tem alguma dúvida, basta olhar para a Venezuela do Hugo Chávez, onde abundam os desmandos.
Mesmo assim, a comparação com o PRI pareceu-me não só exagerada, como altamente improvável. Admitindo que Dilma seja realmente eleita (ainda não estou convencido), para começo de conversa não há nenhuma garantia de que faça um bom governo. Ela pode ser um desastre como presidente e em 2014 a oposição ganhar a eleição. Aliás, esse não é o único risco. Ela pode voltar a ter problemas de saúde (em casos de câncer, os cinco primeiros anos depois da cura são os mais críticos) e, dependendo da gravidade, com consequências imprevisíveis. O mesmo pode ser dito de Lula: em 2014 ele terá 69 anos. Nessa idade não há garantia de nada, nem sequer de que chegue lá vivo (em 2017 a chance é menor ainda). Portanto achar que a vitória de Dilma agora significa a volta de Lula e mais dois mandatos para o presidente é botar os bois muito à frente da carroça.
A situação atual do Brasil me lembra muito mais a Espanha do que o México. Na transição espanhola os governos conservadores preponderaram por uma década desde o final do franquismo. Então Felipe González foi eleito e ficou no poder dezesseis anos. Nesse tempo fez coisas boas e ruins. Teve o vento a favor quando a Espanha entrou para a CEE e o país nadou nas ajudas européias. Foi uma época de grandes investimentos em infra-estrutura e de crescimento econômico. Por um tempo a Espanha esteve na moda, com os Jogos Olímpicos de Barcelona e a Expo de Sevilha. Mas dezesseis anos é muito tempo, suficiente para haver inversão do ciclo econômico (como se viu em 2008/2009, nenhuma prosperidade é para sempre) e o país passar pela grave crise de 1993. Ao desgaste natural do governo somaram-se inúmeros escândalos de corrupção e o país achou que era hora de mudar: em 1996 a direita voltou ao poder, com José Maria Aznar do PP.
O paralelismo com a Espanha dá muito que pensar. No seu último mandato, o socialista Gonzalez começou a tomar medidas que os pouca-leitura brasileiros chamariam de neo-liberais. Foi ele quem começou inclusive o processo de privatização das empresas estatais. Aznar radicalizou esse processo e a Espanha viveu quase quinze anos de prosperidade, crescendo muito mais que os países comparáveis da União Européia. Vendo o que aconteceu na Espanha, parece que só o governo que vier depois da era PT, depois de mais quatro, oito, doze ou sabe-se lá quantos anos, fará as reformas estruturais de que o Brasil tanto precisa. Que desperdício perder mais todo esse tempo, depois dos oito anos já perdidos na era Lula.
Outra razão para preocupação é constatar o quanto a sociedade espanhola é fraturada entre "nós" e "eles" e de como o jogo político é pesado e brutal. É verdade que o enfrentamento entre as duas Espanhas vem de longa data e passou pelo cataclismo da guerra civil. Mas o que vejo no Brasil é a formação de um bi-partidismo de antipatias viscerais, cada vez mais parecido com a divisão da sociedade espanhola. Onde foi parar a cordialidade brasileira? Almoçando com velhos amigos em São Paulo, um deles recordou que na infância jogava bola na rua com os meninos da favela e aquilo não era nem anormal nem representava nenhum problema. Na São Paulo de hoje seria inimaginável. Eu poderia dar muitos exemplos semelhantes da minha infância. Que pena que essa convivência entre grupos distintos possa estar se tornando inviável.
Apesar do que dizem as pesquisas e do paralelismo ente o Brasil e a Espanha sugerir que pode haver um ciclo longo de governo petista, não acredito que Dilma ganhe no primeiro turno. Mesmo reconhecendo seu favoritismo, não estou convencido sequer de que sua vitória é irreversível. Mas hoje é um dia especial: além de começar a primavera, faltam só cem dias para o fim do mandato do nosso candidato a monarca francês - Rei Sol ou Napoleão, não se sabe ainda bem qual dos dois lhe cai melhor. Aconteça o que acontecer, pelo menos teremos um descanso do Lula. Que dure!
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
ASAMG - Dez Idéias para o Brasil (dois)
Retomo o post anterior para completar meu decálogo de sugestões para os políticos que concorrem às eleições do mês que vem. Começo pelos dois temas mais recorrentes neste blog: reforma fiscal e reforma da previdência.
Já escrevi em outras ocasiões que não fazer a reforma fiscal é uma enorme burrice. A demonstração dessa tese ocorreu quando o governo reduziu temporariamente o IPI para determinados bens, visando estimular a economia. Em economês, a resposta foi super elástica, ou seja, a vendas desses produtos aumentaram enormemente. Dá uma idéia do que aconteceria se os impostos fossem reduzidos - principalmente o número deles. Há várias contagens de quantos impostos temos. Os números variam segundo a fonte, mas rondam os sessenta mais ou menos. Não vou advogar a tese do imposto único, mas a verdade é que com dez daria para cobrir os principais fatores econômicos que faz sentido tributar. Vinte impostos já seriam um exagero. Portanto, dá para extinguir pelo menos quarenta!
Um imposto não é apenas um ônus para quem o paga, mas também um custo administrativo, para quem paga, para quem arrecada e para quem fiscaliza. Portanto excesso de impostos é sinônimo de desperdício, de custos desnecessários e de ineficiência. Como exemplo pode-se citar a implantação do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), que substituiria outros seis tributos, como o ICMS e o IPI. O IVA não é apenas tecnicamente melhor, ele representa uma simplificação que deveria estar entre os principais objetivos da reforma.
Quem diz eliminar impostos não está necessariamente advogando menor carga tributária. A eliminação de tributos pode ser compensada pela concomitante eliminação de subsídios e de isenções fiscais. As isenções são uma praga que tornam a fiscalização muito mais complicada e cara. Também abrem as portas por onde pode passar a sonegação. Um típico exemplo é permitir os contribuintes descontarem os gastos médicos nas suas declarações de IR. A receita tem que gastar fortunas com a malha fina (horas-máquina de computador, analistas de sistema, operadores etc) para tentar evitar a sonegação. Seria muito mais fácil não permitir essa isenção. O aumento da receita poderia ser utilizado para eliminar um imposto inútil, como o IPVA por exemplo.
Se a reforma fiscal não deve ser feita com o objetivo de reduzir a carga fiscal em si, tampouco deveria ser neutra. Tem que haver ganhadores e perdedores e os maiores ganhadores deveriam ser aqueles contribuintes que pagam tudo que têm que pagar; os maiores perdedores deveriam ser os sonegadores. A simplicidade e transparência deveriam significar maior facilidade e menor custo para fiscalizar, permitindo reduzir a sonegação. Afinal, não existe maior injustiça fiscal que sonegar!
Se a reforma fiscal é opcional, a reforma da previdência é inevitável. Ela virá cedo ou tarde, pelo simples fato do atual sistema ser inviável financeiramente. O Brasil pode não fazer nada e deixar ocorrer uma crise como a da Grécia lá na frente, ou escolher a racionalidade econômica e atacar as muitas mazelas do nosso sistema.
Há duas maneiras de reduzir o déficit: aumentando as receitas ou diminuindo as despesas. Aumentar as receitas pode tanto ser aumentar a contribuição do beneficiário ou aumentar o número de anos que tem que fazê-la. Diminuir a despesa só é possível diminuindo o número de anos que os beneficiários recebem a aposentadoria, ou seja, instituindo uma idade mínima para se aposentar, que deveria ser igual para homens e mulheres (regra em quase todos os países europeus).
Nem com a economia bombando e a criação de milhões de empregos formais o déficit da previdência diminui. Esse deveria ser um sinal de alerta do que vai acontecer em vinte ou trinta anos. Fingir de morto e depois sair às ruas para protestar contra o mercado quando o sistema falir é a alternativa mais dolorosa. Quanto mais tempo passar, maior vai ser o tamanho da encrenca. Mas nessa matéria o brasileiro atua como se não existisse problema ou não houvesse pressa para resolvê-lo.
Outro assunto polêmico e demonizado pela esquerda é a privatização de empresas estatais. Acho que o Brasil deveria fazer como a Espanha na década passada e privatizar todas suas estatais. Nenhum país precisa delas. Essa lenga lenga de setor estratégico que deveria estar nas mãos do estado é conversa mole para boi dormir. A própria experiência brasileira nesse setor é extremamente positiva. Privatizar nossas estatais através das bolsas do Rio e São Paulo ajudaria o país a dar um enorme salto adiante na consolidação do capitalismo, do mercado e do desenvolvimento. Basta ter coragem para enfrentar os reacionários que defendem o estatismo como se fosse a verdade anunciada.
No campo demográfico, nossos políticos primam pela indiferença. Simplesmente não há política sobre o assunto. Num mundo onde a mobilidade não para de crescer, é inacreditável que um país do tamanho e importância do Brasil não tenha uma política de imigração. Pior, a imensa maioria dos nossos cidadãos nem sequer desconfia que é extremamente complicado emigrar para aí e mesmo executivos estrangeiros que vão com trabalho garantido em grandes empresas podem demorar um ano para receber visto de trabalho e residência. É muito mais complicado emigrar para o Brasil do que para a Alemanha por exemplo. A competitividade internacional torna indispensável saber como atrair talento, venha de onde vier. É preciso pensar e implantar uma política de imigração, não só para criar facilidades ao conceder visto de trabalho e residência para talentos e pessoas interessadas em investir no Brasil, mas também para lidar com a imigração de pessoas que vão em busca de um futuro melhor, se um dia o Brasil se tornar atraente para este público (infelizmente hoje nós exportamos ambos tipos de emigrantes, mas seria bom se um dia deixasse de ser assim).
Por fim sugiro uma mudança que seria puramente estética, mas que deixaria de nos causar tanta vergonha: acabar com a regra constitucional que limita os juros a 12% ao ano. Este artigo está na constituição desde 1988 e nunca foi cumprido. Ainda bem que houve o bom senso de nunca aplicá-lo. Quem acha que os juros se regulam por lei, assim como os que acham que a inflação se combate com congelamento de preços, são completa, absoluta e inapelavelmente ignorantes em economia. Um artigo como esse na constituição é prova de burrice, à qual aliás o Brasil não faz jus, pois teve a inteligência de ignorá-lo durante duas décadas. Se esse artigo fosse só inútil, como outro que obriga os professores a fazer chamada para verificar os alunos presentes em aula (você pode não acreditar, mas esta cretinice é matéria constitucional no Brasil), seria feio mas inócuo. Mas já imaginou se algum dia alguém resolver que é preciso fazer valer o limite dos juros? Pode ser o pandemônio! O melhor mesmo seria limpar a constituição dessa potencial bomba atômica.
Tendo em vista o panorama eleitoral descortinado pelas atuais pesquisas, é pouco provável que qualquer uma dessas idéias tenha chance de vingar nos próximos quatro anos. É uma pena, pois tudo indica que nesses pontos o país continuará marcando passo. Tempo, para os vivos, é um bem escasso e que nunca mais se recupera. Mas não parece que o eleitor brasileiro esteja preocupado.
Já escrevi em outras ocasiões que não fazer a reforma fiscal é uma enorme burrice. A demonstração dessa tese ocorreu quando o governo reduziu temporariamente o IPI para determinados bens, visando estimular a economia. Em economês, a resposta foi super elástica, ou seja, a vendas desses produtos aumentaram enormemente. Dá uma idéia do que aconteceria se os impostos fossem reduzidos - principalmente o número deles. Há várias contagens de quantos impostos temos. Os números variam segundo a fonte, mas rondam os sessenta mais ou menos. Não vou advogar a tese do imposto único, mas a verdade é que com dez daria para cobrir os principais fatores econômicos que faz sentido tributar. Vinte impostos já seriam um exagero. Portanto, dá para extinguir pelo menos quarenta!
Um imposto não é apenas um ônus para quem o paga, mas também um custo administrativo, para quem paga, para quem arrecada e para quem fiscaliza. Portanto excesso de impostos é sinônimo de desperdício, de custos desnecessários e de ineficiência. Como exemplo pode-se citar a implantação do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), que substituiria outros seis tributos, como o ICMS e o IPI. O IVA não é apenas tecnicamente melhor, ele representa uma simplificação que deveria estar entre os principais objetivos da reforma.
Quem diz eliminar impostos não está necessariamente advogando menor carga tributária. A eliminação de tributos pode ser compensada pela concomitante eliminação de subsídios e de isenções fiscais. As isenções são uma praga que tornam a fiscalização muito mais complicada e cara. Também abrem as portas por onde pode passar a sonegação. Um típico exemplo é permitir os contribuintes descontarem os gastos médicos nas suas declarações de IR. A receita tem que gastar fortunas com a malha fina (horas-máquina de computador, analistas de sistema, operadores etc) para tentar evitar a sonegação. Seria muito mais fácil não permitir essa isenção. O aumento da receita poderia ser utilizado para eliminar um imposto inútil, como o IPVA por exemplo.
Se a reforma fiscal não deve ser feita com o objetivo de reduzir a carga fiscal em si, tampouco deveria ser neutra. Tem que haver ganhadores e perdedores e os maiores ganhadores deveriam ser aqueles contribuintes que pagam tudo que têm que pagar; os maiores perdedores deveriam ser os sonegadores. A simplicidade e transparência deveriam significar maior facilidade e menor custo para fiscalizar, permitindo reduzir a sonegação. Afinal, não existe maior injustiça fiscal que sonegar!
Se a reforma fiscal é opcional, a reforma da previdência é inevitável. Ela virá cedo ou tarde, pelo simples fato do atual sistema ser inviável financeiramente. O Brasil pode não fazer nada e deixar ocorrer uma crise como a da Grécia lá na frente, ou escolher a racionalidade econômica e atacar as muitas mazelas do nosso sistema.
Há duas maneiras de reduzir o déficit: aumentando as receitas ou diminuindo as despesas. Aumentar as receitas pode tanto ser aumentar a contribuição do beneficiário ou aumentar o número de anos que tem que fazê-la. Diminuir a despesa só é possível diminuindo o número de anos que os beneficiários recebem a aposentadoria, ou seja, instituindo uma idade mínima para se aposentar, que deveria ser igual para homens e mulheres (regra em quase todos os países europeus).
Nem com a economia bombando e a criação de milhões de empregos formais o déficit da previdência diminui. Esse deveria ser um sinal de alerta do que vai acontecer em vinte ou trinta anos. Fingir de morto e depois sair às ruas para protestar contra o mercado quando o sistema falir é a alternativa mais dolorosa. Quanto mais tempo passar, maior vai ser o tamanho da encrenca. Mas nessa matéria o brasileiro atua como se não existisse problema ou não houvesse pressa para resolvê-lo.
Outro assunto polêmico e demonizado pela esquerda é a privatização de empresas estatais. Acho que o Brasil deveria fazer como a Espanha na década passada e privatizar todas suas estatais. Nenhum país precisa delas. Essa lenga lenga de setor estratégico que deveria estar nas mãos do estado é conversa mole para boi dormir. A própria experiência brasileira nesse setor é extremamente positiva. Privatizar nossas estatais através das bolsas do Rio e São Paulo ajudaria o país a dar um enorme salto adiante na consolidação do capitalismo, do mercado e do desenvolvimento. Basta ter coragem para enfrentar os reacionários que defendem o estatismo como se fosse a verdade anunciada.
No campo demográfico, nossos políticos primam pela indiferença. Simplesmente não há política sobre o assunto. Num mundo onde a mobilidade não para de crescer, é inacreditável que um país do tamanho e importância do Brasil não tenha uma política de imigração. Pior, a imensa maioria dos nossos cidadãos nem sequer desconfia que é extremamente complicado emigrar para aí e mesmo executivos estrangeiros que vão com trabalho garantido em grandes empresas podem demorar um ano para receber visto de trabalho e residência. É muito mais complicado emigrar para o Brasil do que para a Alemanha por exemplo. A competitividade internacional torna indispensável saber como atrair talento, venha de onde vier. É preciso pensar e implantar uma política de imigração, não só para criar facilidades ao conceder visto de trabalho e residência para talentos e pessoas interessadas em investir no Brasil, mas também para lidar com a imigração de pessoas que vão em busca de um futuro melhor, se um dia o Brasil se tornar atraente para este público (infelizmente hoje nós exportamos ambos tipos de emigrantes, mas seria bom se um dia deixasse de ser assim).
Por fim sugiro uma mudança que seria puramente estética, mas que deixaria de nos causar tanta vergonha: acabar com a regra constitucional que limita os juros a 12% ao ano. Este artigo está na constituição desde 1988 e nunca foi cumprido. Ainda bem que houve o bom senso de nunca aplicá-lo. Quem acha que os juros se regulam por lei, assim como os que acham que a inflação se combate com congelamento de preços, são completa, absoluta e inapelavelmente ignorantes em economia. Um artigo como esse na constituição é prova de burrice, à qual aliás o Brasil não faz jus, pois teve a inteligência de ignorá-lo durante duas décadas. Se esse artigo fosse só inútil, como outro que obriga os professores a fazer chamada para verificar os alunos presentes em aula (você pode não acreditar, mas esta cretinice é matéria constitucional no Brasil), seria feio mas inócuo. Mas já imaginou se algum dia alguém resolver que é preciso fazer valer o limite dos juros? Pode ser o pandemônio! O melhor mesmo seria limpar a constituição dessa potencial bomba atômica.
Tendo em vista o panorama eleitoral descortinado pelas atuais pesquisas, é pouco provável que qualquer uma dessas idéias tenha chance de vingar nos próximos quatro anos. É uma pena, pois tudo indica que nesses pontos o país continuará marcando passo. Tempo, para os vivos, é um bem escasso e que nunca mais se recupera. Mas não parece que o eleitor brasileiro esteja preocupado.
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
ASAMG - Dez Idéias para o Brasil (um)
Aproveito a campanha eleitoral para dar dez idéias para o Brasil. Poucas delas fazem parte do nhém-nhém-nhém habitual dos políticos e algumas serão consideradas pura tolice. Mesmo assim, não me calo. Talvez o que hoje se considere bobagem sejam idéias cujo tempo ainda não chegou.
Em primeiro lugar eu acabaria com a figura jurídica do Distrito Federal. É caro e inútil. Não saberia citar nenhum país europeu que tenha algo semelhante. Madrid, Lisboa, Paris ou Viena, para dar alguns exemplos, são municípios comuns. Brasília deveria ser uma cidade a mais do estado de Goiás. Deixaria de eleger senadores e de ter bancada própria na Câmara dos Deputados. Passaria a ter prefeito e vereadores.
O problema é que Brasília é a cidade da exceção e das mordomias. Vive da gastança do dinheiro dos contribuintes. Não gera riquezas. Dar normalidade à capital seria começar a desmontar o que o país tem de pior.
O passo seguinte seria o Rio de Janeiro voltar a ser a capital do Brasil. Trata-se de desfazer o maior erro da história da República: a transferência da capital. Poderia alargar-me indefinidamente sobre as boas razões para fazê-lo, mas fica para outra oportunidade. Reconheço que esta é uma medida radical, mas nada impediria começar com a co-capitalidade, por exemplo transferindo o poder legislativo de volta para o Rio - e sem nenhuma mordomia do tipo apartamento funcional e quejandos. A África do Sul, que recentemente esteve nas manchetes internacionais, tem a sede de cada um dos poderes numa cidade diferente. Não estaríamos inventando a roda se fizéssemos o mesmo.
Ainda no âmbito do que se poderia chamar de reforma política, parece-me urgente mudar a regra para definir o número de deputados federais que correspondem a cada estado. Com o fim do DF, já haveria uma melhora, mas insuficiente para reduzir a desproporcionalidade e injustiça no peso do voto dos eleitores. Os brasileiros que moram nos estados mais populosos têm menos representação política que seus compatriotas residentes em outros estados. Sugiro passar o número mínimo de deputados para três por estado. Quem quiser mais, que cresça e apareça.
Quanto ao Senado, a melhor proposta que ouvi em anos veio, surpreendentemente, de um parlamentar do PT: acabar com a casa. Para que precisamos do Senado? A rigor, não é imprescindível, a democracia pode funcionar perfeitamente com um parlamento unicameral. Há precedentes de países que aposentaram o seu Senado, como a Suécia por exemplo, ou Portugal. Depois de todos os escândalos envolvendo a câmara alta nos últimos anos e o seu custo astronômico, varrê-la do mapa pode ser um grande avanço para a democracia.
Não estou dizendo que o Senado seja inútil. Na verdade, foi graças a ele que houve a única eliminação de impostos do governo Lula - a oposição derrotou o governo e não aprovou a manutenção do imposto do cheque. Também estou convencido de que se a tese do terceiro mandato não prosperou, foi porque não havia como aprovar essa mudança constitucional entre os senadores. Só estas duas coisas já são suficientes para dizer "menos mal que existe o Senado." Mas mesmo assim, a longo prazo é difícil justificar a sua existência e o melhor mesmo seria extingui-lo.
Depois de tornar o Congresso unicameral, mais representativo e de mandá-lo para o Rio, onde teria que conviver com a vigilância da população carioca, o melhor que suas excelências poderiam fazer é dedicar-se com afinco ao trabalho. Não o de criar leis, que há demais no nosso país, mas sim para fazer uma limpeza na nossa legislação. Aliás, seria urgente fazê-lo nos três níveis de governo. Deveríamos ser capazes de eliminar mais leis do que são criadas a cada ano. Tampouco aqui estaríamos sendo originais, outro país da América Latina iniciou recentemente um processo semelhante, se não me falha a memória o Peru. Eles pretendiam eliminar algo como vinte mil leis. Talvez no Brasil o número não fosse muito diferente. Se quisermos que nossa justiça funcione melhor, é preciso começar pela base, eliminando as contradições, incoerências, incompatibilidades e ambigüidades que existem nos nossos vários códigos. Sem contar que, numa sociedade dinâmica e cada vez mais acelerada, vai ser mais freqüente a necessidade de fazer esse tipo de revisão. Some-se a isso o fato de que muita coisa não precisa ser regulada - e lembro-me do FEBEAPÁ do Sérgio Porto em que citava legislação que proibia carregar porcos de cabeça para baixo em estradas brasileiras...
Por hoje fico por aqui. Na semana que vem darei cinco idéias mais, no âmbito econômico, mas sem nenhuma esperança de inspirar nossos políticos. Este e o próximo post serão como mensagens atiradas ao mar dentro de uma garrafa. Talvez não sejam de todo inútil, mas provavelmente afundarão sem deixar traço.
Em primeiro lugar eu acabaria com a figura jurídica do Distrito Federal. É caro e inútil. Não saberia citar nenhum país europeu que tenha algo semelhante. Madrid, Lisboa, Paris ou Viena, para dar alguns exemplos, são municípios comuns. Brasília deveria ser uma cidade a mais do estado de Goiás. Deixaria de eleger senadores e de ter bancada própria na Câmara dos Deputados. Passaria a ter prefeito e vereadores.
O problema é que Brasília é a cidade da exceção e das mordomias. Vive da gastança do dinheiro dos contribuintes. Não gera riquezas. Dar normalidade à capital seria começar a desmontar o que o país tem de pior.
O passo seguinte seria o Rio de Janeiro voltar a ser a capital do Brasil. Trata-se de desfazer o maior erro da história da República: a transferência da capital. Poderia alargar-me indefinidamente sobre as boas razões para fazê-lo, mas fica para outra oportunidade. Reconheço que esta é uma medida radical, mas nada impediria começar com a co-capitalidade, por exemplo transferindo o poder legislativo de volta para o Rio - e sem nenhuma mordomia do tipo apartamento funcional e quejandos. A África do Sul, que recentemente esteve nas manchetes internacionais, tem a sede de cada um dos poderes numa cidade diferente. Não estaríamos inventando a roda se fizéssemos o mesmo.
Ainda no âmbito do que se poderia chamar de reforma política, parece-me urgente mudar a regra para definir o número de deputados federais que correspondem a cada estado. Com o fim do DF, já haveria uma melhora, mas insuficiente para reduzir a desproporcionalidade e injustiça no peso do voto dos eleitores. Os brasileiros que moram nos estados mais populosos têm menos representação política que seus compatriotas residentes em outros estados. Sugiro passar o número mínimo de deputados para três por estado. Quem quiser mais, que cresça e apareça.
Quanto ao Senado, a melhor proposta que ouvi em anos veio, surpreendentemente, de um parlamentar do PT: acabar com a casa. Para que precisamos do Senado? A rigor, não é imprescindível, a democracia pode funcionar perfeitamente com um parlamento unicameral. Há precedentes de países que aposentaram o seu Senado, como a Suécia por exemplo, ou Portugal. Depois de todos os escândalos envolvendo a câmara alta nos últimos anos e o seu custo astronômico, varrê-la do mapa pode ser um grande avanço para a democracia.
Não estou dizendo que o Senado seja inútil. Na verdade, foi graças a ele que houve a única eliminação de impostos do governo Lula - a oposição derrotou o governo e não aprovou a manutenção do imposto do cheque. Também estou convencido de que se a tese do terceiro mandato não prosperou, foi porque não havia como aprovar essa mudança constitucional entre os senadores. Só estas duas coisas já são suficientes para dizer "menos mal que existe o Senado." Mas mesmo assim, a longo prazo é difícil justificar a sua existência e o melhor mesmo seria extingui-lo.
Depois de tornar o Congresso unicameral, mais representativo e de mandá-lo para o Rio, onde teria que conviver com a vigilância da população carioca, o melhor que suas excelências poderiam fazer é dedicar-se com afinco ao trabalho. Não o de criar leis, que há demais no nosso país, mas sim para fazer uma limpeza na nossa legislação. Aliás, seria urgente fazê-lo nos três níveis de governo. Deveríamos ser capazes de eliminar mais leis do que são criadas a cada ano. Tampouco aqui estaríamos sendo originais, outro país da América Latina iniciou recentemente um processo semelhante, se não me falha a memória o Peru. Eles pretendiam eliminar algo como vinte mil leis. Talvez no Brasil o número não fosse muito diferente. Se quisermos que nossa justiça funcione melhor, é preciso começar pela base, eliminando as contradições, incoerências, incompatibilidades e ambigüidades que existem nos nossos vários códigos. Sem contar que, numa sociedade dinâmica e cada vez mais acelerada, vai ser mais freqüente a necessidade de fazer esse tipo de revisão. Some-se a isso o fato de que muita coisa não precisa ser regulada - e lembro-me do FEBEAPÁ do Sérgio Porto em que citava legislação que proibia carregar porcos de cabeça para baixo em estradas brasileiras...
Por hoje fico por aqui. Na semana que vem darei cinco idéias mais, no âmbito econômico, mas sem nenhuma esperança de inspirar nossos políticos. Este e o próximo post serão como mensagens atiradas ao mar dentro de uma garrafa. Talvez não sejam de todo inútil, mas provavelmente afundarão sem deixar traço.
quinta-feira, 29 de julho de 2010
ASAMG - Caída do Céu
A campanha eleitoral está esquentando. Dilma disse em comício no Rio que o seu vice não tinha caído do céu. O vice de Serra deu-se por aludido e respondeu com artilharia pesada, gerando polêmica, bate-boca, processos na justiça. Engraçado ninguém ter lembrado à candidata do governo que no seu caso foi ela mesma quem caiu de pára-quedas, escolhida por decisão pessoal, unilateral e autoritária do presidente Lula, quem a impôs goela abaixo ao PT.
Do ponto de vista prático, o dedazo de Lula é simples de explicar e fácil de entender: ao não poder ser ele mesmo candidato, como sempre havia sido desde a criação do PT, havia um enorme risco das disputas internas racharem o partido na hora de escolher um nome. O político que fosse escolhido, mesmo que perdesse as eleições, seria um futuro rival de Lula. Se sua votação fosse boa, o que seria muito provável, poderia postular-se a tentar uma segunda candidatura. Nada disso seria bom para os interesses pessoais do presidente. Melhor escolher uma candidata com fama de boa administradora, obrigar o partido a aceitá-la sem discussão, debelar qualquer foco de rebeldia e costurar a aliança mais poderosa possível para elegê-la, mesmo que ao custo de sacrifícios como o de Minas ou Maranhão. Se mesmo assim não desse certo, nas próximas eleições Lula voltaria a ser o candidato natural do PT. É uma estratégia de tudo ou nada, mas além de ser altamente arriscada, é também muito inteligente.
Em contraposição, no começo do ano os tucanos e seus aliados se desesperavam com a teimosia do talvez possível candidato, o governador de São Paulo José Serra, que não se atirava à piscina e insistia em manter sua agenda sem esclarecer se seria ou não candidato à presidência. Então Dilma nadava de braçada nos noticiários e deu um salto nas pesquisas de intenção de voto. Naquele momento a quase totalidade dos analistas era unânime em dizer que a estratégia de Serra tinha sido a pior de um político com a sua experiência em anos. Os petistas mais eufóricos previam que sua candidata ia disparar na frente do tucano entre fevereiro e março, deixá-lo muito para trás e possivelmente ganhar as eleições no primeiro turno.
Estamos no final de Julho. Os partidos já escolheram seus candidatos, as alianças nacionais estão feitas. Ciro Gomes não concorre a nenhum cargo. Aécio Neves não é o vice de Serra. A economia está bombando. O presidente Lula continua sendo muito bem avaliado pela população. Já passou a copa do mundo, a campanha eleitoral começou oficialmente há três semanas. Por fim, falta pouco mais de dois meses para o primeiro turno e, no fim de semana passado, uma nova pesquisa Datafolha dizia que Serra e Dilma estariam empatados, tanto no primeiro como no segundo turno. Que chatice, pá! Apesar de ter tudo a seu favor, a candidata oficial não decola. Já Serra, que muitos davam por derrotado lá atrás em fevereiro, continua firme na disputa.
Uma das informações interessantes do Datafolha é que os dois candidatos estariam empatados em Minas Gerais. Para ganhar as eleições Dilma precisa de uma vantagem folgada em Minas. Os petistas contavam com uma diferença de quatro milhões de votos no estado. Até o momento este sonho não se materializou. Falava-se muito do voto Dilmásia, mas o que as pesquisas estão mostrando é que muitos dos eleitores que votam em Hélio Costa votarão em Serra, não em Dilma. Por ora Minas está se configurando como um "swing state" e, se for confirmado que em 2010 os mineiros votam diferente de 2006, as coisas vão se complicar muito para o petismo.
A estratégia de Lula não era brilhante? Então, o que está dando errado? O início da campanha na TV e a realização dos debates são as duas últimas chances de fazer funcionar o plano do presidente. Mas talvez Dilma não seja a candidata dos sonhos da maioria dos eleitores. Sua inexperiência eleitoral também deve estar pesando. Como disse Plínio de Arruda Sampaio, a pessoa (Dilma) não é poste, mas a candidatura sim. Pode ter havido um erro de avaliação na hora de costurar a aliança com o PMDB. Abdicar de candidatura própria ao governo de Minas é parte do preço que o PT teve de pagar. Era caro, mas parecia razoável. Talvez, para surpresa de todos, tenha sido um erro estratégico que pode custar a eleição.
Por fim, com base nos dados que são conhecidos até o momento, resta ainda uma variável que pode fazer muita diferença para um lado ou outro: há nesta eleição voto envergonhado? Se há, para quem será? Como é óbvio, só vamos saber depois do primeiro turno, comparando as previsões dos institutos de pesquisa e a contagem dos votos. Se houver, pode ser decisivo, assim como foi para Collor em 1989. Se não houver, reafirmo meu palpite de meses atrás quando dizia que Serra era o favorito nas presidenciais. No mínimo ele está demonstrando muito mais resiliência do que suspeitavam até seus próprios aliados.
Do ponto de vista prático, o dedazo de Lula é simples de explicar e fácil de entender: ao não poder ser ele mesmo candidato, como sempre havia sido desde a criação do PT, havia um enorme risco das disputas internas racharem o partido na hora de escolher um nome. O político que fosse escolhido, mesmo que perdesse as eleições, seria um futuro rival de Lula. Se sua votação fosse boa, o que seria muito provável, poderia postular-se a tentar uma segunda candidatura. Nada disso seria bom para os interesses pessoais do presidente. Melhor escolher uma candidata com fama de boa administradora, obrigar o partido a aceitá-la sem discussão, debelar qualquer foco de rebeldia e costurar a aliança mais poderosa possível para elegê-la, mesmo que ao custo de sacrifícios como o de Minas ou Maranhão. Se mesmo assim não desse certo, nas próximas eleições Lula voltaria a ser o candidato natural do PT. É uma estratégia de tudo ou nada, mas além de ser altamente arriscada, é também muito inteligente.
Em contraposição, no começo do ano os tucanos e seus aliados se desesperavam com a teimosia do talvez possível candidato, o governador de São Paulo José Serra, que não se atirava à piscina e insistia em manter sua agenda sem esclarecer se seria ou não candidato à presidência. Então Dilma nadava de braçada nos noticiários e deu um salto nas pesquisas de intenção de voto. Naquele momento a quase totalidade dos analistas era unânime em dizer que a estratégia de Serra tinha sido a pior de um político com a sua experiência em anos. Os petistas mais eufóricos previam que sua candidata ia disparar na frente do tucano entre fevereiro e março, deixá-lo muito para trás e possivelmente ganhar as eleições no primeiro turno.
Estamos no final de Julho. Os partidos já escolheram seus candidatos, as alianças nacionais estão feitas. Ciro Gomes não concorre a nenhum cargo. Aécio Neves não é o vice de Serra. A economia está bombando. O presidente Lula continua sendo muito bem avaliado pela população. Já passou a copa do mundo, a campanha eleitoral começou oficialmente há três semanas. Por fim, falta pouco mais de dois meses para o primeiro turno e, no fim de semana passado, uma nova pesquisa Datafolha dizia que Serra e Dilma estariam empatados, tanto no primeiro como no segundo turno. Que chatice, pá! Apesar de ter tudo a seu favor, a candidata oficial não decola. Já Serra, que muitos davam por derrotado lá atrás em fevereiro, continua firme na disputa.
Uma das informações interessantes do Datafolha é que os dois candidatos estariam empatados em Minas Gerais. Para ganhar as eleições Dilma precisa de uma vantagem folgada em Minas. Os petistas contavam com uma diferença de quatro milhões de votos no estado. Até o momento este sonho não se materializou. Falava-se muito do voto Dilmásia, mas o que as pesquisas estão mostrando é que muitos dos eleitores que votam em Hélio Costa votarão em Serra, não em Dilma. Por ora Minas está se configurando como um "swing state" e, se for confirmado que em 2010 os mineiros votam diferente de 2006, as coisas vão se complicar muito para o petismo.
A estratégia de Lula não era brilhante? Então, o que está dando errado? O início da campanha na TV e a realização dos debates são as duas últimas chances de fazer funcionar o plano do presidente. Mas talvez Dilma não seja a candidata dos sonhos da maioria dos eleitores. Sua inexperiência eleitoral também deve estar pesando. Como disse Plínio de Arruda Sampaio, a pessoa (Dilma) não é poste, mas a candidatura sim. Pode ter havido um erro de avaliação na hora de costurar a aliança com o PMDB. Abdicar de candidatura própria ao governo de Minas é parte do preço que o PT teve de pagar. Era caro, mas parecia razoável. Talvez, para surpresa de todos, tenha sido um erro estratégico que pode custar a eleição.
Por fim, com base nos dados que são conhecidos até o momento, resta ainda uma variável que pode fazer muita diferença para um lado ou outro: há nesta eleição voto envergonhado? Se há, para quem será? Como é óbvio, só vamos saber depois do primeiro turno, comparando as previsões dos institutos de pesquisa e a contagem dos votos. Se houver, pode ser decisivo, assim como foi para Collor em 1989. Se não houver, reafirmo meu palpite de meses atrás quando dizia que Serra era o favorito nas presidenciais. No mínimo ele está demonstrando muito mais resiliência do que suspeitavam até seus próprios aliados.
sexta-feira, 23 de julho de 2010
ASAMG - Que República é esta?
Em 2008 estava em São Paulo durante a campanha das eleições municipais. Num dos debates ouvi a candidata Marta Suplicy fazer uma declaração que me surpreendeu: "O presidente Lula é muito republicano!" A primeira coisa que pensei foi: "uai, o quê ela esperava que ele fosse: monarquista?" Dizer que um presidente da República era republicano, mesmo que muito, parecia-me uma asneira. Depois, numa entrevista, Marta disse que "Lula tem sido muito republicano com a cidade de São Paulo."
De lá para cá tenho notado que essa asneira se generalizou e passou a ser um desses chavões vazios de sentido e que são usados de qualquer maneira - mais ou menos como pacto federativo, a explicação mágica sempre que se quer justificar porque alguma coisa não é feita. É possível que tanto uma coisa como a outra sejam herança da passagem do PT pelo governo e que, por viver fora, só tenham chamado minha atenção muito tempo depois de começarem a ser usadas. Mas talvez por isso mesmo, por ter sido pego de sopetão, esse uso indevido do adjetivo republicano me irrite tanto.
Minha primeira reação, ao ouvir a afirmação de Marta, foi a de procurar "republicano" no dicionário. Todos os que consultei davam definição semelhante: pertencente ou relativo à república; em que há república; partidário do regime repúblicano. Suponho que a idéia seja: como a república é um governo para todos (é possível isso?), republicano significaria mais ou menos pelo bem do povo, a favor do povo, preocupado com o povo, algo com conotação positiva. Além de ser uma bobagem, trata-se de um erro histórico: a lista de repúblicas e políticos republicanos que foram ditadores, corruptos, maus e não se interessavam em absoluto por esse ser abstrato, o povo, não é infinita mas é enorme.
Uma pesquisa rápida na internet traz uma abundância de exemplos como a palavra "republicano" tem sido mal usada no Brasil. Eis alguns deles: em janeiro de 2008 a então ministra Marina Silva, ao comentar falhas no combate aos desmatamentos, negou que as ações federais fizessem distinção entre aliados do Planalto e adversários políticos: "Em um processo republicano, aliados e não aliados, contravenção é contravenção." Em Setembro do ano passado, em Mossoró, o presidente Lula fez a seguinte afirmação: "Um presidente da República tem que ser, antes de tudo, um republicano." Ah vá! Já em novembro, depois do apagão que deixou meio Brasil às escuras, como nunca antes na história deste país, a então ministra Dilma classificou como "não republicano" a politização do debate sobre o assunto. Quando em abril o PSB puxou o tapete debaixo dos pés do seu pré-candidato, em nota o partido afirmou que "Ciro Gomes engrandeceu o debate republicano." Por fim, nesta semana, em Montes Claros, o candidato do PMDB ao governo de Minas, Helio Costa se referiu a "recursos (do governo mineiro) que deveriam ser liberados democrática e republicanamente".
Com certeza durante as próximas semanas muita bobagem mais será dita recorrendo a este recurso. Incomoda ver tal agressão ao idioma, principalmente porque é desnecessária. Em todas declarações mencionadas acima havia outras palavras ou fórmulas que poderiam ter expressado com maior propriedade e elegância o que provavelmente seus autores queriam dizer. Mas o uso e abuso de "republicano" não é apenas ignorância. É estratégia política. A esquerda em geral, o PT em particular, ao insistir nas referências à República está transmitindo indiretamente a idéia de que seus representantes são os únicos a estarem preocupados com o bem estar geral. Como os acontecimentos dos últimos anos, principalmente o mensalão, não lhes permitem mais se apropriar das bandeiras da ética, da honestidade, da integridade, do combate à corrupção, eles agora se definem como republicanos, sendo "não republicano" o que os seus adversários fazem.
Francamente, se é assim, prefiro até virar monarquista, do que confraternizar com a República que eles de fato representam.
De lá para cá tenho notado que essa asneira se generalizou e passou a ser um desses chavões vazios de sentido e que são usados de qualquer maneira - mais ou menos como pacto federativo, a explicação mágica sempre que se quer justificar porque alguma coisa não é feita. É possível que tanto uma coisa como a outra sejam herança da passagem do PT pelo governo e que, por viver fora, só tenham chamado minha atenção muito tempo depois de começarem a ser usadas. Mas talvez por isso mesmo, por ter sido pego de sopetão, esse uso indevido do adjetivo republicano me irrite tanto.
Minha primeira reação, ao ouvir a afirmação de Marta, foi a de procurar "republicano" no dicionário. Todos os que consultei davam definição semelhante: pertencente ou relativo à república; em que há república; partidário do regime repúblicano. Suponho que a idéia seja: como a república é um governo para todos (é possível isso?), republicano significaria mais ou menos pelo bem do povo, a favor do povo, preocupado com o povo, algo com conotação positiva. Além de ser uma bobagem, trata-se de um erro histórico: a lista de repúblicas e políticos republicanos que foram ditadores, corruptos, maus e não se interessavam em absoluto por esse ser abstrato, o povo, não é infinita mas é enorme.
Uma pesquisa rápida na internet traz uma abundância de exemplos como a palavra "republicano" tem sido mal usada no Brasil. Eis alguns deles: em janeiro de 2008 a então ministra Marina Silva, ao comentar falhas no combate aos desmatamentos, negou que as ações federais fizessem distinção entre aliados do Planalto e adversários políticos: "Em um processo republicano, aliados e não aliados, contravenção é contravenção." Em Setembro do ano passado, em Mossoró, o presidente Lula fez a seguinte afirmação: "Um presidente da República tem que ser, antes de tudo, um republicano." Ah vá! Já em novembro, depois do apagão que deixou meio Brasil às escuras, como nunca antes na história deste país, a então ministra Dilma classificou como "não republicano" a politização do debate sobre o assunto. Quando em abril o PSB puxou o tapete debaixo dos pés do seu pré-candidato, em nota o partido afirmou que "Ciro Gomes engrandeceu o debate republicano." Por fim, nesta semana, em Montes Claros, o candidato do PMDB ao governo de Minas, Helio Costa se referiu a "recursos (do governo mineiro) que deveriam ser liberados democrática e republicanamente".
Com certeza durante as próximas semanas muita bobagem mais será dita recorrendo a este recurso. Incomoda ver tal agressão ao idioma, principalmente porque é desnecessária. Em todas declarações mencionadas acima havia outras palavras ou fórmulas que poderiam ter expressado com maior propriedade e elegância o que provavelmente seus autores queriam dizer. Mas o uso e abuso de "republicano" não é apenas ignorância. É estratégia política. A esquerda em geral, o PT em particular, ao insistir nas referências à República está transmitindo indiretamente a idéia de que seus representantes são os únicos a estarem preocupados com o bem estar geral. Como os acontecimentos dos últimos anos, principalmente o mensalão, não lhes permitem mais se apropriar das bandeiras da ética, da honestidade, da integridade, do combate à corrupção, eles agora se definem como republicanos, sendo "não republicano" o que os seus adversários fazem.
Francamente, se é assim, prefiro até virar monarquista, do que confraternizar com a República que eles de fato representam.
quinta-feira, 8 de julho de 2010
ASAMG - PT ou PL?
Começou oficialmente a campanha eleitoral! Na disputa para a presidência, três candidatos se destacam dos demais: José Serra do PSDB, Dilma Rousseff do PT e Marina Silva do PV. Segundo as pesquisas de intenção de voto, os demais candidatos teriam uma votação inexpressiva. Não há dúvida que aconteceu a polarização desejada pelo presidente Lula, deixando o cenário muito próximo do embate plebiscitário do tipo "nós contra eles". Se não fossem os 10% do Partido Verde, que deveriam ser suficientes para levar a decisão para o segundo turno, a disputa seria realmente entre duas opções.
Não deixa de ser um empobrecimento político que, num país tão grande e diversificado como o Brasil, haja só duas alternativas viáveis na disputa para o Executivo. Porém também é verdade que a bipolaridade é a regra na maioria das democracias consolidadas: Republicanos versus Democratas nos EUA, PSOE versus PP na Espanha, Trabalhistas versus Conservadores na Austrália, Trabalhistas versus Tories no Reino Unido, CDU/CSU versus Social Democratas na Alemanha (nos dois últimos casos os liberais têm uma fatia crescente da preferência do eleitorado e desempenharam o papel de king makers dos atuais governos) e muitos casos mais.
No Brasil a reflexão interessante é sobre o significado dessa bipolaridade. A primeira coisa a chamar a atenção é o fato de o maior partido brasileiro, o PMDB, não ter candidato próprio. Oficialmente o partido está coligado com o PT, mas há dissidências de peso em vários estados, como São Paulo, que permitem deixar a porta aberta para o PMDB virar casaca e apoiar um eventual governo tucano, no caso da vitória de José Serra. Deliberadamente o PMDB se posicionou no centro do arco político e, dada a sua densidade eleitoral, tornou-se referência para os demais.
À esquerda está o PT. No entanto, as transformações pelas quais passou nos dois mandatos do governo Lula, mais a sua aliança com o PMDB, levaram o partido mais para o centro. A curto e médio prazo é o melhor lugar para estar, pois o eleitorado brasileiro ainda se diz maioritariamente de esquerda, apesar de estar abandonando as bandeiras tradicionais da esquerda do século passado. O desafio para o PT é que ao girar para o centro, abriu um espaço à esquerda que nos últimos vinte anos foi cativo seu. Este espaço pode tanto ser aproveitado pela esquerda Carolina, pelos que não viram o tempo passar na janela e se aferram às teses clássicas socialistas ou comunistas (por exemplo os dissidentes do PT que foram para o PSOL), ou por algo totalmente novo, como um Partido Verde nos moldes dos seus semelhantes europeus. É possível que os 10% de intenção de voto em Marina Silva venham daí, dos desiludidos com as bandeiras socialistas e que se tornaram anti-sistema pela vertente ecológica.
O posicionamento do PT e do PMDB empurrou o PSDB para a direita, querendo ou não. Será enormemente difícil para os tucanos brigarem pelo eleitorado de centro esquerda. O campo que ficou aberto é o de centro direita. A médio e longo prazo há aí uma enorme oportunidade para quem souber aproveitá-la, pois faz falta no Brasil um partido liberal, pró capitalismo e indiscutivelmente democrata. O DEM terá grande dificuldade de ocupar esse espaço, pois sofre de dois pecados originais: nasceu da dissidência do partido dos militares na ditadura (ARENA, Frente Liberal, PFL) e desde o princípio se apoiou em caciquismos regionais. Ao DEM será necessário ao menos mais uma geração para superar esses handicaps.
O PSDB poderia evoluir para essa posição de grande partido liberal, da direita moderna. O problema é que no Brasil ser de direita é considerado uma ofensa. Muita gente primitiva associa direita a ditadura. Pelo mundo afora muitas vezes os liberais são mais democráticos e defendem com mais afinco as liberdades individuais do que esquerdistas de carteirinha. Mas no nosso imaginário político ser liberal ou de direita ainda é palavrão. Não é à toa que muitos analistas argumentem que falta aos tucanos um discurso para ganharem estas eleições. O PSDB foi empurrado para um lugar onde parece que não gostaria de estar. Mas no futuro essa é uma definição estratégica que os tucanos terão que tomar: já se sabe que eles são democratas e modernos, mas querem se apresentar como direita ou esquerda? A má notícia é que não há lugar para todo mundo na esquerda.
Se este quadro é o ponto de partida nestas eleições, não quer dizer que necessariamente seja o que vai prevalecer nos próximos anos. Há muito em jogo em Outubro. Antes de mais nada, a própria estratégia do presidente Lula: ele escolheu sua candidata por dedazo, impôs sua decisão ao partido, obrigou o PT a engolir os ônus da aliança com o PMDB. Tudo isso criou muito mal estar. A própria foto de Dilma ladeada por Sarney, Renan Calheiros e Jader Barbalho na convenção do PMDB que lhe impôs Michel Temer como vice vale mais que mil palavras. Uma vitória seria um santo remédio que curaria muitas feridas, mas uma derrota provocaria um terremoto.
No entanto, aconteça o que acontecer, o PT já não é mais aquele, olha a cara dele! O partido perdeu as bandeiras da ética, da honestidade, da integridade, da luta contra a corrupção, das políticas de esquerda, do calote na dívida interna ou externa, dos juros controlados, da luta contra as oligarquias regionais, até a bandeira da democracia interna foi para as calendas ao apoiar aliados em Minas ou no Maranhão. É verdade que Lula é melhor e maior que o PT, mas a maneira como manda no partido implica um enorme desafio para toda a política brasileira nos próximos dez ou vinte anos. Ganhe ou perca Dilma, Lula deixará a presidência da República com vocação para caudilho. Já o antigo Partido dos Trabalhadores terá se transformado no Partido do Lula. Só faltará mudar a sigla para PL. Mal para todo mundo.
Não deixa de ser um empobrecimento político que, num país tão grande e diversificado como o Brasil, haja só duas alternativas viáveis na disputa para o Executivo. Porém também é verdade que a bipolaridade é a regra na maioria das democracias consolidadas: Republicanos versus Democratas nos EUA, PSOE versus PP na Espanha, Trabalhistas versus Conservadores na Austrália, Trabalhistas versus Tories no Reino Unido, CDU/CSU versus Social Democratas na Alemanha (nos dois últimos casos os liberais têm uma fatia crescente da preferência do eleitorado e desempenharam o papel de king makers dos atuais governos) e muitos casos mais.
No Brasil a reflexão interessante é sobre o significado dessa bipolaridade. A primeira coisa a chamar a atenção é o fato de o maior partido brasileiro, o PMDB, não ter candidato próprio. Oficialmente o partido está coligado com o PT, mas há dissidências de peso em vários estados, como São Paulo, que permitem deixar a porta aberta para o PMDB virar casaca e apoiar um eventual governo tucano, no caso da vitória de José Serra. Deliberadamente o PMDB se posicionou no centro do arco político e, dada a sua densidade eleitoral, tornou-se referência para os demais.
À esquerda está o PT. No entanto, as transformações pelas quais passou nos dois mandatos do governo Lula, mais a sua aliança com o PMDB, levaram o partido mais para o centro. A curto e médio prazo é o melhor lugar para estar, pois o eleitorado brasileiro ainda se diz maioritariamente de esquerda, apesar de estar abandonando as bandeiras tradicionais da esquerda do século passado. O desafio para o PT é que ao girar para o centro, abriu um espaço à esquerda que nos últimos vinte anos foi cativo seu. Este espaço pode tanto ser aproveitado pela esquerda Carolina, pelos que não viram o tempo passar na janela e se aferram às teses clássicas socialistas ou comunistas (por exemplo os dissidentes do PT que foram para o PSOL), ou por algo totalmente novo, como um Partido Verde nos moldes dos seus semelhantes europeus. É possível que os 10% de intenção de voto em Marina Silva venham daí, dos desiludidos com as bandeiras socialistas e que se tornaram anti-sistema pela vertente ecológica.
O posicionamento do PT e do PMDB empurrou o PSDB para a direita, querendo ou não. Será enormemente difícil para os tucanos brigarem pelo eleitorado de centro esquerda. O campo que ficou aberto é o de centro direita. A médio e longo prazo há aí uma enorme oportunidade para quem souber aproveitá-la, pois faz falta no Brasil um partido liberal, pró capitalismo e indiscutivelmente democrata. O DEM terá grande dificuldade de ocupar esse espaço, pois sofre de dois pecados originais: nasceu da dissidência do partido dos militares na ditadura (ARENA, Frente Liberal, PFL) e desde o princípio se apoiou em caciquismos regionais. Ao DEM será necessário ao menos mais uma geração para superar esses handicaps.
O PSDB poderia evoluir para essa posição de grande partido liberal, da direita moderna. O problema é que no Brasil ser de direita é considerado uma ofensa. Muita gente primitiva associa direita a ditadura. Pelo mundo afora muitas vezes os liberais são mais democráticos e defendem com mais afinco as liberdades individuais do que esquerdistas de carteirinha. Mas no nosso imaginário político ser liberal ou de direita ainda é palavrão. Não é à toa que muitos analistas argumentem que falta aos tucanos um discurso para ganharem estas eleições. O PSDB foi empurrado para um lugar onde parece que não gostaria de estar. Mas no futuro essa é uma definição estratégica que os tucanos terão que tomar: já se sabe que eles são democratas e modernos, mas querem se apresentar como direita ou esquerda? A má notícia é que não há lugar para todo mundo na esquerda.
Se este quadro é o ponto de partida nestas eleições, não quer dizer que necessariamente seja o que vai prevalecer nos próximos anos. Há muito em jogo em Outubro. Antes de mais nada, a própria estratégia do presidente Lula: ele escolheu sua candidata por dedazo, impôs sua decisão ao partido, obrigou o PT a engolir os ônus da aliança com o PMDB. Tudo isso criou muito mal estar. A própria foto de Dilma ladeada por Sarney, Renan Calheiros e Jader Barbalho na convenção do PMDB que lhe impôs Michel Temer como vice vale mais que mil palavras. Uma vitória seria um santo remédio que curaria muitas feridas, mas uma derrota provocaria um terremoto.
No entanto, aconteça o que acontecer, o PT já não é mais aquele, olha a cara dele! O partido perdeu as bandeiras da ética, da honestidade, da integridade, da luta contra a corrupção, das políticas de esquerda, do calote na dívida interna ou externa, dos juros controlados, da luta contra as oligarquias regionais, até a bandeira da democracia interna foi para as calendas ao apoiar aliados em Minas ou no Maranhão. É verdade que Lula é melhor e maior que o PT, mas a maneira como manda no partido implica um enorme desafio para toda a política brasileira nos próximos dez ou vinte anos. Ganhe ou perca Dilma, Lula deixará a presidência da República com vocação para caudilho. Já o antigo Partido dos Trabalhadores terá se transformado no Partido do Lula. Só faltará mudar a sigla para PL. Mal para todo mundo.
domingo, 30 de maio de 2010
ASAMG - Parabéns Colombia!
Hoje está sendo realizado o primeiro turno das eleições presidenciais na Colombia. Há nove candidatos concorrendo, sendo que dois deles polarizam a preferência dos eleitores: Juan Manuel Santos, ex-ministro da defesa e candidato governista, e o ex-prefeito de Bogotá, Antanas Mockus, oposicionista. Apesar de Álvaro Uribe ser o presidente com maior índice de aprovação na América Latina, seu candidato Santos terá que enfrentar uma disputa apertada com o candidato do Partido Verde Mockus. As notícias que leio nos jornais e o que ouço de amigos colombianos é que há décadas não se via tanta participação, tanto debate e tanta esperança por trás de eleições presidenciais.
Graças ao presidente Uribe, a Colombia é hoje um exemplo para a América Latina. Apesar de sofrer terrivelmente das três piores pragas que ameaçam o Estado de Direito, a democracia e a convivência (narcotráfico, guerrilha e alta desigualdade na distribuição da renda), Uribe deixará para o seu sucessor um país muito melhor do que herdou do antecessor. Mais importante, deixará uma história de sucesso que deveria fazer pensar as pessoas de bem ligadas à região.
Quando Uribe chegou ao poder a Colombia era um dos países mais violentos do mundo. Lembro-me de uma viagem que fiz a Medellín em meados dos anos noventa. A empresa para a qual trabalhava estava avaliando a possibilidade de se associar com uma empresa local. Nossos possíveis futuros sócios foram nos esperar no aeroporto. Medellín fica num vale e o caminho do aeroporto até a cidade é longo. Para o trajeto até o hotel eles contrataram segurança especial. Havia um todo-terreno com guarda-costas armados até os dentes seguindo os carros onde estávamos, para proteger-nos do que poderia passar. Apesar de ter achado Medellín uma cidade linda, não podíamos botar os pés na rua sozinhos. Sem dúvida havia excesso de zelo dos nossos anfitriões, mas também é verdade que o país era barra pesada.
Andrés Pastrana, o antecessor de Uribe, possivelmente bem intencionado, tentou resolver o problema das guerrilhas de esquerda através da negociação. Concedeu uma zona desmilitarizada onde os terroristas atuavam livremente e empreendeu as ditas negociações. Ao final de três anos ficou claro que os guerrilheiros, principalmente das FARC, estavam usando a trégua para se rearmarem, com apoio dos narcotraficantes, e as negociações eram para inglês ver. O processo de paz foi um estrepitoso fracasso.
Uribe seguiu a estratégia oposta: desde que tomou posse respondeu ao conflito armado com a força de um exército reforçado e melhor equipado. Investiu pesado na capacidade do Estado se defender. Melhorou notavelmente o serviço de informação, fez diversos acordos de ajuda com os Estados Unidos e apostou todas suas fichas em encurralar a guerrilha. Também criou os mecanismos legais através dos quais guerrilheiros e paramilitares podiam abandonar as armas, pegar penas leves e ser reintegrados na sociedade. Indubitavelmente houve muita decisão polêmica, coisas que deram errado, casos de corrupção e abuso de poder. Mas a avaliação geral é de que o Estado está ganhando a luta contra seus inimigos armados e a Colombia hoje é um país imensamente mais seguro do que oito anos atrás.
O grande feito de Uribe foi ter devolvido ao seu país a noção de legalidade, mas este não é o único logro do seu governo. Hoje a Colombia é, ao lado do Brasil, Chile e Peru, candidato a estar entres os países mais desenvolvidos da América Latina dentro de vinte ou trinta anos. E se tudo isso não fosse pouco, mesmo que tenha passado por sua cabeça a idéia de mudar a constituição para permitir-lhe disputar um terceiro mandato, ele hoje não é candidato. A política e as instituições funcionaram com normalidade e Uribe não tentou nenhum subterfúgio de legalidade duvidosa que o permitisse continuar no poder. Prova de que na Colombia a democracia está bastante madura e um dos seus pré-requisitos mais importantes, a separação dos poderes, funciona de fato.
Provavelmente Álvaro Uribe passará para a história como um dos maiores estadistas latino americanos. Para nós, brasileiros, é extremamente triste notar que, nos últimos oito anos, ao invés do Brasil ter se aliado com a Colombia na sua cruzada pelo Estado de Direito, pela democracia e pelo desenvolvimento, nossas relações diplomáticas não foram nada entusiasmadas. Os abraços apertados, as palavras carinhosas, as ajudas ficaram para os ditadores cubanos Fidel e Raul, para o presidente que está destruindo a Venezuela, para Evo Morales e para tantos outros personagens sinistros espalhados pelaí. Tinha toda razão Andres Oppenheimer, do Miami Herald quando no ano passado disse com extrema perspicácia: "a política externa brasileira nos seus melhores momentos é um enigma; nos piores, uma vergonha"
Mas mesmo que isso dê muita raiva aos perfeitos idiotas latino americanos, hoje é dia de festa na Colombia e fico muito feliz de ver o quanto o país está se desenvolvendo. Parabéns Colombia!
Graças ao presidente Uribe, a Colombia é hoje um exemplo para a América Latina. Apesar de sofrer terrivelmente das três piores pragas que ameaçam o Estado de Direito, a democracia e a convivência (narcotráfico, guerrilha e alta desigualdade na distribuição da renda), Uribe deixará para o seu sucessor um país muito melhor do que herdou do antecessor. Mais importante, deixará uma história de sucesso que deveria fazer pensar as pessoas de bem ligadas à região.
Quando Uribe chegou ao poder a Colombia era um dos países mais violentos do mundo. Lembro-me de uma viagem que fiz a Medellín em meados dos anos noventa. A empresa para a qual trabalhava estava avaliando a possibilidade de se associar com uma empresa local. Nossos possíveis futuros sócios foram nos esperar no aeroporto. Medellín fica num vale e o caminho do aeroporto até a cidade é longo. Para o trajeto até o hotel eles contrataram segurança especial. Havia um todo-terreno com guarda-costas armados até os dentes seguindo os carros onde estávamos, para proteger-nos do que poderia passar. Apesar de ter achado Medellín uma cidade linda, não podíamos botar os pés na rua sozinhos. Sem dúvida havia excesso de zelo dos nossos anfitriões, mas também é verdade que o país era barra pesada.
Andrés Pastrana, o antecessor de Uribe, possivelmente bem intencionado, tentou resolver o problema das guerrilhas de esquerda através da negociação. Concedeu uma zona desmilitarizada onde os terroristas atuavam livremente e empreendeu as ditas negociações. Ao final de três anos ficou claro que os guerrilheiros, principalmente das FARC, estavam usando a trégua para se rearmarem, com apoio dos narcotraficantes, e as negociações eram para inglês ver. O processo de paz foi um estrepitoso fracasso.
Uribe seguiu a estratégia oposta: desde que tomou posse respondeu ao conflito armado com a força de um exército reforçado e melhor equipado. Investiu pesado na capacidade do Estado se defender. Melhorou notavelmente o serviço de informação, fez diversos acordos de ajuda com os Estados Unidos e apostou todas suas fichas em encurralar a guerrilha. Também criou os mecanismos legais através dos quais guerrilheiros e paramilitares podiam abandonar as armas, pegar penas leves e ser reintegrados na sociedade. Indubitavelmente houve muita decisão polêmica, coisas que deram errado, casos de corrupção e abuso de poder. Mas a avaliação geral é de que o Estado está ganhando a luta contra seus inimigos armados e a Colombia hoje é um país imensamente mais seguro do que oito anos atrás.
O grande feito de Uribe foi ter devolvido ao seu país a noção de legalidade, mas este não é o único logro do seu governo. Hoje a Colombia é, ao lado do Brasil, Chile e Peru, candidato a estar entres os países mais desenvolvidos da América Latina dentro de vinte ou trinta anos. E se tudo isso não fosse pouco, mesmo que tenha passado por sua cabeça a idéia de mudar a constituição para permitir-lhe disputar um terceiro mandato, ele hoje não é candidato. A política e as instituições funcionaram com normalidade e Uribe não tentou nenhum subterfúgio de legalidade duvidosa que o permitisse continuar no poder. Prova de que na Colombia a democracia está bastante madura e um dos seus pré-requisitos mais importantes, a separação dos poderes, funciona de fato.
Provavelmente Álvaro Uribe passará para a história como um dos maiores estadistas latino americanos. Para nós, brasileiros, é extremamente triste notar que, nos últimos oito anos, ao invés do Brasil ter se aliado com a Colombia na sua cruzada pelo Estado de Direito, pela democracia e pelo desenvolvimento, nossas relações diplomáticas não foram nada entusiasmadas. Os abraços apertados, as palavras carinhosas, as ajudas ficaram para os ditadores cubanos Fidel e Raul, para o presidente que está destruindo a Venezuela, para Evo Morales e para tantos outros personagens sinistros espalhados pelaí. Tinha toda razão Andres Oppenheimer, do Miami Herald quando no ano passado disse com extrema perspicácia: "a política externa brasileira nos seus melhores momentos é um enigma; nos piores, uma vergonha"
Mas mesmo que isso dê muita raiva aos perfeitos idiotas latino americanos, hoje é dia de festa na Colombia e fico muito feliz de ver o quanto o país está se desenvolvendo. Parabéns Colombia!
quinta-feira, 6 de maio de 2010
ASAMG - Quanta Demagogia!
A crise financeira continua fazendo estrago na Grécia, afetando o Euro e derrubando as bolsas de meio-mundo. Em Atenas os protestos são cada vez mais violentos e já resultaram na morte de três pessoas, além dos feridos. Se fosse possível isolá-los e contabilizá-los, os danos econômicos (perda de valor de ativos financeiros e suas conseqüências sobre a economia real) provavelmente já estariam na casa das centenas de bilhões de dólares. É verdade que parte dessas perdas serão recuperadas quando as coisas se acalmarem e as bolsas recuperarem algo da queda dos últimos dias. Mesmo assim, o estrago é maiúsculo!
No meio desse vendaval, o mais incrível de tudo é observar que a quase unanimidade das opiniões veiculadas pela imprensa aponta numa única direção: a culpa do que está acontecendo é dos especuladores, do mercado e do sistema financeiro. A especulação muitas vezes é considerada como sendo a raiz do problema. Que mundo o nosso, em que meia dúzia de pessoas más, poderosas e gananciosas podem causar tanto estrago apostando contra o pobre povo grego! Fica evidente que é preciso fazer algo urgentemente para acabar com a ditadura dos mercados! Então tá.
Não vou pretender ser um consumidor ávido de tudo que é publicado pela imprensa mundial, porque não o sou - e provavelmente ninguém conseguiria ser. Mas de tudo que li nos últimos dias, só no The Economist vi um artigo que apontava as reais causas da crise grega. A primeira delas, por singela que pareça, é insistentemente esquecida por todos os demagogos e ignorantes que insistem em opinar sobre o que desconhecem - como funciona a economia: a Grécia está na pindaíba que está porque o Estado grego gasta mais do que arrecada. Este ano a bagatela de 13,6% do PIB, na última estimativa que vi.
Se não houvesse déficit público, não haveria como o mercado, os especuladores ou o sistema financeiro "atacarem" a Grécia. Porque mesmo na pior situação, totalmente hipotética, que o país não conseguisse rolar sua dívida pública, se houvesse superávit o governo poderia evitar muitos dos problemas que está tendo. Mas como o Estado gasta muito mais do que tem, mesmo com a moratória continuaria tendo o problema de ter que se financiar com terceiros (oh, horror dos horrores, no mercado financeiro). Este é o problema grego, a causa primeira de tudo o que está acontecendo. O Estado gasta mais do que arrecada.
Aliás, também vale a pena lembrar que, se os cidadãos gregos estivessem dispostos a transferir o total das suas poupanças para títulos do seu próprio governo, provavelmente não haveria crise nem haveria como os mercados especularem contra a Grécia. Porque isso não é feito? Porque esse é um péssimo investimento e de alto risco. É muito menos arriscado ir para as ruas de Atenas protestar do que aplicar as poupanças de uma vida inteira em títulos da dívida pública. Os títulos estão sujeitos a calote. Aliás, cada vez que um demagogo reclama das reações do mercado, pergunto-me o que esta mesma pessoa faz com suas economias. Provavelmente reage da mesma forma que os demais, tentando proteger-se e reclamando quando sofre perdas.
A segunda mega-demagogia, muito comum nessas situações, é a de dizer que é o povo, os funcionários públicos e as pessoas desprotegidas as que têm que aguentar o ônus do pacote de ajuste que o país foi obrigado a aceitar para ser socorrido pela União Européia e o FMI. Bem, essa é uma forma de ver a coisa. Outra é reconhecer que durante tempo demais os gregos viveram acima de suas possibilidades, desfrutando de benesses que na verdade não tinham como pagar. Querem um exemplo? O sistema de aposentadoria pública na Grécia é mais generoso do que em países muito mais ricos e estáveis, como por exemplo a Alemanha. Em média um trabalhador grego se aposenta oito anos mais jovem do que os demais europeus. Isso é um fato e também uma das causas do déficit público. Corrigir esta distorção o que é: penalizar os trabalhadores gregos ou eliminar um benefício que o Estado não tem como pagar?
Convém também lembrar que não são só os gastos que originam o déficit público. Leio que a sonegação é um mal endêmico no país. Se os próprios gregos não estão dispostos a cumprir com sua obrigação e pagar todos seus impostos, do que estão reclamando? Nunca é demais insistir que não existe maior injustiça fiscal do que a sonegação.
A tragédia grega que o mundo está testemunhando deveria ser um sinal de alerta para os nossos "desenvolvimentistas", acostumados a ver virtudes no gasto público e a dar pouca importância à disciplina fiscal. É verdade que com o Euro a Grécia não pode contar nem com a inflação nem com a desvalorização cambial para resolver seus problemas, recurso sempre à mão de países com moeda própria. O chato é que nem uma coisa nem outra são realmente uma solução, apenas um empobrecimento geral e desigual de todo o país.
No entanto, não há razão nenhuma para ser otimista e pensar que os demagogos ou os ignorantes vão aprender da crise grega. Ontem mesmo a Câmara dos Deputados brasileira aprovou o fim do fator previdenciário. É até possível que alguns dos que votaram nessa irresponsabilidade saibam o mal que estejam fazendo, mas em ano de eleição tenham preferido não desperdiçar a oportunidade de fazer demagogia. São iniciativas desse tipo que levam a crises como a grega, mas é muito mais fácil sair às ruas ou gritar na imprensa que a culpa toda é dos especuladores, do sistema financeiro ou do maldito mercado!
No meio desse vendaval, o mais incrível de tudo é observar que a quase unanimidade das opiniões veiculadas pela imprensa aponta numa única direção: a culpa do que está acontecendo é dos especuladores, do mercado e do sistema financeiro. A especulação muitas vezes é considerada como sendo a raiz do problema. Que mundo o nosso, em que meia dúzia de pessoas más, poderosas e gananciosas podem causar tanto estrago apostando contra o pobre povo grego! Fica evidente que é preciso fazer algo urgentemente para acabar com a ditadura dos mercados! Então tá.
Não vou pretender ser um consumidor ávido de tudo que é publicado pela imprensa mundial, porque não o sou - e provavelmente ninguém conseguiria ser. Mas de tudo que li nos últimos dias, só no The Economist vi um artigo que apontava as reais causas da crise grega. A primeira delas, por singela que pareça, é insistentemente esquecida por todos os demagogos e ignorantes que insistem em opinar sobre o que desconhecem - como funciona a economia: a Grécia está na pindaíba que está porque o Estado grego gasta mais do que arrecada. Este ano a bagatela de 13,6% do PIB, na última estimativa que vi.
Se não houvesse déficit público, não haveria como o mercado, os especuladores ou o sistema financeiro "atacarem" a Grécia. Porque mesmo na pior situação, totalmente hipotética, que o país não conseguisse rolar sua dívida pública, se houvesse superávit o governo poderia evitar muitos dos problemas que está tendo. Mas como o Estado gasta muito mais do que tem, mesmo com a moratória continuaria tendo o problema de ter que se financiar com terceiros (oh, horror dos horrores, no mercado financeiro). Este é o problema grego, a causa primeira de tudo o que está acontecendo. O Estado gasta mais do que arrecada.
Aliás, também vale a pena lembrar que, se os cidadãos gregos estivessem dispostos a transferir o total das suas poupanças para títulos do seu próprio governo, provavelmente não haveria crise nem haveria como os mercados especularem contra a Grécia. Porque isso não é feito? Porque esse é um péssimo investimento e de alto risco. É muito menos arriscado ir para as ruas de Atenas protestar do que aplicar as poupanças de uma vida inteira em títulos da dívida pública. Os títulos estão sujeitos a calote. Aliás, cada vez que um demagogo reclama das reações do mercado, pergunto-me o que esta mesma pessoa faz com suas economias. Provavelmente reage da mesma forma que os demais, tentando proteger-se e reclamando quando sofre perdas.
A segunda mega-demagogia, muito comum nessas situações, é a de dizer que é o povo, os funcionários públicos e as pessoas desprotegidas as que têm que aguentar o ônus do pacote de ajuste que o país foi obrigado a aceitar para ser socorrido pela União Européia e o FMI. Bem, essa é uma forma de ver a coisa. Outra é reconhecer que durante tempo demais os gregos viveram acima de suas possibilidades, desfrutando de benesses que na verdade não tinham como pagar. Querem um exemplo? O sistema de aposentadoria pública na Grécia é mais generoso do que em países muito mais ricos e estáveis, como por exemplo a Alemanha. Em média um trabalhador grego se aposenta oito anos mais jovem do que os demais europeus. Isso é um fato e também uma das causas do déficit público. Corrigir esta distorção o que é: penalizar os trabalhadores gregos ou eliminar um benefício que o Estado não tem como pagar?
Convém também lembrar que não são só os gastos que originam o déficit público. Leio que a sonegação é um mal endêmico no país. Se os próprios gregos não estão dispostos a cumprir com sua obrigação e pagar todos seus impostos, do que estão reclamando? Nunca é demais insistir que não existe maior injustiça fiscal do que a sonegação.
A tragédia grega que o mundo está testemunhando deveria ser um sinal de alerta para os nossos "desenvolvimentistas", acostumados a ver virtudes no gasto público e a dar pouca importância à disciplina fiscal. É verdade que com o Euro a Grécia não pode contar nem com a inflação nem com a desvalorização cambial para resolver seus problemas, recurso sempre à mão de países com moeda própria. O chato é que nem uma coisa nem outra são realmente uma solução, apenas um empobrecimento geral e desigual de todo o país.
No entanto, não há razão nenhuma para ser otimista e pensar que os demagogos ou os ignorantes vão aprender da crise grega. Ontem mesmo a Câmara dos Deputados brasileira aprovou o fim do fator previdenciário. É até possível que alguns dos que votaram nessa irresponsabilidade saibam o mal que estejam fazendo, mas em ano de eleição tenham preferido não desperdiçar a oportunidade de fazer demagogia. São iniciativas desse tipo que levam a crises como a grega, mas é muito mais fácil sair às ruas ou gritar na imprensa que a culpa toda é dos especuladores, do sistema financeiro ou do maldito mercado!
quinta-feira, 8 de abril de 2010
ASAMG - Feliz Aniversário, Brasília!
Desde segunda feira chove torrencialmente no Rio de Janeiro. A cidade ficou inundada, muitos pontos viraram um mar de lama, houve deslizamentos, mortes, caos no trânsito, a cidade maravilhosa virou notícia no mundo pelo desastre natural e a precariedade de suas infra-estruturas.
A quantidade de chuva na segunda foi recorde e anormal, tanto na sua intensidade como duração. Diante de um evento pouco provável de acontecer, porque nunca havia acontecido antes, não dá para reclamar que a infra-estrutura não estivesse preparada para absorvê-lo. Infra-estrutura urbana custa dinheiro, portanto deve ser dimensionada para o que é esperado, não para o pior caso possível. Mas mesmo fazendo esta ressalva, não há como escapar do óbvio: o Rio é, há muito tempo, uma cidade decadente. Faz mais de trinta anos que viajo com frequência para lá e o seu deterioro é visível a olho nu. Dá uma enorme tristeza.
Há muitas explicações para a débâcle carioca. Uma das mais importantes é a estranha capacidade dos seus eleitores de escolher sucessivamente péssimos prefeitos e governadores (ouço que o atual governador seria uma exceção na longa lista de desastres, mas não tenho elementos para emitir uma opinião). No entanto a causa mais direta para a decadência do Rio foi sem dúvida a construção de Brasília. Muitos amigos riem quando digo que a nova capital foi o pior erro da história da República. Existe até uma geração de brasileiros que considera Brasília o símbolo do Brasil potência, o retrato dos anos dourados. Pessoalmente duvido que o custo, passado e presente, financeiro ou intangível, tenha sido compensado pelos eventuais benefícios da nova capital. O maior e mais visível dano colateral é o abandono do Rio, deixado à sua própria sorte.
Enquanto capital, a economia carioca girava em torno dos gastos do governo e da legião de funcionários públicos que moravam na cidade. Depois de Brasília essa fonte de recursos foi minguando e o Estado não soube desenvolver nenhuma fonte alternativa de riquezas. No fundo o Rio ainda não deixou de ser uma cidade de funcionários públicos, ainda que agora a maioria sejam aposentados. Sem uma vigorosa iniciativa privada, capaz de gerar empregos e dinamizar a economia local, vai ser difícil pensar num futuro decente para a cidade.
O Rio foi capital da colônia, sede provisória da Coroa Portuguesa, depois do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, capital do Império e capital da República. Sua incomparável beleza paisagística (é considerada uma das quatro cidades mais bonitas do mundo) transformou-a no cartão postal do Brasil. Foi e, apesar de tudo continua sendo, o nosso maior ativo. Como explicar que o país deixe perder-se o que tem de melhor e mais atraente? É um desperdício que não tem sentido.
A perspectiva dos Jogos Olímpicos em 2016 é uma esperança para os que gostaríamos de ver o Rio passado a limpo. Espero que os próximos governos, tanto estadual como federal, invistam pesado em infra-estrutura e reparem parte do mal feito há meio século. O Brasil merece que seja assim. Mas as olimpíadas sozinhas não vão resolver todos os problemas. Aliás, poucas cidades conseguiram se reinventar ao sediar os Jogos, como fez Barcelona em 1992. É preciso mais do que simplesmente gastos governamentais. O Rio tem que se tornar capaz de andar com as próprias pernas. Deveria encontrar sua vocação econômica, para poder ser viável. Não é impossível, mas certamente não se fará com demagogia e as idéias envelhecidas da esquerda Carolina, a que não viu o tempo passar na janela. O desastre dos últimos dias deveria ser um despertador que nos lembrasse tudo que há de precário e insustentável na cidade.
Enquanto isso, no final do mês Brasília completará cinquenta anos. Parece que vai haver grandes comemorações, pagas com o dinheiro dos nossos impostos. Há mesmo algo para comemorar?
A quantidade de chuva na segunda foi recorde e anormal, tanto na sua intensidade como duração. Diante de um evento pouco provável de acontecer, porque nunca havia acontecido antes, não dá para reclamar que a infra-estrutura não estivesse preparada para absorvê-lo. Infra-estrutura urbana custa dinheiro, portanto deve ser dimensionada para o que é esperado, não para o pior caso possível. Mas mesmo fazendo esta ressalva, não há como escapar do óbvio: o Rio é, há muito tempo, uma cidade decadente. Faz mais de trinta anos que viajo com frequência para lá e o seu deterioro é visível a olho nu. Dá uma enorme tristeza.
Há muitas explicações para a débâcle carioca. Uma das mais importantes é a estranha capacidade dos seus eleitores de escolher sucessivamente péssimos prefeitos e governadores (ouço que o atual governador seria uma exceção na longa lista de desastres, mas não tenho elementos para emitir uma opinião). No entanto a causa mais direta para a decadência do Rio foi sem dúvida a construção de Brasília. Muitos amigos riem quando digo que a nova capital foi o pior erro da história da República. Existe até uma geração de brasileiros que considera Brasília o símbolo do Brasil potência, o retrato dos anos dourados. Pessoalmente duvido que o custo, passado e presente, financeiro ou intangível, tenha sido compensado pelos eventuais benefícios da nova capital. O maior e mais visível dano colateral é o abandono do Rio, deixado à sua própria sorte.
Enquanto capital, a economia carioca girava em torno dos gastos do governo e da legião de funcionários públicos que moravam na cidade. Depois de Brasília essa fonte de recursos foi minguando e o Estado não soube desenvolver nenhuma fonte alternativa de riquezas. No fundo o Rio ainda não deixou de ser uma cidade de funcionários públicos, ainda que agora a maioria sejam aposentados. Sem uma vigorosa iniciativa privada, capaz de gerar empregos e dinamizar a economia local, vai ser difícil pensar num futuro decente para a cidade.
O Rio foi capital da colônia, sede provisória da Coroa Portuguesa, depois do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, capital do Império e capital da República. Sua incomparável beleza paisagística (é considerada uma das quatro cidades mais bonitas do mundo) transformou-a no cartão postal do Brasil. Foi e, apesar de tudo continua sendo, o nosso maior ativo. Como explicar que o país deixe perder-se o que tem de melhor e mais atraente? É um desperdício que não tem sentido.
A perspectiva dos Jogos Olímpicos em 2016 é uma esperança para os que gostaríamos de ver o Rio passado a limpo. Espero que os próximos governos, tanto estadual como federal, invistam pesado em infra-estrutura e reparem parte do mal feito há meio século. O Brasil merece que seja assim. Mas as olimpíadas sozinhas não vão resolver todos os problemas. Aliás, poucas cidades conseguiram se reinventar ao sediar os Jogos, como fez Barcelona em 1992. É preciso mais do que simplesmente gastos governamentais. O Rio tem que se tornar capaz de andar com as próprias pernas. Deveria encontrar sua vocação econômica, para poder ser viável. Não é impossível, mas certamente não se fará com demagogia e as idéias envelhecidas da esquerda Carolina, a que não viu o tempo passar na janela. O desastre dos últimos dias deveria ser um despertador que nos lembrasse tudo que há de precário e insustentável na cidade.
Enquanto isso, no final do mês Brasília completará cinquenta anos. Parece que vai haver grandes comemorações, pagas com o dinheiro dos nossos impostos. Há mesmo algo para comemorar?
domingo, 28 de março de 2010
ASAMG - What a Difference a Day Made
"What a difference a day made, twenty-four little hours..." A música de Renee Olstead, na voz deliciosa de Dinah Washington veio-me à mente ao ler na internet as notícias do fim de semana. A última pesquisa Datafolha sobre as eleições presidenciais trouxe uma grande surpresa: a ministra-candidata Dilma Rousseff estacionou em 27% de intenção de voto (há um mês tinha 28%) e o governador quase candidato José Serra inverte a tendência de queda e sobe para 36% (antes 32%). Os nove pontos de dianteira de Serra mostram que, no momento em que foi feita a foto, ele tinha uma vantagem inquestionável sobre a candidata do presidente Lula.
De um dia para outro parece que mudou tudo no panorama eleitoral. Até sexta feira era comum ler análises na imprensa dizendo que a estratégia de Serra tinha sido a pior possível em muitos anos; que Dilma passaria para a pole position no momento de deixar o ministério; que tinha sido um grande erro deixar Dilma e Lula nadarem de braçada, sem uma candidatura definida no campo da oposição; you name it! Havia todo tipo de argumento para sustentar que a trajetória da ministra era ascendente e que ela passaria a ser a franca favorita em Outubro, podendo até ganhar no primeiro turno. Já o governador estaria deslizando para uma derrota estrondosa.
Que diferença um dia e uma pesquisa fizeram! Em primeiro lugar porque a foto que mostra o Datafolha contradiz a tese das tendências: quem parou foi Dilma e quem cresceu foi Serra. Em segundo lugar, é preciso se perguntar porque Dilma parou e porque Serra cresceu. A primeira pergunta é mais difícil de responder, mas também mais preocupante para o campo governista: um ano depois que o presidente Lula, no mais puro estilo do PRI mexicano, escolhesse por "dedazo" a candidata que o PT teve que engolir sem discussão, ela ainda não chega a atingir a porcentagem considerada historicamente como a de intenção de voto do PT: 30%. Nem depois de tanta viagem pelo Brasil afora, a tiracolo do seu padrinho presidente, inaugurando obras acabadas e não acabadas. Parece-me que há algo de errado com a candidata, que não acaba por convencer.
Do lado do tucanato, agora a candidatura Serra é quase oficial. Será que bastou isso para motivar os possíveis eleitores? Será que o que faltava era o PSDB por sua candidatura na rua? Se esta é a resposta, parece que ficou muito mais complicado para Dilma ultrapassar Serra nas próximas pesquisas. Nestes dias o governador está inaugurando as principais obras da sua gestão em São Paulo. Ontem foram as novas pistas da marginal Tietê, nos próximos dias deve ser o trecho sul do Rodoanel e os primeiros quilômetros da nova linha amarela do metrô. Depois da semana santa vai haver o lançamento oficial da candidatura, com festa em Brasília e muita cobertura da imprensa.
Com esse calendário, parece difícil prever que Serra caia nas próximas pesquisas. Mais difícil ainda que Dilma suba o suficiente para ultrapassá-lo, pois se ambos tivessem mais de 40% de intenção de voto cada, sobraria muito pouco para os demais candidatos e os eleitores indecisos, votos em branco ou nulos. Seis meses antes das eleições, é improvável uma polarização tão nítida. Não é impossível que até o começo da propaganda eleitoral as pesquisas continuem mostrando Serra na dianteira, com maior ou menor vantagem.
Para Dilma e o petismo a pesquisa do Datafolha foi uma péssima notícia. É verdade que é preciso esperar para ver se o novo cenário é confirmado por outros institutos. De qualquer forma, duas conclusões podem ser tiradas: em primeiro lugar, apesar dos índices de popularidade do Lula continuarem sendo crescentes e acumularem recordes, a boa avaliação do seu governo não se traduz automaticamente em voto no PT, nem que ele próprio fosse candidato. Seguramente entre os que avaliam o governo Lula como bom ou ótimo há gente que não votaria nele, muito menos no PT. Na pesquisa Datafolha publicada hoje, entre os que consideram o governo Lula bom ou ótimo, 32% tem intenção de votar no Serra e 33% na Dilma. Popularidade não é intenção de voto. Em segundo lugar, a famosa transferência de votos de Lula para a sua candidata é algo que ainda está por ser comprovado. Sempre é bom lembrar que a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet tinha popularidade record e o seu candidato perdeu as eleições.
Para José Serra, os dados do fim de semana vieram como águas de abril no hemisfério norte, quando as chuvas do início da primavera asseguram a boa colheita no verão. Os tucanos estavam desanimados com o que viam. A obstinação do seu possível candidato em não mudar sua estratégia, mesmo quando todos achavam que ela era o caminho mais direto para a derrota, fazia prever o pior. Agora a vitória não só volta a parecer possível, como a estratégia do candidato parece não ter sido tão desastrosa como se argumentava.
É um lugar comum dizer que ainda há muito caminho a ser percorrido até o dia 3 de Outubro. Outro chavão é afirmar que muita coisa pode acontecer, nada está definido. Mas se hoje eu tivesse que fazer uma aposta, diria que Serra será o próximo presidente. No mínimo, contra vento e tempestade, parece o favorito. Admito que há muito de wishful thinking nesta afirmação, mas enfim, Dilma ainda não demonstrou seu favoritismo. Qui vivra verra!
De um dia para outro parece que mudou tudo no panorama eleitoral. Até sexta feira era comum ler análises na imprensa dizendo que a estratégia de Serra tinha sido a pior possível em muitos anos; que Dilma passaria para a pole position no momento de deixar o ministério; que tinha sido um grande erro deixar Dilma e Lula nadarem de braçada, sem uma candidatura definida no campo da oposição; you name it! Havia todo tipo de argumento para sustentar que a trajetória da ministra era ascendente e que ela passaria a ser a franca favorita em Outubro, podendo até ganhar no primeiro turno. Já o governador estaria deslizando para uma derrota estrondosa.
Que diferença um dia e uma pesquisa fizeram! Em primeiro lugar porque a foto que mostra o Datafolha contradiz a tese das tendências: quem parou foi Dilma e quem cresceu foi Serra. Em segundo lugar, é preciso se perguntar porque Dilma parou e porque Serra cresceu. A primeira pergunta é mais difícil de responder, mas também mais preocupante para o campo governista: um ano depois que o presidente Lula, no mais puro estilo do PRI mexicano, escolhesse por "dedazo" a candidata que o PT teve que engolir sem discussão, ela ainda não chega a atingir a porcentagem considerada historicamente como a de intenção de voto do PT: 30%. Nem depois de tanta viagem pelo Brasil afora, a tiracolo do seu padrinho presidente, inaugurando obras acabadas e não acabadas. Parece-me que há algo de errado com a candidata, que não acaba por convencer.
Do lado do tucanato, agora a candidatura Serra é quase oficial. Será que bastou isso para motivar os possíveis eleitores? Será que o que faltava era o PSDB por sua candidatura na rua? Se esta é a resposta, parece que ficou muito mais complicado para Dilma ultrapassar Serra nas próximas pesquisas. Nestes dias o governador está inaugurando as principais obras da sua gestão em São Paulo. Ontem foram as novas pistas da marginal Tietê, nos próximos dias deve ser o trecho sul do Rodoanel e os primeiros quilômetros da nova linha amarela do metrô. Depois da semana santa vai haver o lançamento oficial da candidatura, com festa em Brasília e muita cobertura da imprensa.
Com esse calendário, parece difícil prever que Serra caia nas próximas pesquisas. Mais difícil ainda que Dilma suba o suficiente para ultrapassá-lo, pois se ambos tivessem mais de 40% de intenção de voto cada, sobraria muito pouco para os demais candidatos e os eleitores indecisos, votos em branco ou nulos. Seis meses antes das eleições, é improvável uma polarização tão nítida. Não é impossível que até o começo da propaganda eleitoral as pesquisas continuem mostrando Serra na dianteira, com maior ou menor vantagem.
Para Dilma e o petismo a pesquisa do Datafolha foi uma péssima notícia. É verdade que é preciso esperar para ver se o novo cenário é confirmado por outros institutos. De qualquer forma, duas conclusões podem ser tiradas: em primeiro lugar, apesar dos índices de popularidade do Lula continuarem sendo crescentes e acumularem recordes, a boa avaliação do seu governo não se traduz automaticamente em voto no PT, nem que ele próprio fosse candidato. Seguramente entre os que avaliam o governo Lula como bom ou ótimo há gente que não votaria nele, muito menos no PT. Na pesquisa Datafolha publicada hoje, entre os que consideram o governo Lula bom ou ótimo, 32% tem intenção de votar no Serra e 33% na Dilma. Popularidade não é intenção de voto. Em segundo lugar, a famosa transferência de votos de Lula para a sua candidata é algo que ainda está por ser comprovado. Sempre é bom lembrar que a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet tinha popularidade record e o seu candidato perdeu as eleições.
Para José Serra, os dados do fim de semana vieram como águas de abril no hemisfério norte, quando as chuvas do início da primavera asseguram a boa colheita no verão. Os tucanos estavam desanimados com o que viam. A obstinação do seu possível candidato em não mudar sua estratégia, mesmo quando todos achavam que ela era o caminho mais direto para a derrota, fazia prever o pior. Agora a vitória não só volta a parecer possível, como a estratégia do candidato parece não ter sido tão desastrosa como se argumentava.
É um lugar comum dizer que ainda há muito caminho a ser percorrido até o dia 3 de Outubro. Outro chavão é afirmar que muita coisa pode acontecer, nada está definido. Mas se hoje eu tivesse que fazer uma aposta, diria que Serra será o próximo presidente. No mínimo, contra vento e tempestade, parece o favorito. Admito que há muito de wishful thinking nesta afirmação, mas enfim, Dilma ainda não demonstrou seu favoritismo. Qui vivra verra!
sexta-feira, 12 de março de 2010
ASAMG - ¿Por qué no te callas?
Estou a trabalho em Portugal. Ontem fui almoçar num restaurante da cidadezinha onde está a empresa do meu cliente. Havia uma televisão ligada no telejornal. Uma das matérias de destaque era sobre a reação, no Brasil e no mundo, das palavras do presidente Lula, ao comparar os presos políticos cubanos com os criminosos comuns presos em São Paulo. A matéria era longa, mostrava diversas cenas da sua recente visita a Cuba e a série de declarações desastrosas sobre a situação política na ilha dos irmãos Castro.
Esta viagem fez um dano enorme à imagem do Lula. Eu me pergunto, no entanto, qual é a novidade? Surpreende alguém a dupla moral da esquerda, sempre tão rápida em denunciar governos ou regimes de direita, e sempre tão leniente com as maldades dos seus aliados? É algo novo que gente de bem defenda o indefensável quando se trata de Cuba? Só agora estamos nos dando conta de que em matéria de política externa o nosso presidente está pessimamente assessorado e que durante os seus dois mandatos a nossa diplomacia deu um vexame atrás do outro, colecionando uma larga lista de derrotas e asneiras? Para mim o inusitado é que não haja ninguém no governo com bom senso para aconselhá-lo a virar a página e deixar de tentar se explicar no caso de Cuba.
Por coincidência, ontem o IBGE divulgou o resultado do PIB brasileiro no último trimestre do ano passado e a sua variação em 2009. Mais uma vez vêm à mente as muitas besteiras ditas pelo presidente e alguns dos seus ministros sobre o impacto da crise financeira no Brasil (crise americana não vai cruzar o Atlântico e chegar ao Brasil, marolinha, gripinha, etc). Até Setembro de 2008 esperava-se um crescimento superior a 5% da economia em 2009; ficou em -0,2%. O impacto da crise foi, portanto, de mais de 5 pontos percentuais. Isso é ser severamente atingido. No entanto as declarações governamentais primeiro foram de que o país estava imune à recessão. Quando não dava mais para esconder que não seria assim, a mensagem oficial passou a ser de que no Brasil a crise seria do tipo leve. Não foi, sendo que a verborragia e prepotência governamental de nada serviram para modificar o rumo dos acontecimentos.
Se tem uma coisa da qual não vai dar para sentir falta, é da incontinência verbal do nosso futuro ex-presidente. Durante muito tempo fiquei chocado com as bobagens ditas por Lula. Até acredito que algumas delas sejam genuínas, como quando disse que sua mãe tinha nascido analfabeta, ou mais recentemente os mega-absurdos sobre os gases de efeito estufa gerados no hemisfério norte (ver YouTube "Lula mundo redondo"). Essa intervenção já começa com uma pérola: "Eu já disse várias vezes: Freud dizia que tinha algumas coisas que a humanidade não controlaria. Uma delas eram as intempéries"(sic).
Às vezes o Lula me lembra o finado e nada saudoso presidente Figueiredo, o último ditador militar. Figueiredo dizia o que pensava, sem antes pensar muito. Quase trinta anos depois gente da minha geração ainda se lembra de bobagens ditas por ele, como de que preferia cheiro de cavalo a cheiro do povo. O finado e sim saudoso colunista da Folha de São Paulo, Flávio Rangel, chamava a língua solta do então presidente de "interessante estilo deixa que eu chuto". O que Flávio Rangel diria das declarações do presidente Lula?
Lula diz tanta coisa errada, que faz tempo que mudei de opinião: creio que o presidente não é nem tão ignorante quanto possa parecer, nem tão mal informado. Ele simplesmente diz o que agrada a maioria do seu eleitorado. Querem um exemplo? Quando em 2008 empresas brasileiras perderam bilhões de reais com derivados cambiais, o presidente as criticou por terem perdido dinheiro especulando contra o real. Ora, essas empresas perderam dinheiro especulando a favor do real. Como não dava para criticar quem tinha apostado a favor da moeda brasileira, o presidente deu a entender que a coisa era ao contrário, criticou os especuladores e ficou bem com seu público cativo. Na época pouquíssima gente notou que a realidade era o oposto do que o presidente dissera, e ele não desperdiçou a oportunidade de fazer demagogia.
Será que quando o também finado e saudoso Sérgio Porto escreveu o "Febeapá", ele imaginou a que ponto o besteirol faria parte da nossa vida? As tolices inócuas dos nossos representantes às vezes causam riso, outras estupor, mas acabam entrando para o folclore político, por inofensivas. Graves são as bobagens com coisa séria, porque afetam diretamente a vida de pessoas de carne e osso. É o caso das sucessivas declarações de Lula sobre Cuba. Dá vontade de parodiar o Rei Juan Carlos I da Espanha, em momento de tanta inspiração, e gritar em alto e bom som, para talvez o presidente ouvir: ¿Por qué no te callas?
Esta viagem fez um dano enorme à imagem do Lula. Eu me pergunto, no entanto, qual é a novidade? Surpreende alguém a dupla moral da esquerda, sempre tão rápida em denunciar governos ou regimes de direita, e sempre tão leniente com as maldades dos seus aliados? É algo novo que gente de bem defenda o indefensável quando se trata de Cuba? Só agora estamos nos dando conta de que em matéria de política externa o nosso presidente está pessimamente assessorado e que durante os seus dois mandatos a nossa diplomacia deu um vexame atrás do outro, colecionando uma larga lista de derrotas e asneiras? Para mim o inusitado é que não haja ninguém no governo com bom senso para aconselhá-lo a virar a página e deixar de tentar se explicar no caso de Cuba.
Por coincidência, ontem o IBGE divulgou o resultado do PIB brasileiro no último trimestre do ano passado e a sua variação em 2009. Mais uma vez vêm à mente as muitas besteiras ditas pelo presidente e alguns dos seus ministros sobre o impacto da crise financeira no Brasil (crise americana não vai cruzar o Atlântico e chegar ao Brasil, marolinha, gripinha, etc). Até Setembro de 2008 esperava-se um crescimento superior a 5% da economia em 2009; ficou em -0,2%. O impacto da crise foi, portanto, de mais de 5 pontos percentuais. Isso é ser severamente atingido. No entanto as declarações governamentais primeiro foram de que o país estava imune à recessão. Quando não dava mais para esconder que não seria assim, a mensagem oficial passou a ser de que no Brasil a crise seria do tipo leve. Não foi, sendo que a verborragia e prepotência governamental de nada serviram para modificar o rumo dos acontecimentos.
Se tem uma coisa da qual não vai dar para sentir falta, é da incontinência verbal do nosso futuro ex-presidente. Durante muito tempo fiquei chocado com as bobagens ditas por Lula. Até acredito que algumas delas sejam genuínas, como quando disse que sua mãe tinha nascido analfabeta, ou mais recentemente os mega-absurdos sobre os gases de efeito estufa gerados no hemisfério norte (ver YouTube "Lula mundo redondo"). Essa intervenção já começa com uma pérola: "Eu já disse várias vezes: Freud dizia que tinha algumas coisas que a humanidade não controlaria. Uma delas eram as intempéries"(sic).
Às vezes o Lula me lembra o finado e nada saudoso presidente Figueiredo, o último ditador militar. Figueiredo dizia o que pensava, sem antes pensar muito. Quase trinta anos depois gente da minha geração ainda se lembra de bobagens ditas por ele, como de que preferia cheiro de cavalo a cheiro do povo. O finado e sim saudoso colunista da Folha de São Paulo, Flávio Rangel, chamava a língua solta do então presidente de "interessante estilo deixa que eu chuto". O que Flávio Rangel diria das declarações do presidente Lula?
Lula diz tanta coisa errada, que faz tempo que mudei de opinião: creio que o presidente não é nem tão ignorante quanto possa parecer, nem tão mal informado. Ele simplesmente diz o que agrada a maioria do seu eleitorado. Querem um exemplo? Quando em 2008 empresas brasileiras perderam bilhões de reais com derivados cambiais, o presidente as criticou por terem perdido dinheiro especulando contra o real. Ora, essas empresas perderam dinheiro especulando a favor do real. Como não dava para criticar quem tinha apostado a favor da moeda brasileira, o presidente deu a entender que a coisa era ao contrário, criticou os especuladores e ficou bem com seu público cativo. Na época pouquíssima gente notou que a realidade era o oposto do que o presidente dissera, e ele não desperdiçou a oportunidade de fazer demagogia.
Será que quando o também finado e saudoso Sérgio Porto escreveu o "Febeapá", ele imaginou a que ponto o besteirol faria parte da nossa vida? As tolices inócuas dos nossos representantes às vezes causam riso, outras estupor, mas acabam entrando para o folclore político, por inofensivas. Graves são as bobagens com coisa séria, porque afetam diretamente a vida de pessoas de carne e osso. É o caso das sucessivas declarações de Lula sobre Cuba. Dá vontade de parodiar o Rei Juan Carlos I da Espanha, em momento de tanta inspiração, e gritar em alto e bom som, para talvez o presidente ouvir: ¿Por qué no te callas?
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
ASAMG - Lula e Cuba
Nosso presidente acaba de fazer uma viagem a Cuba. No programa estavam encontros com o ditador atual e o seu irmão e antecessor. Financiamentos e apoio ao regime feitos com dinheiro dos impostos dos brasileiros. E nem uma palavra amiga aos presos políticos que sofrem as durezas da cana (não a de açúcar) do paraíso socialista caribenho. A visita de Lula coincidiu com a morte de um preso político que estava há oitenta e cinco dias em greve de fome. O caso gerou indignação mundo afora por parte de toda pessoa decente que se indigna diante de uma injustiça. Da parte da nossa esquerda "ni mu", caluda total.
Confesso que o caso de Cuba para mim é incompreensível: há alguma dúvida de que se trate de uma ditadura de partido único? Alguém põe em dúvida a existência de presos políticos? É evidente que não existe liberdade de organização, liberdade de opinião, liberdade de expressão, separação de poderes, respeito aos direitos humanos, liberdade de ir e vir, nada que minimamente poderia indicar que se trata de um país democrático. Para cúmulo, não há nem sequer prosperidade material, pois a economia não se desenvolve e a sociedade cubana é cada dia mais pobre. Diante de tanto horror, como é possível defender o regime dos irmãos Castro?
No entanto, a ditadura socialista cubana tem milhões de defensores pela América Latina (na Europa também, afinal burrice é uma qualidade bastante bem repartida entre a humanidade). Será que ninguém pensa nas pessoas que têm que viver lá, que não têm sequer a possibilidade de votar com os pés, ou seja, de se mandar e ir tentar a vida num lugar melhor se assim o desejassem? Apesar dos admiradores dos Castros defenderem a revolução com unhas e dentes, nunca conheci nenhum que se dispusesse a ir viver lá. Aliás, entre meus muitos amigos esquerdistas, há vários que quando tiveram a oportunidade, vieram viver uns anos na Europa ou foram para os Estados Unidos. Nenhum foi viver em Cuba. Os milhões de emigrantes latinoamericanos que procuram um lugar melhor para viver vêm também para a Europa ou vão para os Estados Unidos. Nenhum vai para Cuba. Os ditadores da ilha tampouco permitem que quem não esteja satisfeito vá embora. Devem saber qual seria o resultado se abrissem as fronteiras. Ainda assim, Lula foi para a Havana dar um abraço apertado nos seus amigos Fidel e Raul. Será que Lula já se esqueceu do que é sofrer a perseguição de uma ditadura?
Nesses momentos lembro-me de Albert Camus, cuja morte ocorreu há meio século. Na França várias publicações recordam o acontecimento e fazem um balanço tanto da sua obra como de sua trajetória política. Camus foi um homem íntegro, que defendeu suas idéias contra vento e maré, denunciando as arbitrariedades e injustiças do estalinismo em plena guerra fria, muito antes de que as barbaridades cometidas na União Soviética por Stalin fossem de domínio público. Seu argumento poderia se resumir em que os fins não justificam os meios, principalmente se entre os meios está o assassinato, a eliminação física dos inimigos. A publicação do seu ensaio "L'Homme Revolté" pôs toda a intelectualidade bem pensante da época, os esquerdistas do VIème Arrondissement e seus equivalentes no resto do mundo contra ele. Camus foi vítima da poderosíssima patrulha ideológica da esquerda. Nem por isso abriu mão de dizer o que pensava. Quando comparo sua atitude com o servilismo de Garcia Marquez diante do regime cubano, tenho pena do escritor colombiano. Se fosse ele, morreria de vergonha.
Albert Camus escreveu "L'Homme Révolté" em 1951. Há 59 anos já defendia idéias que ainda hoje são vistas como tabu e merecem total repúdio da esquerda latinoamericana. Afinal, qualquer argumento que sirva para justificar a ditadura de partido único que subjuga o povo cubano há cinquenta e um anos é válido, qualquer argumento contra é estar vendido ao império americano. São os mesmos que olham para o outro lado ao invés de reconhecer que, não contente de destruir o tecido econômico da Venezuela e levar o país a todo tipo de racionamento, o governo de Hugo Chavez é cada vez mais ditatorial e tem toda pinta de que ainda vai acabar muito mal.
A História pôs Sartre, antes amigo e depois feroz detrator de Camus, e a intelligentsia comunista da rive gauche no seu devido lugar. Camus estava certo e eles errados. A queda do muro de Berlim em 1989 e o fim dos regimes comunistas na Europa Central e do Leste, bem como o próprio fim da União Soviética permitiram ver qual era a realidade que estava por trás da cortina de ferro. Alguém duvida de que passará o mesmo com Cuba? O problema é que para os que têm que aguentar e viver no paraíso socialista caribenho, nem o fim da ditadura dos Castro vai trazer de volta todos os anos perdidos. Mas parece que os intelectuais bem pensantes não estão nem um pouco preocupados com as maiores vítimas dessa página da História. Ao invés disso, preferem atacar os que dizem que o rei está nu.
Confesso que o caso de Cuba para mim é incompreensível: há alguma dúvida de que se trate de uma ditadura de partido único? Alguém põe em dúvida a existência de presos políticos? É evidente que não existe liberdade de organização, liberdade de opinião, liberdade de expressão, separação de poderes, respeito aos direitos humanos, liberdade de ir e vir, nada que minimamente poderia indicar que se trata de um país democrático. Para cúmulo, não há nem sequer prosperidade material, pois a economia não se desenvolve e a sociedade cubana é cada dia mais pobre. Diante de tanto horror, como é possível defender o regime dos irmãos Castro?
No entanto, a ditadura socialista cubana tem milhões de defensores pela América Latina (na Europa também, afinal burrice é uma qualidade bastante bem repartida entre a humanidade). Será que ninguém pensa nas pessoas que têm que viver lá, que não têm sequer a possibilidade de votar com os pés, ou seja, de se mandar e ir tentar a vida num lugar melhor se assim o desejassem? Apesar dos admiradores dos Castros defenderem a revolução com unhas e dentes, nunca conheci nenhum que se dispusesse a ir viver lá. Aliás, entre meus muitos amigos esquerdistas, há vários que quando tiveram a oportunidade, vieram viver uns anos na Europa ou foram para os Estados Unidos. Nenhum foi viver em Cuba. Os milhões de emigrantes latinoamericanos que procuram um lugar melhor para viver vêm também para a Europa ou vão para os Estados Unidos. Nenhum vai para Cuba. Os ditadores da ilha tampouco permitem que quem não esteja satisfeito vá embora. Devem saber qual seria o resultado se abrissem as fronteiras. Ainda assim, Lula foi para a Havana dar um abraço apertado nos seus amigos Fidel e Raul. Será que Lula já se esqueceu do que é sofrer a perseguição de uma ditadura?
Nesses momentos lembro-me de Albert Camus, cuja morte ocorreu há meio século. Na França várias publicações recordam o acontecimento e fazem um balanço tanto da sua obra como de sua trajetória política. Camus foi um homem íntegro, que defendeu suas idéias contra vento e maré, denunciando as arbitrariedades e injustiças do estalinismo em plena guerra fria, muito antes de que as barbaridades cometidas na União Soviética por Stalin fossem de domínio público. Seu argumento poderia se resumir em que os fins não justificam os meios, principalmente se entre os meios está o assassinato, a eliminação física dos inimigos. A publicação do seu ensaio "L'Homme Revolté" pôs toda a intelectualidade bem pensante da época, os esquerdistas do VIème Arrondissement e seus equivalentes no resto do mundo contra ele. Camus foi vítima da poderosíssima patrulha ideológica da esquerda. Nem por isso abriu mão de dizer o que pensava. Quando comparo sua atitude com o servilismo de Garcia Marquez diante do regime cubano, tenho pena do escritor colombiano. Se fosse ele, morreria de vergonha.
Albert Camus escreveu "L'Homme Révolté" em 1951. Há 59 anos já defendia idéias que ainda hoje são vistas como tabu e merecem total repúdio da esquerda latinoamericana. Afinal, qualquer argumento que sirva para justificar a ditadura de partido único que subjuga o povo cubano há cinquenta e um anos é válido, qualquer argumento contra é estar vendido ao império americano. São os mesmos que olham para o outro lado ao invés de reconhecer que, não contente de destruir o tecido econômico da Venezuela e levar o país a todo tipo de racionamento, o governo de Hugo Chavez é cada vez mais ditatorial e tem toda pinta de que ainda vai acabar muito mal.
A História pôs Sartre, antes amigo e depois feroz detrator de Camus, e a intelligentsia comunista da rive gauche no seu devido lugar. Camus estava certo e eles errados. A queda do muro de Berlim em 1989 e o fim dos regimes comunistas na Europa Central e do Leste, bem como o próprio fim da União Soviética permitiram ver qual era a realidade que estava por trás da cortina de ferro. Alguém duvida de que passará o mesmo com Cuba? O problema é que para os que têm que aguentar e viver no paraíso socialista caribenho, nem o fim da ditadura dos Castro vai trazer de volta todos os anos perdidos. Mas parece que os intelectuais bem pensantes não estão nem um pouco preocupados com as maiores vítimas dessa página da História. Ao invés disso, preferem atacar os que dizem que o rei está nu.
sábado, 13 de fevereiro de 2010
ASAMG - A Reforma da Previdência na Espanha
Há duas semanas o governo espanhol, liderado pelo socialista Zapatero, propôs que entre as medidas para superar a profunda crise econômica que o país está atravessando se incluísse elevar a idade mínima de aposentadoria de 65 para 67 anos. Tal modificação seria introduzida paulatinamente, mas atingiria plenamente gente da minha idade ou mais jovens. A justificativa é que a mudança demográfica obrigaria a fazer esta mudança, pois do contrário o sistema seria insustentável financeiramente.
Dias depois ouvi no rádio, Cadena Ser, uma entrevista com o ministro José Blanco, também socialista. Ele não só explicava porque achava necessário fazê-lo, mas também defendia seu caráter de justiça social, pois a mudança permitiria manter um sistema previdenciário público que atendesse a todos os espanhóis e evitaria ter que deixar o valor real da aposentadoria cair (comido pela inflação), que é o que passaria se a idade mínima não fosse aumentada. Ainda mais surpreendente, Blanco defendeu uma revisão dos casos especiais de grupos trabalhistas que têm privilégios que ele considera injustificáveis. Como exemplo citou os controladores aéreos, que podem se aposentar com 52 anos e com vencimentos superiores a cem mil Euros anuais. Ele disse que era um absurdo que um funcionário público pudesse ter estes privilégios, pelo simples fato de que era injusto com os demais.
Não sei o que vai acontecer com esta iniciativa, mas suspeito que a demagogia vai prevalecer sobre a racionalidade: os sindicatos, que estavam completamente sem ação em meio a uma situação desoladora, encontraram uma causa para tentar recuperar a iniciativa em protestos sociais. A direita mais conservadora, que na Espanha aproveita qualquer coisa para atacar violentamente o governo socialista, também caiu de pau. E ninguém está feliz com a idéia de ter que trabalhar dois anos a mais, mesmo que seja para manter o valor real da sua futura aposentadoria. Pode ser que a tal reforma previdenciária fique em águas de bacalhau.
Mesmo assim, para mim esse episódio chegou a dar inveja da Espanha e seu governo, em comparação com o Brasil. A previdência social na Espanha é superavitária. Sim, repito, mesmo com quase 20% de desemprego no ano passado, as contas da previdência foram positivas em 8,5 bilhões de Euros. O governo anterior criou um fundo de reserva para a previdência, para o caso dela se tornar deficitária. Este fundo já tem mais de sessenta e dois bilhões de Euros depositados. Mesmo assim, um governo socialista resolve mexer nesse vespeiro e propor uma reforma, pelo simples fato de que é necessária e, tal como diz o ministro Blanco, justa socialmente, pois fortifica o sistema público de aposentadorias.
No Brasil a previdência é deficitária há anos e mesmo depois de todo o crescimento econômico recente continua a sê-lo, com tendência a se agravar. Na Espanha, a idade mínima de aposentadoria é de 65 anos e igual para homens e mulheres. No Brasil as mulheres podem se aposentar trabalhando cinco anos menos, mesmo que estatisticamente vivam mais que os homens. Se forem professoras então, ganham mais cinco anos de privilégios. Não há idade mínima de aposentadoria, sendo possível uma mulher se aposentar com menos de cinquenta anos de idade! Por fim, nunca no Brasil um ministro, muito menos um socialista, diria uma coisa tão óbvia como que os privilégios de determinados grupos são injustos socialmente, porque vão contra o interesse de todos. Já pensou um ministro petista dizendo que os privilégios dos nossos funcionários públicos precisam ser eliminados?
Este episódio exemplifica a clara diferença que existe entre um país maduro e um país infantil; um país onde não se tapa o sol com a peneira e um país do faz de conta, que se escuda atrás de conceitos como direito adquirido; um país moderno, onde um governo socialista procura a justiça social em todos os seus âmbitos e um país atrasado onde quem propõe as mesmas coisas é taxado de direitista, neo-liberal, conservador ou qualquer outra coisa que pressuponha, na boca de quem o diz, um insulto. Comparando o Brasil com a Espanha, neste aspecto senti inveja da Espanha, pois eles estão muito à nossa frente. Mesmo que a reforma previdenciária no fim não vingue. Mesmo que a economia espanhola esteja no chão.
Quanto tempo ainda vai demorar para os brasileiros abandonarem os chavões do passado, cairem na real e abraçar as fórmulas que realmente levam ao desenvolvimento de longo prazo? Em resumo, as fórmulas que têm por trás a idéia simples e básica de que a riqueza é fruto do trabalho. Criar mais feriados, diminuir as horas de trabalho semanais, aposentar cada vez mais jovem e tantas outras receitas de felicidade que andam pelaí têm muitas consequências, menos a de nos levar realmente ao primeiro mundo. Às vezes desanimo, pensando que não vou viver o suficiente para ver o país mudar. Menos mal que muito antes disso me mudei eu para a Espanha.
Dias depois ouvi no rádio, Cadena Ser, uma entrevista com o ministro José Blanco, também socialista. Ele não só explicava porque achava necessário fazê-lo, mas também defendia seu caráter de justiça social, pois a mudança permitiria manter um sistema previdenciário público que atendesse a todos os espanhóis e evitaria ter que deixar o valor real da aposentadoria cair (comido pela inflação), que é o que passaria se a idade mínima não fosse aumentada. Ainda mais surpreendente, Blanco defendeu uma revisão dos casos especiais de grupos trabalhistas que têm privilégios que ele considera injustificáveis. Como exemplo citou os controladores aéreos, que podem se aposentar com 52 anos e com vencimentos superiores a cem mil Euros anuais. Ele disse que era um absurdo que um funcionário público pudesse ter estes privilégios, pelo simples fato de que era injusto com os demais.
Não sei o que vai acontecer com esta iniciativa, mas suspeito que a demagogia vai prevalecer sobre a racionalidade: os sindicatos, que estavam completamente sem ação em meio a uma situação desoladora, encontraram uma causa para tentar recuperar a iniciativa em protestos sociais. A direita mais conservadora, que na Espanha aproveita qualquer coisa para atacar violentamente o governo socialista, também caiu de pau. E ninguém está feliz com a idéia de ter que trabalhar dois anos a mais, mesmo que seja para manter o valor real da sua futura aposentadoria. Pode ser que a tal reforma previdenciária fique em águas de bacalhau.
Mesmo assim, para mim esse episódio chegou a dar inveja da Espanha e seu governo, em comparação com o Brasil. A previdência social na Espanha é superavitária. Sim, repito, mesmo com quase 20% de desemprego no ano passado, as contas da previdência foram positivas em 8,5 bilhões de Euros. O governo anterior criou um fundo de reserva para a previdência, para o caso dela se tornar deficitária. Este fundo já tem mais de sessenta e dois bilhões de Euros depositados. Mesmo assim, um governo socialista resolve mexer nesse vespeiro e propor uma reforma, pelo simples fato de que é necessária e, tal como diz o ministro Blanco, justa socialmente, pois fortifica o sistema público de aposentadorias.
No Brasil a previdência é deficitária há anos e mesmo depois de todo o crescimento econômico recente continua a sê-lo, com tendência a se agravar. Na Espanha, a idade mínima de aposentadoria é de 65 anos e igual para homens e mulheres. No Brasil as mulheres podem se aposentar trabalhando cinco anos menos, mesmo que estatisticamente vivam mais que os homens. Se forem professoras então, ganham mais cinco anos de privilégios. Não há idade mínima de aposentadoria, sendo possível uma mulher se aposentar com menos de cinquenta anos de idade! Por fim, nunca no Brasil um ministro, muito menos um socialista, diria uma coisa tão óbvia como que os privilégios de determinados grupos são injustos socialmente, porque vão contra o interesse de todos. Já pensou um ministro petista dizendo que os privilégios dos nossos funcionários públicos precisam ser eliminados?
Este episódio exemplifica a clara diferença que existe entre um país maduro e um país infantil; um país onde não se tapa o sol com a peneira e um país do faz de conta, que se escuda atrás de conceitos como direito adquirido; um país moderno, onde um governo socialista procura a justiça social em todos os seus âmbitos e um país atrasado onde quem propõe as mesmas coisas é taxado de direitista, neo-liberal, conservador ou qualquer outra coisa que pressuponha, na boca de quem o diz, um insulto. Comparando o Brasil com a Espanha, neste aspecto senti inveja da Espanha, pois eles estão muito à nossa frente. Mesmo que a reforma previdenciária no fim não vingue. Mesmo que a economia espanhola esteja no chão.
Quanto tempo ainda vai demorar para os brasileiros abandonarem os chavões do passado, cairem na real e abraçar as fórmulas que realmente levam ao desenvolvimento de longo prazo? Em resumo, as fórmulas que têm por trás a idéia simples e básica de que a riqueza é fruto do trabalho. Criar mais feriados, diminuir as horas de trabalho semanais, aposentar cada vez mais jovem e tantas outras receitas de felicidade que andam pelaí têm muitas consequências, menos a de nos levar realmente ao primeiro mundo. Às vezes desanimo, pensando que não vou viver o suficiente para ver o país mudar. Menos mal que muito antes disso me mudei eu para a Espanha.
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
ASAMG - Bouchonné
Fiz carreira de executivo em multinacional relativamente rápido. Nos meus "early thirties" já era chefe e tinha responsabilidades. Uma das implicações do meu trabalho era de que frequentemente tinha que levar colegas de outros países ou clientes para almoçar ou jantar. Aqui na Europa o mais comum é que a refeição seja acompanhada com vinho. Quem convida não só paga, mas também escolhe o vinho e o experimenta.
Minha educação nesse setor era nenhuma. Nesse sentido, eu era como a maioria dos brasileiros da minha geração e anteriores: não tinha crescido numa família que consumisse costumeiramente vinhos. Não sabia nada sobre uvas, safras, regiões, tipos de vinhos, terroirs - nada. Pior que isso, sabia quando um vinho me agradava ou não, mas não sabia escolher o vinho certo de acordo com a comida, nem tampouco sabia provar e dizer se estava bom ou não.
Só muitos anos depois de me mudar para a Europa começei a me interessar pelo assunto. Fiz alguns cursos de degustação, fui a cada vez maior número delas, passei a ler sobre vinhos e a aprender sobre este complexo e fascinante mundo. Quando não sabia que vinho escolher, pedia a opinião ou o conselho dos outros comensais. Mas mesmo assim era difícil evitar ter que experimentar e aprovar - ou não - o vinho escolhido. Eu sempre dizia que estava bom, com o pânico de estar fazendo uma besteira, aceitando um vinho bouchonné ou com qualquer outro defeito.
Tenho um amigo em Barcelona, Julien, que além de ser um expert, é também dono da loja "La Part dels Angels", onde costumo comprar vinhos franceses. Mais de uma vez participei de degustações organizadas por Julien. Lembro-me que em uma delas ele teve que trocar o vinho previsto, porque a única garrafa que tinha estava bouchonnée. Pedi para examiná-la. Esse defeito era para mim misterioso, mas a verdade é que por mais que tentasse não conseguia identificar o tal cheiro de rolha.
Assim passaram os anos e tomei dezenas ou talvez centenas de vinhos diferentes. Naturalmente com o treino pouco a pouco fui apurando o meu olfato. Até que um dia tive que experimentar um borgonha num restaurante na França, um vinho que já tinha tomado antes, e no nariz não consegui sentir nenhum dos aromas que esperava. Aliás, não sentia cheiro nenhum, era como se o vinho estivesse completamente tapado. Então entendi: aquele vinho estava bouchonné. Mandei-o de volta e o sommelier concordou comigo que o vinho estava "terriblement bouchonné".
Tinha-se desfeito o mistério. Entendi que o defeito que não conseguia identificar e que tanta angústia me causou no passado na verdade não se caracterizava por um "cheiro" específico, mas sim pela ausência de aromas no vinho. Ao treinar meu olfato a identificar determinados aromas, na hora percebi que havia algo errado quando provei a garrafa com defeito.
Porque estou contando esta história? Porque acabo de voltar de três semanas de férias no Brasil. Li jornal todos os dias, mas principalmente conversei com muitos amigos e gente que conheço. Evidentemente falamos de economia, política e eleições em Outubro. O que senti foi que o campo estatista, intervencionista, anti-capitalista está cada vez mais visível e talvez tenha cada vez mais apoio. Essa gente inventou um apelido para si próprio que seria risível, se não fosse o risco de que talvez tenham cada vez mais poder: desenvolvimentistas!
Faz quase 25 anos que me formei em economia; vinte que trabalho para grandes empresas privadas; dezessete que moro na Europa e meu trabalho pode ser descrito como internacional, pois o desenvolvo em diferentes países. Nesse tempo todo vi, li, estudei e experimentei muita coisa tanto no âmbito da administração quanto no da economia. Em outras palavras, treinei meu olfato para o que dá certo e o que não dá; para o que cria riqueza sustentável e o que cria ilusão de curto prazo; o que leva um país a crescer em bases sólidas ou não. Minha preocupação, quase frustração, é a de ver que existe um nacionalismo ufanista, liderado pela esquerda, que está prometendo mundos e fundos a curto prazo, graças às receitas "desenvolvimentistas". Não preciso ouvir muita coisa sobre essas bobagens para saber que não dão certo, que estão bouchonnées.
Parece incrível que idéias dos anos cinquenta do século passado continuem vivas entre parte de nossos políticos e eleitorado. É verdade que muitas vezes elas geram crescimento, mas é sempre efeito de curto prazo, com graves consequências a médio e longo prazo. A derrocada econômica e social da Venezuela talvez seja o exemplo mais extremo e recente, mas as dificuldades da Argentina e Equador deveriam nos alertar para o fato evidente de que não há milagres. Mas Dilma, PT e aliados estão empenhados em vender essa ilusão em Outubro.
O Brasil percorreu muito caminho nos últimos vinte anos. Estamos colhendo os frutos do bom senso. Lideradas por Dilma, há cada vez mais vozes propondo marcha atrás. Devíamos ter a sabedoria de recusar e mandar essa garrafa de volta, pois seu defeito é de base!
Minha educação nesse setor era nenhuma. Nesse sentido, eu era como a maioria dos brasileiros da minha geração e anteriores: não tinha crescido numa família que consumisse costumeiramente vinhos. Não sabia nada sobre uvas, safras, regiões, tipos de vinhos, terroirs - nada. Pior que isso, sabia quando um vinho me agradava ou não, mas não sabia escolher o vinho certo de acordo com a comida, nem tampouco sabia provar e dizer se estava bom ou não.
Só muitos anos depois de me mudar para a Europa começei a me interessar pelo assunto. Fiz alguns cursos de degustação, fui a cada vez maior número delas, passei a ler sobre vinhos e a aprender sobre este complexo e fascinante mundo. Quando não sabia que vinho escolher, pedia a opinião ou o conselho dos outros comensais. Mas mesmo assim era difícil evitar ter que experimentar e aprovar - ou não - o vinho escolhido. Eu sempre dizia que estava bom, com o pânico de estar fazendo uma besteira, aceitando um vinho bouchonné ou com qualquer outro defeito.
Tenho um amigo em Barcelona, Julien, que além de ser um expert, é também dono da loja "La Part dels Angels", onde costumo comprar vinhos franceses. Mais de uma vez participei de degustações organizadas por Julien. Lembro-me que em uma delas ele teve que trocar o vinho previsto, porque a única garrafa que tinha estava bouchonnée. Pedi para examiná-la. Esse defeito era para mim misterioso, mas a verdade é que por mais que tentasse não conseguia identificar o tal cheiro de rolha.
Assim passaram os anos e tomei dezenas ou talvez centenas de vinhos diferentes. Naturalmente com o treino pouco a pouco fui apurando o meu olfato. Até que um dia tive que experimentar um borgonha num restaurante na França, um vinho que já tinha tomado antes, e no nariz não consegui sentir nenhum dos aromas que esperava. Aliás, não sentia cheiro nenhum, era como se o vinho estivesse completamente tapado. Então entendi: aquele vinho estava bouchonné. Mandei-o de volta e o sommelier concordou comigo que o vinho estava "terriblement bouchonné".
Tinha-se desfeito o mistério. Entendi que o defeito que não conseguia identificar e que tanta angústia me causou no passado na verdade não se caracterizava por um "cheiro" específico, mas sim pela ausência de aromas no vinho. Ao treinar meu olfato a identificar determinados aromas, na hora percebi que havia algo errado quando provei a garrafa com defeito.
Porque estou contando esta história? Porque acabo de voltar de três semanas de férias no Brasil. Li jornal todos os dias, mas principalmente conversei com muitos amigos e gente que conheço. Evidentemente falamos de economia, política e eleições em Outubro. O que senti foi que o campo estatista, intervencionista, anti-capitalista está cada vez mais visível e talvez tenha cada vez mais apoio. Essa gente inventou um apelido para si próprio que seria risível, se não fosse o risco de que talvez tenham cada vez mais poder: desenvolvimentistas!
Faz quase 25 anos que me formei em economia; vinte que trabalho para grandes empresas privadas; dezessete que moro na Europa e meu trabalho pode ser descrito como internacional, pois o desenvolvo em diferentes países. Nesse tempo todo vi, li, estudei e experimentei muita coisa tanto no âmbito da administração quanto no da economia. Em outras palavras, treinei meu olfato para o que dá certo e o que não dá; para o que cria riqueza sustentável e o que cria ilusão de curto prazo; o que leva um país a crescer em bases sólidas ou não. Minha preocupação, quase frustração, é a de ver que existe um nacionalismo ufanista, liderado pela esquerda, que está prometendo mundos e fundos a curto prazo, graças às receitas "desenvolvimentistas". Não preciso ouvir muita coisa sobre essas bobagens para saber que não dão certo, que estão bouchonnées.
Parece incrível que idéias dos anos cinquenta do século passado continuem vivas entre parte de nossos políticos e eleitorado. É verdade que muitas vezes elas geram crescimento, mas é sempre efeito de curto prazo, com graves consequências a médio e longo prazo. A derrocada econômica e social da Venezuela talvez seja o exemplo mais extremo e recente, mas as dificuldades da Argentina e Equador deveriam nos alertar para o fato evidente de que não há milagres. Mas Dilma, PT e aliados estão empenhados em vender essa ilusão em Outubro.
O Brasil percorreu muito caminho nos últimos vinte anos. Estamos colhendo os frutos do bom senso. Lideradas por Dilma, há cada vez mais vozes propondo marcha atrás. Devíamos ter a sabedoria de recusar e mandar essa garrafa de volta, pois seu defeito é de base!
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
ASAMG - Muita Coisa Boa em 2010
2010 vai ser um ano bom. Mesmo que todo o resto desse errado, ainda assim é o último ano do governo Lula e é bom pensar que em Janeiro de 2011 já não teremos que aguentar o besteirol lulista. É verdade que pode acontecer o pior e Dilma ser eleita. Dilma é o Pitta do Lula. Tenho enormes esperanças de que ao contrário do ex-prefeito Maluf, Lula não consiga eleger sua sucessora. Mas não tenho dúvida de que, se eleita, ela faria um governo tão ruim quanto o de Pitta. Apesar de não ser santo de minha devoção, Lula ainda é muito melhor do que o PT e os petistas em geral. Não se pode dizer o mesmo de Dilma.
A segunda razão pela qual 2010 promete é porque haverá eleições. Não só para presidente, mas para o Congresso Nacional, governos e assembléias estaduais. Os deputados e senadores eleitos têm tanta importância quanto o próprio Presidente da República. Não vou dizer que não dá para os eleitores escolherem piores representantes que os atuais, porque sempre dá. Mas apesar de desconfiar da racionalidade do voto em geral, também tenho esperanças de que haja uma renovação do Congresso. "Não reeleja nenhum parlamentar" parece-me um ótimo tema de campanha. Seria fantástico se a cada eleição houvesse maior definição ideológica e partidária. Não sonho com o impossível, mas não estaria mal se déssemos pelo menos um passo adiante.
Outra excelente razão para esperar muito de 2010 é porque é ano de censo. Basta-nos pedir que o censo seja bem feito. É extremamente importante, pois o Brasil está no ponto de virada demográfica e a foto feita este ano será a base para o planejamento e as políticas da próxima década. Sou dos que acham que se houver surpresas, o mais provável é que descubramos que a transição demográfica está ocorrendo muito mais rápido do que se costuma admitir. Isso mudaria muito o perfil do país nas próximas duas a três décadas. Continuar implementando políticas com dados e projeções erradas, como é o caso dos que são contra as reformas da previdência social, pode ter um custo altíssimo em relativamente pouco tempo (20 a 30 anos). Que pelo menos não haja dúvida sobre o que já aconteceu e onde realmente estamos.
Por fim está a economia. O presidente Lula continua insistindo na bobagem de que o Brasil foi o último pais a entrar em recessão e o primeiro a sair. Também diz que a recessão aqui foi uma coisinha de nada. Então tá. O que dizer de países que nem entraram em recessão, como China, e Índia? Não são comparáveis com o Brasil? E a Polônia, Indonésia ou Egito? Houve mais países que não tiveram recessão em 2009, ou que saíram antes, como a Austrália. Como estou consultando o quadro publicado pelo "The Economist", minha amostra é restrita, mas suficiente para contestar a lorota oficial.
Até mais ou menos Agosto de 2008 tanto o governo como o mercado estimavam taxas de crescimento ao redor dos 5% em 2009. O país deve ter fechado o ano ao redor de zero. É uma diferença de 5% entre a previsão pré-crise e a realidade. Tal e como nos países mais afetados pela quebradeira mundial. O presidente só tem razão quando diz que o Brasil estava melhor preparado que outros países para fazer frente aos problemas. Mas se isso é verdade, porque a redução de crescimento foi da mesma dimensão que nos países pior preparados? Porque o crescimento do Brasil no governo Lula se deve tanto à boa condução interna da economia quanto ao excepcional crescimento mundial de 2003 a 2008. Essa é a evidência mais palpável de que o país surfou na onda da prosperidade mundial. O mérito é só parcialmente nosso (ou do Lula).
No futuro não vai ser mais assim. Talvez demore décadass para o mundo voltar a ter tanta prosperidade. Mas mesmo sendo cedo demais para dizer que a crise acabou, porque pode haver um revertério a qualquer momento, tanto o mundo como o Brasil voltarão a crescer em 2010. Francamente duvido que o Brasil alcance 5% de crescimento do PIB. Gostaria de saber como o mercado faz suas contas para chegar a este número, que me parece demasiado otimista. O número do governo, como sempre, é político. Não é uma crítica, quase todos os governos fazem igual. Só não entendo qual a lógica de criar expectativas tão altas, quando um crescimento de 3% já seria um bom resultado. Tudo que vier acima disso é lucro. Seja como for, seria muito improvável o país voltar a parar este ano, e é bom para todo mundo que haja crescimento, apesar de ser parcialmente graças a gastança de curto prazo.
Não queria terminar o primeiro post do ano sem antes dar uma idéia ao presidente Lula: se ele não sabe o que fazer depois que deixar o Planalto, sugiro que se candidate à Academia Brasileira de Letras. Lá ele se sentiria em casa. Também tenho certeza que muita gente se congratularia com a sua eleição. Pense nisso, presidente!
A segunda razão pela qual 2010 promete é porque haverá eleições. Não só para presidente, mas para o Congresso Nacional, governos e assembléias estaduais. Os deputados e senadores eleitos têm tanta importância quanto o próprio Presidente da República. Não vou dizer que não dá para os eleitores escolherem piores representantes que os atuais, porque sempre dá. Mas apesar de desconfiar da racionalidade do voto em geral, também tenho esperanças de que haja uma renovação do Congresso. "Não reeleja nenhum parlamentar" parece-me um ótimo tema de campanha. Seria fantástico se a cada eleição houvesse maior definição ideológica e partidária. Não sonho com o impossível, mas não estaria mal se déssemos pelo menos um passo adiante.
Outra excelente razão para esperar muito de 2010 é porque é ano de censo. Basta-nos pedir que o censo seja bem feito. É extremamente importante, pois o Brasil está no ponto de virada demográfica e a foto feita este ano será a base para o planejamento e as políticas da próxima década. Sou dos que acham que se houver surpresas, o mais provável é que descubramos que a transição demográfica está ocorrendo muito mais rápido do que se costuma admitir. Isso mudaria muito o perfil do país nas próximas duas a três décadas. Continuar implementando políticas com dados e projeções erradas, como é o caso dos que são contra as reformas da previdência social, pode ter um custo altíssimo em relativamente pouco tempo (20 a 30 anos). Que pelo menos não haja dúvida sobre o que já aconteceu e onde realmente estamos.
Por fim está a economia. O presidente Lula continua insistindo na bobagem de que o Brasil foi o último pais a entrar em recessão e o primeiro a sair. Também diz que a recessão aqui foi uma coisinha de nada. Então tá. O que dizer de países que nem entraram em recessão, como China, e Índia? Não são comparáveis com o Brasil? E a Polônia, Indonésia ou Egito? Houve mais países que não tiveram recessão em 2009, ou que saíram antes, como a Austrália. Como estou consultando o quadro publicado pelo "The Economist", minha amostra é restrita, mas suficiente para contestar a lorota oficial.
Até mais ou menos Agosto de 2008 tanto o governo como o mercado estimavam taxas de crescimento ao redor dos 5% em 2009. O país deve ter fechado o ano ao redor de zero. É uma diferença de 5% entre a previsão pré-crise e a realidade. Tal e como nos países mais afetados pela quebradeira mundial. O presidente só tem razão quando diz que o Brasil estava melhor preparado que outros países para fazer frente aos problemas. Mas se isso é verdade, porque a redução de crescimento foi da mesma dimensão que nos países pior preparados? Porque o crescimento do Brasil no governo Lula se deve tanto à boa condução interna da economia quanto ao excepcional crescimento mundial de 2003 a 2008. Essa é a evidência mais palpável de que o país surfou na onda da prosperidade mundial. O mérito é só parcialmente nosso (ou do Lula).
No futuro não vai ser mais assim. Talvez demore décadass para o mundo voltar a ter tanta prosperidade. Mas mesmo sendo cedo demais para dizer que a crise acabou, porque pode haver um revertério a qualquer momento, tanto o mundo como o Brasil voltarão a crescer em 2010. Francamente duvido que o Brasil alcance 5% de crescimento do PIB. Gostaria de saber como o mercado faz suas contas para chegar a este número, que me parece demasiado otimista. O número do governo, como sempre, é político. Não é uma crítica, quase todos os governos fazem igual. Só não entendo qual a lógica de criar expectativas tão altas, quando um crescimento de 3% já seria um bom resultado. Tudo que vier acima disso é lucro. Seja como for, seria muito improvável o país voltar a parar este ano, e é bom para todo mundo que haja crescimento, apesar de ser parcialmente graças a gastança de curto prazo.
Não queria terminar o primeiro post do ano sem antes dar uma idéia ao presidente Lula: se ele não sabe o que fazer depois que deixar o Planalto, sugiro que se candidate à Academia Brasileira de Letras. Lá ele se sentiria em casa. Também tenho certeza que muita gente se congratularia com a sua eleição. Pense nisso, presidente!
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