Nesta semana o IBGE divulgou sua nova projeção para a população brasileira até o ano 2050. Na conta anterior, atualizada em 2004, eles estimavam que o país teria 260 milhões de habitantes em 2050. Agora concluem que seremos 215 milhões, ou seja, admitem que erraram em 45 milhões! É um erro escandaloso, principalmente porque era evidente. Neste mesmo blog, no dia 24 de Abril, escrevi um artigo em que dizia que não acreditava na projeção do IBGE e que esperava algo como a população chegando a um pico entre 215 e 225 milhões. Os dados divulgados esta semana estimam um pico de 220 milhões.
Claro que é um prazer ter escrito que a projeção do IBGE estava furada e oito meses depois ver que o próprio instituto revê seus dados. Também me alegro de ter acertado na identificação de onde estava o erro: eles trabalhavam com uma taxa de fertilidade demasiadamente alta, muito acima da realidade. É uma evidência de que o que escrevo aqui não é puro achismo, palpite, mas que pesquiso e me informo antes de escrever. E tenho critério e senso crítico ao buscar informação, a ponto de duvidar do que diz a fonte mais respeitada do país.
Há pouco mais de um mês, quando foram divulgados os dados da última PNAD, era possível perceber que a projeção de 2050 era irrealista. A fertilidade da mulher brasileira já tinha caído para níveis que antes o IBGE estimava só seriam atingidos dentro de vinte anos. Não dava mais para tapar o sol com a peneira. O novo choque de realidade ocorrerá quando fizermos o censo 2010. A PNAD, apesar de ser muito bem feita, não deixa de ser uma estimativa. O mais provável é que a previsão de população esteja exagerada e que o censo encontre dois ou três milhões de pessoas a menos do que se acredita haver no país. Será o momento idôneo para os demógrafos fazerem uma nova projeção e corrigir os erros ainda remanescentes.
Não chega a ser uma surpresa que o IBGE tenha errado por tanto. Talvez o mais surpreendente é que tenha corrigido o erro. Existe uma tradição na esquerda política, principalmente na mais bronca, de exagerar dados demográficos. Exagerando o tamanho da população, automaticamente ficam infladas as necessidades sociais do país. Daí a pedir mais recursos para essas áreas é um passo. Outra razão para a esquerda gostar de ser catastrofista é porque, exagerando os problemas, eles deixam de ter soluções dentro do sistema. Fica mais fácil pregar mudanças radicais, inclusive o socialismo, se os problemas sociais forem candentes. Se tiverem solução dentro do desenvolvimento do capitalismo, o argumento socialista perde força.
Não posso imaginar até que ponto foi mera coincidência, mas para o Governo Lula foi bastante providencial que a projeção exagerada de crescimento demográfico coincidisse com o início do primeiro mandato. Com esses dados oficiais era muito mais fácil fazer análises, relatórios e planos de governo justificando as teses da esquerda. O primeiro que me ocorre é o debate sobre o déficit da previdência social. Os números anteriores afirmavam que haveria menos população idosa e muito mais jovens. Para a Previdência, isso significava que durante muito tempo seria possível manter o déficit do sistema sob controle. Bastava aumentar a formalidade do mercado de trabalho. Com a nova projeção demográfica todas as contas têm que ser refeitas, porque a população de idosos vai crescer significativamente e haverá menos jovens para manter esses idosos. Vai ficar muito mais difícil continuar se opondo a reformas drásticas na Previdência. Ainda mais que nos próximos dois anos é de se esperar uma criação muito menor de novos postos formais de trabalho, o que pode ter como conseqüência um novo aumento no déficit do sistema previdenciário.
Os novos dados do IBGE deveriam ter causado um grande rebuliço entre intelectuais e formadores de opinião. Era de se esperar um grande debate, com partidos políticos se posicionando a respeito. Os novos números mudam completamente a foto do Brasil no meio do século. Se nós tivéssemos uma estratégia de país, a mesma teria que ser completamente revista. É espantoso que não tenha havido esse grande debate. É espantoso que não tenha havido debate. Parece que ninguém se importa. É surpreendente. Pior que isso, é incompreensível!
quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
ASAMG - Capitalidade
Há duas semanas estive no Rio de Janeiro. É uma das minhas cidades preferidas, considerada por muita gente como uma das quatro mais bonitas do mundo. Faz muito tempo que sofro com a decadência a olhos nus da cidade. Desta vez ao menos a impressão foi positiva: a prosperidade brasileira também se deixa notar no Rio de Janeiro. Também leio que depois de uma seqüência de péssimos governadores, nomeadamente o Brizola, finalmente o estado do Rio tem um bom governador. Desejo a ele e ao novo prefeito, que não era o candidato da minha preferência, muito êxito na administração do maior patrimônio que este país tem.
Mudar a capital do Rio para Brasília foi a pior decisão do Brasil independente. Nem por isso Juscelino foi o pior presidente, em outros aspectos pôde atenuar a mega-besteira que fez e que até hoje nos custa tão caro. Como muitas capitais, o Rio vivia do dinheiro público, do funcionalismo, de ser sede do poder. Com a construção de Brasília, começou a afundar econômica e socialmente. A enorme população pobre e favelada, o tráfico de drogas e a criminalidade são apenas evidências dessa decadência sem fim. Até hoje o Rio ainda não encontrou uma segunda vocação que pudesse resultar no seu revigoramento. Turismo, cultura e jogos olímpicos poderiam ser alternativas viáveis, mas suspeito que o Rio só voltará a ser uma grande cidade quando todos os brasileiros chegarem à conclusão que o Rio é de todos, é a marca mais conhecida do Brasil no exterior, e o que acontece lá interessa a todos.
Brasília, por outro lado, é uma grande desgraça. Em quase cinqüenta anos não se tornou sequer a capital do país, é apenas a sede do governo. É o locus da burocracia. É a cidade artificial que vive do dinheiro público e longe dos brasileiros que realmente constroem a riqueza do país. Rio ou São Paulo são muito mais capitais, em termos de relevância. Se Brasília desaparecesse, o Brasil provavelmente melhoraria. Se São Paulo ou o Rio desaparecessem, o Brasil deixaria de ser o que é.
Há uma geração de brasileiros que viveu o sonho do desenvolvimentismo e que vê na nova capital o símbolo do grande país que o Brasil poderia ser. Na falta de outros argumentos, costumam defender Juscelino com a tese de que a contrução da nova capital levou ao povoamento e desenvolvimento do interior do país. Essa idéia é no mínimo discutível. Ainda que fosse verdade, o preço me parece demasiadamente alto: jogou o país numa espiral inflacionária que durou trinta anos; ao estar longe do Brasil real, permitiu que a ditadura militar durasse ainda mais; afastou os políticos do público – que deputado se atreveria ir à praia no Rio um fim de semana depois de ter feito uma maracutaia? Criou um sistema de mordomias indecentes e que há muito deveria ter acabado. Nunca saberemos se o desenvolvimento do interior teria acontecido mesmo sem Brasília, mas vendo o que aconteceu em outros países, dá para pensar que sim. Então porque contrui-la?
Uma vez me disseram que em Brasília não pode haver indústrias. Fiquei indiganado. Disseram-me que é para não poluir a cidade. Fiquei ainda mais indignado. A idéia que se faz no Brasil a respeito da indústria é a dos séculos XVIII e XIX: indústria polui. Já não é assim, ou não tem porque ser assim. Existem muitas indústrias que não poluem, como a da informática. Outras, que costumam fazer parte da demonologia ecológica, como a química, pode não poluir nada. Existem milhares de exemplos em todo o mundo. O pior, no entanto, é que a atividade industrial é o verdadeiro motor de uma economia. Ao não se permitir indústrias em Brasília, a cidade fica inteiramente dependente do governo para poder funcionar. Quem diz governo diz impostos. Somos nós, você e eu, contribuintes, que sustentamos aquela cidade e toda sua artificialidade.
Infelizmente não dá para a cabar com Brasília, mas muitas coisas poderiam ser feitas se um dia houvesse realmente uma reforma política no país. A primeira delas seria acabar com a figura jurídica do Distrito Federal. Brasília poderia ser uma cidade a mais do estado de Goiás e ter um prefeito. Muitas capitais importantes do mundo funcionam assim. Seria muito mais barato e acabaria com a distorção de ter representação própria no Congresso Nacional. Também poderia ser criada a bi-capitalidade, ou seja, mandar de volta o Congresso Nacional para o Rio de Janeiro. O escrutínio direto do carioca representaria um choque de realidade para nossos deputados e senadores e só poderia fazer bem à nossa democracia. Com os recursos das telecomunicações, não há nenhuma necessidade da próximidade física do legislativo e executivo. Por fim, seria preciso criar condições para que a cidade desenvolvesse uma economia própria e deixasse de ser dependente das mordomias e do dinheiro dos nossos impostos.
A bi-capitalidade, o fim do Distrito Federal e o desenvolvimento de conomia própria ajudariam Brasília, o Rio de Janeiro e, principalmente, o Brasil. Nós todos agradeceríamos!
Mudar a capital do Rio para Brasília foi a pior decisão do Brasil independente. Nem por isso Juscelino foi o pior presidente, em outros aspectos pôde atenuar a mega-besteira que fez e que até hoje nos custa tão caro. Como muitas capitais, o Rio vivia do dinheiro público, do funcionalismo, de ser sede do poder. Com a construção de Brasília, começou a afundar econômica e socialmente. A enorme população pobre e favelada, o tráfico de drogas e a criminalidade são apenas evidências dessa decadência sem fim. Até hoje o Rio ainda não encontrou uma segunda vocação que pudesse resultar no seu revigoramento. Turismo, cultura e jogos olímpicos poderiam ser alternativas viáveis, mas suspeito que o Rio só voltará a ser uma grande cidade quando todos os brasileiros chegarem à conclusão que o Rio é de todos, é a marca mais conhecida do Brasil no exterior, e o que acontece lá interessa a todos.
Brasília, por outro lado, é uma grande desgraça. Em quase cinqüenta anos não se tornou sequer a capital do país, é apenas a sede do governo. É o locus da burocracia. É a cidade artificial que vive do dinheiro público e longe dos brasileiros que realmente constroem a riqueza do país. Rio ou São Paulo são muito mais capitais, em termos de relevância. Se Brasília desaparecesse, o Brasil provavelmente melhoraria. Se São Paulo ou o Rio desaparecessem, o Brasil deixaria de ser o que é.
Há uma geração de brasileiros que viveu o sonho do desenvolvimentismo e que vê na nova capital o símbolo do grande país que o Brasil poderia ser. Na falta de outros argumentos, costumam defender Juscelino com a tese de que a contrução da nova capital levou ao povoamento e desenvolvimento do interior do país. Essa idéia é no mínimo discutível. Ainda que fosse verdade, o preço me parece demasiadamente alto: jogou o país numa espiral inflacionária que durou trinta anos; ao estar longe do Brasil real, permitiu que a ditadura militar durasse ainda mais; afastou os políticos do público – que deputado se atreveria ir à praia no Rio um fim de semana depois de ter feito uma maracutaia? Criou um sistema de mordomias indecentes e que há muito deveria ter acabado. Nunca saberemos se o desenvolvimento do interior teria acontecido mesmo sem Brasília, mas vendo o que aconteceu em outros países, dá para pensar que sim. Então porque contrui-la?
Uma vez me disseram que em Brasília não pode haver indústrias. Fiquei indiganado. Disseram-me que é para não poluir a cidade. Fiquei ainda mais indignado. A idéia que se faz no Brasil a respeito da indústria é a dos séculos XVIII e XIX: indústria polui. Já não é assim, ou não tem porque ser assim. Existem muitas indústrias que não poluem, como a da informática. Outras, que costumam fazer parte da demonologia ecológica, como a química, pode não poluir nada. Existem milhares de exemplos em todo o mundo. O pior, no entanto, é que a atividade industrial é o verdadeiro motor de uma economia. Ao não se permitir indústrias em Brasília, a cidade fica inteiramente dependente do governo para poder funcionar. Quem diz governo diz impostos. Somos nós, você e eu, contribuintes, que sustentamos aquela cidade e toda sua artificialidade.
Infelizmente não dá para a cabar com Brasília, mas muitas coisas poderiam ser feitas se um dia houvesse realmente uma reforma política no país. A primeira delas seria acabar com a figura jurídica do Distrito Federal. Brasília poderia ser uma cidade a mais do estado de Goiás e ter um prefeito. Muitas capitais importantes do mundo funcionam assim. Seria muito mais barato e acabaria com a distorção de ter representação própria no Congresso Nacional. Também poderia ser criada a bi-capitalidade, ou seja, mandar de volta o Congresso Nacional para o Rio de Janeiro. O escrutínio direto do carioca representaria um choque de realidade para nossos deputados e senadores e só poderia fazer bem à nossa democracia. Com os recursos das telecomunicações, não há nenhuma necessidade da próximidade física do legislativo e executivo. Por fim, seria preciso criar condições para que a cidade desenvolvesse uma economia própria e deixasse de ser dependente das mordomias e do dinheiro dos nossos impostos.
A bi-capitalidade, o fim do Distrito Federal e o desenvolvimento de conomia própria ajudariam Brasília, o Rio de Janeiro e, principalmente, o Brasil. Nós todos agradeceríamos!
quinta-feira, 6 de novembro de 2008
ASAMG - Feliz ano novo?
Nos últimos dias parece que o pânico tem diminuído no mercado financeiro. Os mais otimistas começam a ver a luz no fim do túnel: estaríamos caminhando para uma situação de menor volatilidade no preço de ativos financeiros e a débâcle das bolsas ao redor do mundo poderia ter tocado fundo - bom, não é que as bolsas chegaram ao fundo do poço, elas foram até abaixo do fundo do poço. Por fim, os pacotes trilhonários de ajuda ao sistema financeiro internacional estariam começando a irrigar efetivamente os vasos capilares da economia mundial, depois de semanas de secura extrema, e este fator também estaria contribuindo para fazer a economia voltar a funcionar com relativa normalidade. Seria o fim da crise? Não, é só o fim do começo!
Quando o pior tiver passado no mercado financeiro, o que talvez possa ser uma realidade nas próximas semanas, ainda assim haverá toda a acomodação na economia real por ser feita. A crise financeira fez estourar mais de uma bolha e destruiu trilhões de dólares em valor de ativos reais. Isso significa que o ajuste vai ser no sentido de menor atividade econômica pelo mundo afora. A recessão no primeiro mundo é inevitável, sendo que alguns países já se encontram nela segundo a definição clássica de dois trimestres consecutivos de queda do PIB. Neste trimestre outros países entrarão na mesma situação. É muito provável que os Estados Unidos estejam entre eles. É de se esperar uma enorme desaceleração no crescimento mundial. O que ainda não está nada claro é se a recessão nos países mais ricos será profunda e rápida ou leve e duradoura. A segunda opção seria a pior.
Aqui no Brasil cada vez é mais palpável a sensação de que o sonho acabou. Não que o país vá entrar em recessão. Provavelmente não vai, mas o crescimento do PIB tem tudo para ser raquítico nos próximos dois anos. Como em 2010 há eleições gerais, o Governo será tentado a fazer de tudo para que o crescimento não desacelere tanto. É onde mora o perigo.
A primeira grande ameaça à economia brasileira vem das nossas relações com o resto do mundo. Boa parte do nosso crescimento nos últimos anos deveu-se à exportação de commodities, minerais e agrícolas, cujos preços quase triplicaram entre janeiro de 2003 e julho deste ano. Desde então essas matérias primas não pararam de cair. É muito provável que no ano que vem seu preço médio em dólares esteja entre vinte e trinta por cento mais baixo que a média deste ano. Se for verdade, nossas exportações cairiam entre vinte e trinta bilhões de dólares, o suficiente para zerar o superávit na balança comercial e empurrá-la para o déficit. Com a recessão no resto do mundo, é provável que em quantidade também exportemos menos, o que anularia o efeito positivo de qualquer redução nas importações.
Se o superávit na balança comercial tem tudo para transformar-se em déficit em 2009, a situação do balanço de pagamentos não é melhor. Com menos investimento estrangeiro entrando no país e mais dinheiro sendo mandado para o exterior, nossas contas externas tampouco sairão bem na foto. Isso significa que continuará havendo uma enorme pressão sobre o Real. Continuo opinando que entre a Páscoa e meados do ano que vem o câmbio possa chegar aos 2,40 que alguns analistas consideram como valor histórico de equilíbrio. Está longe de haver unanimidade sobre este assunto e ainda há gente projetando uma taxa de câmbio para o final do ano ao redor de 1,95 a 2,00 Reais. Poderia até ser, mas a que custo? A médio e longo prazo no entanto a batalha por manter o câmbio artificialmente valorizado me parece perdida.
A valorização do Real durante o governo Lula foi uma mão na roda para ajudar a manter a inflação baixa. Desde que o Real começou a se desvalorizar, há dois meses, ocorre justamente o contrário. Quanto mais rápido o Real se desvalorizar, maior a pressão a curto prazo sobre a inflação. Para combater a inflação, só há dois remédios que funcionam: política fiscal ou política monetária.
No momento está extremamente difícil fazer política monetária no mundo capitalista. Primeiro porque o mercado financeiro ainda não voltou ao normal e a falta de liquidez ainda impera. Em segundo lugar, há um clamor mundial para que os Bancos Centrais diminuam as taxas básicas de juros. O BC no Brasil tem o mesmo problema. Parece-me muito difícil que o BC possa subir taxas até o nível que seria necessário para debelar o aumento da inflação. Se o fizesse, o impacto no crescimento da economia seria imediato.
Do lado da política fiscal tampouco a perspectiva é promissora. A arrecadação fiscal no ano que vem pode se ver muito afetada pelo que já está acontecendo neste ano. É provável que o imposto de renda de pessoa jurídica tenha uma queda expressiva, devido à mais que provável diminuição dos lucros das empresas. Também é provável que o emprego formal deixe de crescer e volte a subir o déficit da Previdência no ano que vem. Há um coro de governadores e ministros, liderados pelo Presidente, dizendo que não se pode cortar os investimentos previstos para os próximos anos. Nesse panorama, a única forma de combater o crescimento da inflação seria com um corte profundo nas despesas correntes do Governo. O PT vai fazer isso? Mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha!
A conclusão é que no ano que vem não haverá milagre. Com o panorama internacional, é impossível fazer tudo ao mesmo tempo: manter o crescimento econômico acima de 3%, conter a desvalorização do real, manter os investimentos previstos, manter o superávit primário, manter a inflação dentro da meta e não subir os juros. Dependendo de que grupos de pressão e que forças políticas prevaleçam, uma ou várias das metas acima irão para o espaço.
Como pudemos chegar a esta situação? A maior responsabilidade é do Governo Lula, que não promoveu nenhuma das grandes reformas econômicas que o país necessita desesperadamente. Se o déficit estrutural da Previdência estivesse resolvido, ou se empresas estatais tivessem sido privatizadas no melhor momento da bonança internacional, ou se a reforma tributária estivesse feita e vigente ou se os gastos correntes do Governo não tivessem crescido muito acima da inflação ano trás ano, nós agora estaríamos muito melhor preparados para o que vem pela frente. Essa lição de casa não foi feita. Começaremos a pagar caro pelos (até agora) seis anos de imobilismo do governo do PT.
Provavelmente a única reforma que o atual Governo ainda poderia fazer durante os dois anos que lhe restam de mandato seria a reforma fiscal. Não tê-la feito até agora não é só irresponsabilidade, é também burrice. Não fazê-la agora é deixar passar uma grande oportunidade. O que é mais triste é ver que algo que é tão importante para o país seja torpedeado de tudo quanto é lado. Até os governadores do Sudeste, dois dos quais do PSDB, se manifestaram recentemente contra a reforma fiscal. Se não houver clamor social, ela não acontecerá. Alguém está ouvindo alguma coisa?
Quando o pior tiver passado no mercado financeiro, o que talvez possa ser uma realidade nas próximas semanas, ainda assim haverá toda a acomodação na economia real por ser feita. A crise financeira fez estourar mais de uma bolha e destruiu trilhões de dólares em valor de ativos reais. Isso significa que o ajuste vai ser no sentido de menor atividade econômica pelo mundo afora. A recessão no primeiro mundo é inevitável, sendo que alguns países já se encontram nela segundo a definição clássica de dois trimestres consecutivos de queda do PIB. Neste trimestre outros países entrarão na mesma situação. É muito provável que os Estados Unidos estejam entre eles. É de se esperar uma enorme desaceleração no crescimento mundial. O que ainda não está nada claro é se a recessão nos países mais ricos será profunda e rápida ou leve e duradoura. A segunda opção seria a pior.
Aqui no Brasil cada vez é mais palpável a sensação de que o sonho acabou. Não que o país vá entrar em recessão. Provavelmente não vai, mas o crescimento do PIB tem tudo para ser raquítico nos próximos dois anos. Como em 2010 há eleições gerais, o Governo será tentado a fazer de tudo para que o crescimento não desacelere tanto. É onde mora o perigo.
A primeira grande ameaça à economia brasileira vem das nossas relações com o resto do mundo. Boa parte do nosso crescimento nos últimos anos deveu-se à exportação de commodities, minerais e agrícolas, cujos preços quase triplicaram entre janeiro de 2003 e julho deste ano. Desde então essas matérias primas não pararam de cair. É muito provável que no ano que vem seu preço médio em dólares esteja entre vinte e trinta por cento mais baixo que a média deste ano. Se for verdade, nossas exportações cairiam entre vinte e trinta bilhões de dólares, o suficiente para zerar o superávit na balança comercial e empurrá-la para o déficit. Com a recessão no resto do mundo, é provável que em quantidade também exportemos menos, o que anularia o efeito positivo de qualquer redução nas importações.
Se o superávit na balança comercial tem tudo para transformar-se em déficit em 2009, a situação do balanço de pagamentos não é melhor. Com menos investimento estrangeiro entrando no país e mais dinheiro sendo mandado para o exterior, nossas contas externas tampouco sairão bem na foto. Isso significa que continuará havendo uma enorme pressão sobre o Real. Continuo opinando que entre a Páscoa e meados do ano que vem o câmbio possa chegar aos 2,40 que alguns analistas consideram como valor histórico de equilíbrio. Está longe de haver unanimidade sobre este assunto e ainda há gente projetando uma taxa de câmbio para o final do ano ao redor de 1,95 a 2,00 Reais. Poderia até ser, mas a que custo? A médio e longo prazo no entanto a batalha por manter o câmbio artificialmente valorizado me parece perdida.
A valorização do Real durante o governo Lula foi uma mão na roda para ajudar a manter a inflação baixa. Desde que o Real começou a se desvalorizar, há dois meses, ocorre justamente o contrário. Quanto mais rápido o Real se desvalorizar, maior a pressão a curto prazo sobre a inflação. Para combater a inflação, só há dois remédios que funcionam: política fiscal ou política monetária.
No momento está extremamente difícil fazer política monetária no mundo capitalista. Primeiro porque o mercado financeiro ainda não voltou ao normal e a falta de liquidez ainda impera. Em segundo lugar, há um clamor mundial para que os Bancos Centrais diminuam as taxas básicas de juros. O BC no Brasil tem o mesmo problema. Parece-me muito difícil que o BC possa subir taxas até o nível que seria necessário para debelar o aumento da inflação. Se o fizesse, o impacto no crescimento da economia seria imediato.
Do lado da política fiscal tampouco a perspectiva é promissora. A arrecadação fiscal no ano que vem pode se ver muito afetada pelo que já está acontecendo neste ano. É provável que o imposto de renda de pessoa jurídica tenha uma queda expressiva, devido à mais que provável diminuição dos lucros das empresas. Também é provável que o emprego formal deixe de crescer e volte a subir o déficit da Previdência no ano que vem. Há um coro de governadores e ministros, liderados pelo Presidente, dizendo que não se pode cortar os investimentos previstos para os próximos anos. Nesse panorama, a única forma de combater o crescimento da inflação seria com um corte profundo nas despesas correntes do Governo. O PT vai fazer isso? Mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha!
A conclusão é que no ano que vem não haverá milagre. Com o panorama internacional, é impossível fazer tudo ao mesmo tempo: manter o crescimento econômico acima de 3%, conter a desvalorização do real, manter os investimentos previstos, manter o superávit primário, manter a inflação dentro da meta e não subir os juros. Dependendo de que grupos de pressão e que forças políticas prevaleçam, uma ou várias das metas acima irão para o espaço.
Como pudemos chegar a esta situação? A maior responsabilidade é do Governo Lula, que não promoveu nenhuma das grandes reformas econômicas que o país necessita desesperadamente. Se o déficit estrutural da Previdência estivesse resolvido, ou se empresas estatais tivessem sido privatizadas no melhor momento da bonança internacional, ou se a reforma tributária estivesse feita e vigente ou se os gastos correntes do Governo não tivessem crescido muito acima da inflação ano trás ano, nós agora estaríamos muito melhor preparados para o que vem pela frente. Essa lição de casa não foi feita. Começaremos a pagar caro pelos (até agora) seis anos de imobilismo do governo do PT.
Provavelmente a única reforma que o atual Governo ainda poderia fazer durante os dois anos que lhe restam de mandato seria a reforma fiscal. Não tê-la feito até agora não é só irresponsabilidade, é também burrice. Não fazê-la agora é deixar passar uma grande oportunidade. O que é mais triste é ver que algo que é tão importante para o país seja torpedeado de tudo quanto é lado. Até os governadores do Sudeste, dois dos quais do PSDB, se manifestaram recentemente contra a reforma fiscal. Se não houver clamor social, ela não acontecerá. Alguém está ouvindo alguma coisa?
terça-feira, 28 de outubro de 2008
ASAMG - Qual foi a Mensagem?
Com o segundo turno das eleições municipais ontem, já sabemos quem serão os prefeitos das cidades brasileiras pelos próximos quatro anos. Também podemos verificar se as teses defendidas antes das eleições se mostraram verdadeiras ou não. E a pergunta que deveríamos fazer é: que mensagem os eleitores passaram para os políticos?
A primeira tese furada foi a de que o Presidente da República elegeria até poste; que a sua popularidade é tão alta que o seu apoio seria decisivo para o sucesso ou fracasso de uma candidatura. Crasso erro! A popularidade do Presidente não ajudou a eleger ninguém, é dele e instransferível. Muitos candidatos apoiados por Lula perderam. O caso mais notório foi o de Marta Suplicy, que em São Paulo perdeu de lavada. Para mim a explicação é muito simples: Lula é muito melhor do que o PT. Muito mais inteligente também. Enquanto o PT pertence à esquerda Carolina, que não viu o tempo passar na janela e continua com a cabeça nos anos cinquenta e sessenta do século passado, o Presidente é um homem antenado com o mundo. Isso deveria levar o PT a refletir em como será muito difícil encontrar um bom candidato para a sua sucessão. A ministra Dilma me parece um furo n'água. O PT sem Lula candidato vai ter que se reinventar.
A segunda tese, quase um corolário da primeira, era a de que haveria uma maré vermelha, o PT aumentaria o número de prefeitos entre 70 e 100%. Bueno, a realidade foi bem diferente. Em votos no primeiro turno, o partido recebeu praticamente os mesmos 16,3 milhões de 2004, com a diferença de que em 2004 foi o partido mais votado e em 2008 foi o segundo: o PMDB teve 18,4 milhões. O aumento no número de prefeituras foi de pouco mais de 150, 40% de incremento. Não dá para chamar de maré vermelha. O grande vencedor destas eleições foi o PMDB, principalmente depois de ganhar no segundo turno em várias capitais importantes - até em São Paulo eles elegeram a vice-prefeita. É curioso e triste que ganhe o fisiologismo, pois o PMDB é um partido sem cara, sem um programa que o diferencie dos demais. Mas foi o que aconteceu.
Se eu tivesse que me arriscar a dois palpites para os próximos dez a vinte anos, apostaria em duas tendências: quanto mais o país crescer e se desenvolver, menos espaço haverá para a esquerda Carolina. São Paulo, cidade e estado, são o exemplo mais claro. Em consequência será mais flagrante a necessidade de um grande partido de direita, democrática e civilizada. Difícil prever qual partido acabará se posicionando nesse espaço ideológico que hoje está praticamente desocupado. Não vejo melhor candidato que o PMDB, principalmente depois que a natureza se encarregar de expurgar os fisiológicos que aderiram a ele nos últimos vinte anos. Se os partidos não tomarem a iniciativa, os eleitores se encarregarão de colocá-los no seu devido lugar - ou no lugar onde os vêm.
A segunda tendência é a da renovação política, com a superação tanto da ditadura militar quanto da transição. Em muitos lugares políticos jovens e novos ganharam de sessentões - por exemplo em São Paulo e Rio. Dizer que boa parte da patota que lutou contra a ditadura militar em dez anos estará aposentada ou morta pode parecer uma banalidade, dado que ninguém dura para sempre. O que não é banal é o que essa mudança generacional pode significar para o país.
Das cinco eleições desde a restauração da democracia, só na primeira houve um embate real entre direita e esquerda: o segundo turno entre Collor e Lula em 1989. As quatro seguintes foram disputas principalmente entre o PSDB e o PT. O PFL/DEM apoiou os tucanos e é oposição ao PT. O PMDB aderiu formal ou informalmente ao vencedor, tanto PSDB como PT. Isso não deixa de ser uma anomalia, pois PT e PSDB disputam o mesmo lugar no arco político: centro esquerda. O PMDB se transformou no partido fisiológico por excelência, uma espécie de Geni da política brasileira. ¡Si hay gobierno, soy a favor!
Se o PSDB destacasse mais em seu programa políticas sociais redistributivas e alguns temas progressistas, como aborto ou legislação familiar, para dar dois exemplos, poderia se tornar o maior partido de centro-esquerda, empurrando o PT para a esquerda. Não precisa nem deve abandonar a defesa do capitalismo, do mercado, das privatizações, da maior inserção do Brasil na economia mundial, nenhuma dessas teses que a esquerda Carolina chama de neo-liberal.
Por seu lado, o PT sofreu nos últimos anos deserções à esquerda, seja pelos escândalos de corrupção, seja porque no governo conduziu a política econômica com responsabilidade, o que para os seus militantes mais broncos é o mesmo que ter adotado políticas neo-liberais. Se o PT mantivesse suas causas sociais mas adotasse uma visão de mundo e da economia compatíveis com o século XXI, sacudindo fora as bobagens cepalinas e terceiro-mundistas que ainda são tão populares na América Latina, poderia se transformar em algo comparável aos partidos socialistas mais modernos do mundo, como os europeus, sem medo de fazer o capitalismo funcionar o melhor possível. Neste caso, seria o PT que empurraria o PSDB para a direita.
Enquanto o PSDB e o PT disputarem o segundo turno de eleições presidenciais, essa melhor definição partidária será impossível. O partido ganhador sempre tem no perdedor um grande inimigo. Portanto se torna indispensável fazer alianças pouco coerentes ideologicamente. Tendo em vista o quanto o PMDB saiu fortalecido em 2008, o melhor para o país seria se eles lançassem candidato próprio à presidência. Melhor ainda se fosse um candidato forte que chegasse ao segundo turno, para disputar com PT ou PSDB. O Brasil precisa de um partido de direita grande, forte, democrático e moderno. Melhor ainda se não tiver as mãos sujas com a ditadura militar. Será que em 2010 o eleitor começará a por ordem na casa?
Por fim uma reflexão para os tucanos: é vox populi que o Governador José Serra saiu fortalecido como candidato do partido para as eleições presidenciais de 2010. Tem até boas chances de ganhar. Mas ao mesmo tempo ele nem é jovem, nem é novidade, nem se desvencilhou tanto do seu passado cepalino. Ele quase se encaixa à perfeição ao perfil de candidato que os eleitores estão aposentando. O PSDB faria bem em ter preparado um plano B. Just in case...
A primeira tese furada foi a de que o Presidente da República elegeria até poste; que a sua popularidade é tão alta que o seu apoio seria decisivo para o sucesso ou fracasso de uma candidatura. Crasso erro! A popularidade do Presidente não ajudou a eleger ninguém, é dele e instransferível. Muitos candidatos apoiados por Lula perderam. O caso mais notório foi o de Marta Suplicy, que em São Paulo perdeu de lavada. Para mim a explicação é muito simples: Lula é muito melhor do que o PT. Muito mais inteligente também. Enquanto o PT pertence à esquerda Carolina, que não viu o tempo passar na janela e continua com a cabeça nos anos cinquenta e sessenta do século passado, o Presidente é um homem antenado com o mundo. Isso deveria levar o PT a refletir em como será muito difícil encontrar um bom candidato para a sua sucessão. A ministra Dilma me parece um furo n'água. O PT sem Lula candidato vai ter que se reinventar.
A segunda tese, quase um corolário da primeira, era a de que haveria uma maré vermelha, o PT aumentaria o número de prefeitos entre 70 e 100%. Bueno, a realidade foi bem diferente. Em votos no primeiro turno, o partido recebeu praticamente os mesmos 16,3 milhões de 2004, com a diferença de que em 2004 foi o partido mais votado e em 2008 foi o segundo: o PMDB teve 18,4 milhões. O aumento no número de prefeituras foi de pouco mais de 150, 40% de incremento. Não dá para chamar de maré vermelha. O grande vencedor destas eleições foi o PMDB, principalmente depois de ganhar no segundo turno em várias capitais importantes - até em São Paulo eles elegeram a vice-prefeita. É curioso e triste que ganhe o fisiologismo, pois o PMDB é um partido sem cara, sem um programa que o diferencie dos demais. Mas foi o que aconteceu.
Se eu tivesse que me arriscar a dois palpites para os próximos dez a vinte anos, apostaria em duas tendências: quanto mais o país crescer e se desenvolver, menos espaço haverá para a esquerda Carolina. São Paulo, cidade e estado, são o exemplo mais claro. Em consequência será mais flagrante a necessidade de um grande partido de direita, democrática e civilizada. Difícil prever qual partido acabará se posicionando nesse espaço ideológico que hoje está praticamente desocupado. Não vejo melhor candidato que o PMDB, principalmente depois que a natureza se encarregar de expurgar os fisiológicos que aderiram a ele nos últimos vinte anos. Se os partidos não tomarem a iniciativa, os eleitores se encarregarão de colocá-los no seu devido lugar - ou no lugar onde os vêm.
A segunda tendência é a da renovação política, com a superação tanto da ditadura militar quanto da transição. Em muitos lugares políticos jovens e novos ganharam de sessentões - por exemplo em São Paulo e Rio. Dizer que boa parte da patota que lutou contra a ditadura militar em dez anos estará aposentada ou morta pode parecer uma banalidade, dado que ninguém dura para sempre. O que não é banal é o que essa mudança generacional pode significar para o país.
Das cinco eleições desde a restauração da democracia, só na primeira houve um embate real entre direita e esquerda: o segundo turno entre Collor e Lula em 1989. As quatro seguintes foram disputas principalmente entre o PSDB e o PT. O PFL/DEM apoiou os tucanos e é oposição ao PT. O PMDB aderiu formal ou informalmente ao vencedor, tanto PSDB como PT. Isso não deixa de ser uma anomalia, pois PT e PSDB disputam o mesmo lugar no arco político: centro esquerda. O PMDB se transformou no partido fisiológico por excelência, uma espécie de Geni da política brasileira. ¡Si hay gobierno, soy a favor!
Se o PSDB destacasse mais em seu programa políticas sociais redistributivas e alguns temas progressistas, como aborto ou legislação familiar, para dar dois exemplos, poderia se tornar o maior partido de centro-esquerda, empurrando o PT para a esquerda. Não precisa nem deve abandonar a defesa do capitalismo, do mercado, das privatizações, da maior inserção do Brasil na economia mundial, nenhuma dessas teses que a esquerda Carolina chama de neo-liberal.
Por seu lado, o PT sofreu nos últimos anos deserções à esquerda, seja pelos escândalos de corrupção, seja porque no governo conduziu a política econômica com responsabilidade, o que para os seus militantes mais broncos é o mesmo que ter adotado políticas neo-liberais. Se o PT mantivesse suas causas sociais mas adotasse uma visão de mundo e da economia compatíveis com o século XXI, sacudindo fora as bobagens cepalinas e terceiro-mundistas que ainda são tão populares na América Latina, poderia se transformar em algo comparável aos partidos socialistas mais modernos do mundo, como os europeus, sem medo de fazer o capitalismo funcionar o melhor possível. Neste caso, seria o PT que empurraria o PSDB para a direita.
Enquanto o PSDB e o PT disputarem o segundo turno de eleições presidenciais, essa melhor definição partidária será impossível. O partido ganhador sempre tem no perdedor um grande inimigo. Portanto se torna indispensável fazer alianças pouco coerentes ideologicamente. Tendo em vista o quanto o PMDB saiu fortalecido em 2008, o melhor para o país seria se eles lançassem candidato próprio à presidência. Melhor ainda se fosse um candidato forte que chegasse ao segundo turno, para disputar com PT ou PSDB. O Brasil precisa de um partido de direita grande, forte, democrático e moderno. Melhor ainda se não tiver as mãos sujas com a ditadura militar. Será que em 2010 o eleitor começará a por ordem na casa?
Por fim uma reflexão para os tucanos: é vox populi que o Governador José Serra saiu fortalecido como candidato do partido para as eleições presidenciais de 2010. Tem até boas chances de ganhar. Mas ao mesmo tempo ele nem é jovem, nem é novidade, nem se desvencilhou tanto do seu passado cepalino. Ele quase se encaixa à perfeição ao perfil de candidato que os eleitores estão aposentando. O PSDB faria bem em ter preparado um plano B. Just in case...
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
ASAMG - O Lento Ocaso de uma Era
A disputa no segundo turno das eleições municipais em São Paulo está sendo extremamente interessante. Muitos consideram o que acontece por aqui como uma antecipação do confronto nacional de 2010. Há análises para todos os gostos sobre que candidatos saem melhor colocados se ganhar o atual prefeito ou a ex-prefeita. No entanto não vi nem li nada sobre o que me parece a maior novidade: o ocaso de uma geração de políticos e de determinadas idéias sobre o melhor modelo de sociedade.
Como Gilberto Kassab ganhou o primeiro turno e saiu na frente nas pesquisas de intenção de voto, sua campanha no segundo turno é muito comportada. Está evitando o confronto, uma aposta bastante razoável para quem apenas precisa não errar. A situação de Marta Suplicy é muito mais complicada, pois tem que virar o jogo. Sua aposta é a do confronto. Para quem joga roleta, é como pôr todas as fichas numa única cor - no caso dela o vermelho. Se der certo, ganha tudo, se der errado, a perda é desastrosa.
Parece que está sendo um tiro no pé. A tentativa de fazer insinuações sobre a vida pessoal do atual prefeito deu completamente errado. A Justiça Eleitoral concedeu a Kassab vários minutos de direito de resposta, numa condenação formal da propaganda da candidata petista. Mas este é talvez o mal menor. Tentar ganhar votos (ou fazer o adversário perdê-los) apelando para o preconceito contra homossexuais foi não só vergonhoso, como causou uma indignação generalizada. A coisa era tão grosseira que até alguns membros do PT criticaram a estratégia de Marta Suplicy. É surpreendente que sua campanha tenha enveredado por este caminho, pois esta mancha no seu currículo será lembrada enquanto ela estiver na política. Depois do escândalo do mensalão o PT já não pode mais se apresentar como o partido dos anjos incorruptíveis. Agora arrisca-se a perder até a possibilidade de apresentar-se como um partido ético, progressista em questões sociais. As fichas apostadas foram altas demais e na cor errada.
Diante do bololô criado, quais foram as reações da candidata? Primeiro disse que não sabia de nada, como o Presidente Lula no caso do mensalão. Então tá. Quer dizer que durante os sete dias entre o primeiro turno e o início da campanha do segundo turno Marta Suplicy não teve nem tempo nem interesse em saber como seria a campanha preparada por seus marketeiros - e que tampouco tem nenhuma influência sobre o seu conteúdo? Pode até ser verdade, mas é duro de acreditar! De todas formas, se delegou cegamente em terceiros, nem assim deixa de ser responsável, afinal a candidata é ela e a campanha é dela. Diga o que disser, quem ficará marcada por essa baixaria é ela mesma. Depois, claro, tentaram botar a culpa nos outros, uma reação típica dos políticos do PT quando as coisas saem erradas. Provavelmente esta reação foi mais irritante e contraprodutiva do que a primeira. Quer dizer que perguntar se o prefeito é casado e tem filhos é mesmo uma perguntinha inocente como qualquer outra, como quem pergunta que horas são? Se eles querem chamar os eleitores de idiotas, porque não o fazem diretamente, ao invés de tentar justificar o injustificável?
O descrito acima foi um erro. Grosseiro, de baixo nível e caro, é verdade, mas nada mais que um erro. Interessante mesmo é a tentativa de descontrução de Kassab, segundo jargão dos petistas. Apesar do prefeito ser jovem demais para ter apoiado a ditadura militar, tentam identificá-lo com a Arena, o partido dos militares. O DEM é sucessor do PFL, que é uma excisão da Arena. Portanto Kassab está ligado não só à ditadura militar, como também aos coronéis do nordeste, além de Maluf e Pitta. A última ligação é verdadeira, mas daí dizer que ele será tão mau prefeito quanto Pitta ou que é imprevisível, que elegê-lo é dar um cheque em branco, há um salto de trampolim. Afinal, o prefeito está no cargo há mais de dois anos e dá para saber se ele é igual, melhor ou pior do que o Pitta - e que a Marta. E depois de dois anos não há realmente um cheque em branco. É claro que o prefeito pode mudar completamente de comportamento se fôr re-eleito, mas qualquer político pode. Para nossa sorte, o caso mais notório é o do próprio Presidente Lula que, uma vez no poder, seguiu a política econômica do seu antecessor, contrariando o que tinha dito durante vinte anos na oposição.
Duas coisas chamam a atenção na estratégia de descontrução: primeiro, dizer que o DEM é sucessor da Arena. Quem era o Presidente da Arena durante a ditadura militar? José Sarney, um dos mais importantes aliados do Governo Lula. Até Maluf, deputado federal, é da base de apoio do Presidente Lula. Então, como é que fica? Se é para apoiar o Presidente em nível nacional não importa o DNA dos políticos, mas se é adversário em São Paulo então tem toda importância do mundo? Sei, mais uma vez é a lógica peculiar da esquerda que se acha dona da verdade e única defensora do bom e do bem.
Na minha opinião a estratégia de DNA político pode ser outro tiro no pé. Dizem que o Presidente Lula quer como candidata à sua sucessão uma senhora que foi guerrilheira, militante de um grupo terrorista que não apenas queria derrubar o regime militar, mas que também buscava instaurar um regime popular no país, que é o apelido que a esquerda dá para ditaduras comunistas, como a dos irmãos Castro em Cuba. Imaginem se na campanha eleitoral de 2010 os adversários perguntarem por exemplo se esta senhora matou alguém quando era guerrilheira. Ia ser o fim do mundo. Todos cairiam de pau, dizendo que isso é tática nazista (a esquerda gosta de fazer este erro histórico, chamando tudo de que não gosta de fascista ou nazista). No entanto pela estratégia do DNA político dá para dizer muita coisa sobre esta possível candidata: elegê-la seria assinar um cheque em branco, quem pode garantir que ela abandonou as convicções de juventude, que não tentará implantar uma ditadura comunista no Brasil e muita bobagem mais? Sei que tudo isso seria baixaria. Mas porque seria baixaria só contra a candidata preferida do Presidente e não é contra o prefeito Kassab?
Por fim está em circulação uma teoria, defendida com dados por gente muito séria, de que as duas vezes que o PT elegeu prefeitas na cidade de São Paulo, só aconteceu porque contou com o voto anti-Maluf. Uma vez extinto o fenômeno Maluf (já era mais do que hora), o PT teria um teto eleitoral de 40%. O que antes era voto anti-Maluf agora seria voto anti-PT. A argumentação tem lógica. Pessoalmente posso dizer que a única vez que votei no PT foi para eleger Luiza Erundina. Melhor dito, foi para que Maluf não ganhasse. Quando Marta Suplicy foi eleita já não morava por aqui, não posso opinar.
Minha interpretação é um pouco diferente. Creio que as duas últimas eleições demonstraram que os eleitores estão aos poucos aposentando os políticos remanescentes da época da ditadura militar. Delfim Netto não se re-elegeu deputado federal em 2006 e agora Maluf teve menos de 5% dos votos para prefeito. Há ainda muita gente para ser aposentada pelos eleitores, mas é possível que em alguns casos a natureza seja mais rápida, tendo em vista sua idade. Os eleitores não estão aposentando apenas as pessoas, mas também as idéias. O velho maniqueismo de que todos que estiveram contra a ditadura militar eram os bons e os que estavam a favor eram os vilões tem cada vez menos sentido. Continuar defendendo as velhas idéias da esquerda caquética que ficou com a cabeça parada na década de cinquenta do século passado também tem seus dias contados. Não só porque os dinossauros da esquerda terceiro-mundista, amiga de Cuba, Cepalina estão cada vez mais velhos, mas principalmente porque estas idéias simplesmente já não servem mais. O mundo mudou muito nos últimos 60 anos, só as Carolinas auto-proclamadas progressistas é que não viram!
Quando dizem que há um voto anti-PT em São Paulo, eu discordo. Acho que em São Paulo há um voto anti- esquerda pré-histórica. Para entender o que digo, basta comparar o discurso dos petistas e aliados com o de socialistas europeus. A diferença é brutal! Mais uma vez me permito citar o meu caso: aqui nunca votaria nas bobagens defendidas pelas nossas esquerdas; na Espanha voto no Partido Socialista. Não é nenhuma contradição, os socialistas espanhóis estão muito mais perto dos Tucanos do que dos petistas e companheiros. Os trabalhistas do Blair então, é como o dia e a noite.
Para mim o que o eleitor está pedindo é renovação, de pessoas e idéias. Suspeito que esta vai ser a chave das eleições de 2010. Os diversos partidos políticos deveriam tomar nota.
Como Gilberto Kassab ganhou o primeiro turno e saiu na frente nas pesquisas de intenção de voto, sua campanha no segundo turno é muito comportada. Está evitando o confronto, uma aposta bastante razoável para quem apenas precisa não errar. A situação de Marta Suplicy é muito mais complicada, pois tem que virar o jogo. Sua aposta é a do confronto. Para quem joga roleta, é como pôr todas as fichas numa única cor - no caso dela o vermelho. Se der certo, ganha tudo, se der errado, a perda é desastrosa.
Parece que está sendo um tiro no pé. A tentativa de fazer insinuações sobre a vida pessoal do atual prefeito deu completamente errado. A Justiça Eleitoral concedeu a Kassab vários minutos de direito de resposta, numa condenação formal da propaganda da candidata petista. Mas este é talvez o mal menor. Tentar ganhar votos (ou fazer o adversário perdê-los) apelando para o preconceito contra homossexuais foi não só vergonhoso, como causou uma indignação generalizada. A coisa era tão grosseira que até alguns membros do PT criticaram a estratégia de Marta Suplicy. É surpreendente que sua campanha tenha enveredado por este caminho, pois esta mancha no seu currículo será lembrada enquanto ela estiver na política. Depois do escândalo do mensalão o PT já não pode mais se apresentar como o partido dos anjos incorruptíveis. Agora arrisca-se a perder até a possibilidade de apresentar-se como um partido ético, progressista em questões sociais. As fichas apostadas foram altas demais e na cor errada.
Diante do bololô criado, quais foram as reações da candidata? Primeiro disse que não sabia de nada, como o Presidente Lula no caso do mensalão. Então tá. Quer dizer que durante os sete dias entre o primeiro turno e o início da campanha do segundo turno Marta Suplicy não teve nem tempo nem interesse em saber como seria a campanha preparada por seus marketeiros - e que tampouco tem nenhuma influência sobre o seu conteúdo? Pode até ser verdade, mas é duro de acreditar! De todas formas, se delegou cegamente em terceiros, nem assim deixa de ser responsável, afinal a candidata é ela e a campanha é dela. Diga o que disser, quem ficará marcada por essa baixaria é ela mesma. Depois, claro, tentaram botar a culpa nos outros, uma reação típica dos políticos do PT quando as coisas saem erradas. Provavelmente esta reação foi mais irritante e contraprodutiva do que a primeira. Quer dizer que perguntar se o prefeito é casado e tem filhos é mesmo uma perguntinha inocente como qualquer outra, como quem pergunta que horas são? Se eles querem chamar os eleitores de idiotas, porque não o fazem diretamente, ao invés de tentar justificar o injustificável?
O descrito acima foi um erro. Grosseiro, de baixo nível e caro, é verdade, mas nada mais que um erro. Interessante mesmo é a tentativa de descontrução de Kassab, segundo jargão dos petistas. Apesar do prefeito ser jovem demais para ter apoiado a ditadura militar, tentam identificá-lo com a Arena, o partido dos militares. O DEM é sucessor do PFL, que é uma excisão da Arena. Portanto Kassab está ligado não só à ditadura militar, como também aos coronéis do nordeste, além de Maluf e Pitta. A última ligação é verdadeira, mas daí dizer que ele será tão mau prefeito quanto Pitta ou que é imprevisível, que elegê-lo é dar um cheque em branco, há um salto de trampolim. Afinal, o prefeito está no cargo há mais de dois anos e dá para saber se ele é igual, melhor ou pior do que o Pitta - e que a Marta. E depois de dois anos não há realmente um cheque em branco. É claro que o prefeito pode mudar completamente de comportamento se fôr re-eleito, mas qualquer político pode. Para nossa sorte, o caso mais notório é o do próprio Presidente Lula que, uma vez no poder, seguiu a política econômica do seu antecessor, contrariando o que tinha dito durante vinte anos na oposição.
Duas coisas chamam a atenção na estratégia de descontrução: primeiro, dizer que o DEM é sucessor da Arena. Quem era o Presidente da Arena durante a ditadura militar? José Sarney, um dos mais importantes aliados do Governo Lula. Até Maluf, deputado federal, é da base de apoio do Presidente Lula. Então, como é que fica? Se é para apoiar o Presidente em nível nacional não importa o DNA dos políticos, mas se é adversário em São Paulo então tem toda importância do mundo? Sei, mais uma vez é a lógica peculiar da esquerda que se acha dona da verdade e única defensora do bom e do bem.
Na minha opinião a estratégia de DNA político pode ser outro tiro no pé. Dizem que o Presidente Lula quer como candidata à sua sucessão uma senhora que foi guerrilheira, militante de um grupo terrorista que não apenas queria derrubar o regime militar, mas que também buscava instaurar um regime popular no país, que é o apelido que a esquerda dá para ditaduras comunistas, como a dos irmãos Castro em Cuba. Imaginem se na campanha eleitoral de 2010 os adversários perguntarem por exemplo se esta senhora matou alguém quando era guerrilheira. Ia ser o fim do mundo. Todos cairiam de pau, dizendo que isso é tática nazista (a esquerda gosta de fazer este erro histórico, chamando tudo de que não gosta de fascista ou nazista). No entanto pela estratégia do DNA político dá para dizer muita coisa sobre esta possível candidata: elegê-la seria assinar um cheque em branco, quem pode garantir que ela abandonou as convicções de juventude, que não tentará implantar uma ditadura comunista no Brasil e muita bobagem mais? Sei que tudo isso seria baixaria. Mas porque seria baixaria só contra a candidata preferida do Presidente e não é contra o prefeito Kassab?
Por fim está em circulação uma teoria, defendida com dados por gente muito séria, de que as duas vezes que o PT elegeu prefeitas na cidade de São Paulo, só aconteceu porque contou com o voto anti-Maluf. Uma vez extinto o fenômeno Maluf (já era mais do que hora), o PT teria um teto eleitoral de 40%. O que antes era voto anti-Maluf agora seria voto anti-PT. A argumentação tem lógica. Pessoalmente posso dizer que a única vez que votei no PT foi para eleger Luiza Erundina. Melhor dito, foi para que Maluf não ganhasse. Quando Marta Suplicy foi eleita já não morava por aqui, não posso opinar.
Minha interpretação é um pouco diferente. Creio que as duas últimas eleições demonstraram que os eleitores estão aos poucos aposentando os políticos remanescentes da época da ditadura militar. Delfim Netto não se re-elegeu deputado federal em 2006 e agora Maluf teve menos de 5% dos votos para prefeito. Há ainda muita gente para ser aposentada pelos eleitores, mas é possível que em alguns casos a natureza seja mais rápida, tendo em vista sua idade. Os eleitores não estão aposentando apenas as pessoas, mas também as idéias. O velho maniqueismo de que todos que estiveram contra a ditadura militar eram os bons e os que estavam a favor eram os vilões tem cada vez menos sentido. Continuar defendendo as velhas idéias da esquerda caquética que ficou com a cabeça parada na década de cinquenta do século passado também tem seus dias contados. Não só porque os dinossauros da esquerda terceiro-mundista, amiga de Cuba, Cepalina estão cada vez mais velhos, mas principalmente porque estas idéias simplesmente já não servem mais. O mundo mudou muito nos últimos 60 anos, só as Carolinas auto-proclamadas progressistas é que não viram!
Quando dizem que há um voto anti-PT em São Paulo, eu discordo. Acho que em São Paulo há um voto anti- esquerda pré-histórica. Para entender o que digo, basta comparar o discurso dos petistas e aliados com o de socialistas europeus. A diferença é brutal! Mais uma vez me permito citar o meu caso: aqui nunca votaria nas bobagens defendidas pelas nossas esquerdas; na Espanha voto no Partido Socialista. Não é nenhuma contradição, os socialistas espanhóis estão muito mais perto dos Tucanos do que dos petistas e companheiros. Os trabalhistas do Blair então, é como o dia e a noite.
Para mim o que o eleitor está pedindo é renovação, de pessoas e idéias. Suspeito que esta vai ser a chave das eleições de 2010. Os diversos partidos políticos deveriam tomar nota.
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
ASAMG - Sic transit gloria mundi
Faz um mês que estou no Brasil. Tenho lido muito jornal, conversado com muita gente e frequentado a padaria da esquina para me informar sobre o que acontece por aqui. Até acompanhei a propaganda eleitoral pela TV. Um dos assuntos estrelas é a popularidade do Presidente da República, em números record. Os mais empolgados diziam que o PT ia bombar nestas eleições, que o prestígio do Presidente elegeria até poste. Não aconteceu nem uma coisa nem outra. O grande vencedor foi o PMDB, um personagem em busca de um autor. Até quando o PMDB vai conseguir ter tanto êxito sendo apenas um fiel aliado do Governo, qualquer Governo? Será que eles sobrevivem à mudança geracional que o passar do tempo vai impor? Qui vivra, verra!
* * * * *
Outra pergunta que não quer calar é por quanto tempo a popularidade do Presidente continuará em alta depois que a crise chegar por aqui. Até agora ele surfou na onda da prosperidade mundial. A onda acabou. Este Governo não promoveu nenhuma das reformas que o país precisa. O Presidente está nu. Será que neste caso ele de novo vai conseguir se fazer de vítima e dizer que não sabia de nada? Que os culpados são os banqueiros do cassino financeiro internacional? Qualquer um menos ele? Qui vivra verra!
* * * * *
O resultado das eleições em São Paulo decepcionou muita gente. Quando a Marta começou a crescer nas pesquisas houve quem falasse em ganhar no primeiro turno. Não ganharam, nem sequer chegaram na frente do prefeito Kassab. Diante da perspectiva do prefeito se re-eleger ressurge o lugar comum de que o paulistano é conservador ou de direita. Houve uma senhora que disse no jornal que nós seríamos "provincianos e de direita". Bueno, não é o paulistano que é provinciano, é o brasileiro. Dentre todos os brasileiros, opino que o paulistano é menos que os demais. E não é que sejamos de direita, em comparação com os cariocas que seriam de esquerda. É que São Paulo não é uma cidade de funcionários públicos, como o Rio, Brasília e tantas outras. Funcionário público vota mais facilmente na tal "esquerda" para não perder o emprego e ter aumento de salário. Quem trabalha na iniciativa privada vota contra para não ter que pagar mais impostos para sustentar políticos e funcionários públicos. É tão simples quanto isso.
* * * * *
Hoje a Folha de São Paulo publicou uma pesquisa de intenção de voto indicando que o prefeito estaria muito à frente da candidata do PT para o segundo turno. Alguém devia dizer para a Marta: "Relaxa e goza!"
* * * * *
Ao chegar aqui fui jantar com um amigo que trabalha no mercado financeiro. É o meu guru econômico. Faz anos que jantamos juntos cada vez que venho para cá. Ele me conta o que está acontecendo na economia e também algumas histórias que não saem publicadas na imprensa. Além de inteligente, é muito bem informado. Sua profissão requer. Durante anos me ajudou a entender o que estava acontecendo por aqui. Esta foi a primeira vez em que discordamos radicalmente num ponto chave: taxa de câmbio. Estivemos longamente discutindo quais eram as perspectivas do Real a curto e longo prazo. Minha opinião era que a tendência de longo prazo era a desvalorização da moeda, até chegar a 2,40 Reais por US$. O problema seria saber com que velocidade aconteceria. Razões? Queda no preço das commodities no mercado internacional, redução drástica da entrada de investimento estrangeiro no Brasil, escassez de crédito e, principalmente, a reversão das expectativas. Eu dizia que notícia ruim pega mais rápido que boa e que a expectativa da desvalorização uma vez assentada seria imparável.
* * * * *
A desvalorização do Real nos dois últimos meses, principalmente nas duas últimas semanas, me lembrou dos piores momentos do desgoverno Sarney. Ontem o Dólar chegou a bater em 2,45 Reais. É verdade que bater não é ficar e hoje a moeda americana já perdeu força. Os acontecimentos recentes têm mais a ver com volatilidade que com os tais fundamentos da economia. No entanto deveriam nos alertar que não somos imunes a nada. O resfriadinho mencionado pela Ministra/candidata Dilma pode virar pneumonia do dia para a noite. Quem tem barba neste Governo deveria botá-la de molho. Há mais de um...
* * * * *
Com a desvalorização do Real e a queda das bolsas, o valor das empresas estatais é hoje algumas centenas de bilhões de dólares menor do que era há alguns meses. Seria muito interessante fazer essa conta na ponta do lápis, mas o número é realmente dessa ordem de grandeza: centenas de bilhões de dólares. A este valor seria necessário adicionar o ágio que ocorre em toda venda de empresa, estatal ou privada. Quando o dinheiro era abundante e barato no mercado internacional os ágios eram muito maiores do que poderiam ser agora. Ao não privatizar estas empresas o Governo perdeu a oportunidade de receber estes bilhões de dólares a mais. Isso é um prejuizo líquido, o custo de não ter privatizado. O que os poucaleitura que costumam bravar contra as privatizações teriam a dizer a respeito?
* * * * *
Governar gastando dinheiro qualquer um sabe fazer. Os eleitores aprovam, como demonstraram estas últimas eleições da época de vacas gordas. Quando as coisas ficam difíceis, aí é que se vê quem é bom de verdade. Os próximos dois anos vão ajudar a separar o joio do trigo. Mais de uma reputação ficará abalada. Sic transit gloria mundi.
* * * * *
Outra pergunta que não quer calar é por quanto tempo a popularidade do Presidente continuará em alta depois que a crise chegar por aqui. Até agora ele surfou na onda da prosperidade mundial. A onda acabou. Este Governo não promoveu nenhuma das reformas que o país precisa. O Presidente está nu. Será que neste caso ele de novo vai conseguir se fazer de vítima e dizer que não sabia de nada? Que os culpados são os banqueiros do cassino financeiro internacional? Qualquer um menos ele? Qui vivra verra!
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O resultado das eleições em São Paulo decepcionou muita gente. Quando a Marta começou a crescer nas pesquisas houve quem falasse em ganhar no primeiro turno. Não ganharam, nem sequer chegaram na frente do prefeito Kassab. Diante da perspectiva do prefeito se re-eleger ressurge o lugar comum de que o paulistano é conservador ou de direita. Houve uma senhora que disse no jornal que nós seríamos "provincianos e de direita". Bueno, não é o paulistano que é provinciano, é o brasileiro. Dentre todos os brasileiros, opino que o paulistano é menos que os demais. E não é que sejamos de direita, em comparação com os cariocas que seriam de esquerda. É que São Paulo não é uma cidade de funcionários públicos, como o Rio, Brasília e tantas outras. Funcionário público vota mais facilmente na tal "esquerda" para não perder o emprego e ter aumento de salário. Quem trabalha na iniciativa privada vota contra para não ter que pagar mais impostos para sustentar políticos e funcionários públicos. É tão simples quanto isso.
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Hoje a Folha de São Paulo publicou uma pesquisa de intenção de voto indicando que o prefeito estaria muito à frente da candidata do PT para o segundo turno. Alguém devia dizer para a Marta: "Relaxa e goza!"
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Ao chegar aqui fui jantar com um amigo que trabalha no mercado financeiro. É o meu guru econômico. Faz anos que jantamos juntos cada vez que venho para cá. Ele me conta o que está acontecendo na economia e também algumas histórias que não saem publicadas na imprensa. Além de inteligente, é muito bem informado. Sua profissão requer. Durante anos me ajudou a entender o que estava acontecendo por aqui. Esta foi a primeira vez em que discordamos radicalmente num ponto chave: taxa de câmbio. Estivemos longamente discutindo quais eram as perspectivas do Real a curto e longo prazo. Minha opinião era que a tendência de longo prazo era a desvalorização da moeda, até chegar a 2,40 Reais por US$. O problema seria saber com que velocidade aconteceria. Razões? Queda no preço das commodities no mercado internacional, redução drástica da entrada de investimento estrangeiro no Brasil, escassez de crédito e, principalmente, a reversão das expectativas. Eu dizia que notícia ruim pega mais rápido que boa e que a expectativa da desvalorização uma vez assentada seria imparável.
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A desvalorização do Real nos dois últimos meses, principalmente nas duas últimas semanas, me lembrou dos piores momentos do desgoverno Sarney. Ontem o Dólar chegou a bater em 2,45 Reais. É verdade que bater não é ficar e hoje a moeda americana já perdeu força. Os acontecimentos recentes têm mais a ver com volatilidade que com os tais fundamentos da economia. No entanto deveriam nos alertar que não somos imunes a nada. O resfriadinho mencionado pela Ministra/candidata Dilma pode virar pneumonia do dia para a noite. Quem tem barba neste Governo deveria botá-la de molho. Há mais de um...
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Com a desvalorização do Real e a queda das bolsas, o valor das empresas estatais é hoje algumas centenas de bilhões de dólares menor do que era há alguns meses. Seria muito interessante fazer essa conta na ponta do lápis, mas o número é realmente dessa ordem de grandeza: centenas de bilhões de dólares. A este valor seria necessário adicionar o ágio que ocorre em toda venda de empresa, estatal ou privada. Quando o dinheiro era abundante e barato no mercado internacional os ágios eram muito maiores do que poderiam ser agora. Ao não privatizar estas empresas o Governo perdeu a oportunidade de receber estes bilhões de dólares a mais. Isso é um prejuizo líquido, o custo de não ter privatizado. O que os poucaleitura que costumam bravar contra as privatizações teriam a dizer a respeito?
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Governar gastando dinheiro qualquer um sabe fazer. Os eleitores aprovam, como demonstraram estas últimas eleições da época de vacas gordas. Quando as coisas ficam difíceis, aí é que se vê quem é bom de verdade. Os próximos dois anos vão ajudar a separar o joio do trigo. Mais de uma reputação ficará abalada. Sic transit gloria mundi.
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
ASAMG - E agora?
Na semana passada parecia que Congresso americano ia aprovar com urgência o pacote econômico de ajuda ao sistema financeiro. Uma semana e um dilúvio depois, o pacote ainda não está aprovado. Ontem à noite o Senado deu luz verde, espera-se que amanhã a Câmara o aprove. Neste caso, uma semana fez toda diferença do mundo. Ao contrário da deliciosa música de S. Adams e M. Grever "What a difference a day made", a diferença desta semana perdida foi catastrófica. Muito do que se perdeu nos últimos dias não vai ser recuperado nunca e não é exagero dizer que as perspectivas econômicas para os próximos dois anos são hoje muito piores do que há apenas uns poucos dias.
Aqui no Brasil a mudança de humor é evidente. Acabou o tom triunfalista governamental de que nós fizemos nossa lição de casa e por isso não seríamos afetados pela crise. É verdade que nos últimos 16 anos o Brasil fez muita lição de casa e o país hoje está melhor preparado do que nunca para enfrentar a adversidade. Também é verdade que o Presidente Lula tem o enorme mérito de ter mantido a política econômica do seu antecessor, contra tudo o que tinha pregado quando estava na oposição e contra o critério da maioria dos militantes do seu partido. Se o PT não estivesse no Governo a velha guarda cepalina teria há muito classificado sua política econômica de neo-liberal. Bueno, alguns mais exaltados de fato o fizeram. Mas é graças a essa disciplina fiscal e monetária que agora estamos melhor protegidos para lidar com o que vem pela frente.
Depois da última semana já quase ninguém duvida de que as principais economias do planeta enfrentarão algum tipo de recessão. EEUU, União Européia e Japão respondem por 52% da economia mundial. É difícil imaginar que uma crise nesse bloco não repercuta nos demais, por muito que China e Índia continuem crescendo rapidamente. Aliás, esta é uma das chaves sobre o que pode acontecer no mundo nos próximos dois anos: dependendo de quanto seja o crescimento Chinês (e em menor escala o Indiano), a crise pode ser mais ou menos intensa. Há até bem pouco tempo ninguém ousaria prever um crescimento da China abaixo de 8% ao ano. Começam a aparecer as primeiras vozes. Se esta possibilidade se confirmar, então sim estamos começando uma longa travessia do deserto.
Um dos argumentos pelos quais o Brasil estaria mais ou menos imune a uma crise internacional é porque a nossa economia é relativamente fechada, portanto não depende significativamente do intercâmbio com o exterior. Quando se analisa mais detidamente, o que se vê é que há muitas portas por onde podemos importar a recessão. A verdade é que boa parte do crescimento do Brasil nos últimos anos se deveu aos ventos mais que favoráveis no cenário internacional. Nós somos exportadores de matérias primas, tanto minerais quanto agrícolas. O preço das commodities triplicou desde 2003 até o seu pico em meados deste ano. Como os juros internacionais estavam em seu patamar mais baixo desde a Segunda Guerra Mundial, sobrou dinheiro barato nos mercados. Parte desse dinheiro entrou no Brasil através de investimentos, tanto de curto como de longo prazo. Não faltaram linhas de crédito para as nossas empresas. Por fim, o crescimento das ecomias mais ricas foi de mãos dadas com o impressionante crescimento da China e Índia e aí estava o motor dessa fase de enorme prosperidade. Se as economias ricas entram em recessão, China e Índia serão afetadas e por tabela os demais emergentes também.
A reversão de expectativas está dando lugar à queixa arqui-demagógica de que os pobres coitados dos países emergentes e do terceiro-mundo iriam pagar a conta dos desatinos de banqueiros sem coração nos Estados Unidos. O apelo dessa bobagem é óbvio, só tem o problema de esquecer que o crescimento mundial dos últimos seis anos deveu-se em boa parte às mesmas razões que agora estão na origem da crise do sistema financeiro. Se os juros não tivessem sido tão baratos, os déficits fiscal e comercial americanos não tivessem sido tão gigantescos, se os Governos tivessem impedido as bolhas nos mercados imobiliários nos Estados Unidos, Irlanda, Inglaterra, Espanha e em tantos outros países, se o sistema financeiro não tivesse desenvolvido e comercializado todos os novos produtos com os que inundou o mercado (principalmente derivativos), é verdade que não teríamos agora uma crise tão severa. Mas antes tampouco teríamos tido o crescimento que tivemos, no mundo inteiro. Aliás, os países emergentes foram os principais beneficiados com a farra de irresponsabilidade vista no primeiro mundo, pois foram os países que mais cresceram nesta década. Agora não é que vamos pagar a conta, vamos deixar de nos beneficiar das condições extremamente favoráveis existentes até o momento.
Hoje quando a crise campeia e mete medo, é muito fácil dizer que os Governos tinham que ter atuado antes. É óbvio que sim, mas quem se atreve a furar uma bolha, pôr fim à prosperidade, dizer aos seus eleitores que é preciso tomar medidas que resultarão em menor crescimento, para não gerar desequilíbrios? Isso é conversa para os profetas do passado, especialidade dos economistas (entre os quais me incluo). Quando as coisas vão bem, ninguém quer ouvir sobre riscos e necessidade de moderação. Quantas vezes não se escreveu sobre a bolha do mercado imobiliário em diversos países? Venceu a tropa de choque dos que não viam nenhum perigo. Consequência: o ajuste será mais drástico!
O mar virou e o Governo Lula enfrentará seu real teste. Tenho conversado com muitos amigos aqui no Brasil, a maioria economistas como eu e que, por sua atuação profissional, são em geral muito bem informados. Cada vez é maior o número dos que acreditam que a desaceleração da economia poder ser brusca. 3% de crescimento em 2009 já é considerado um cenário super otimista. Como em 2010 há eleição e é da natureza do partido que está no poder tentar mantê-lo a qualquer custo, é de se esperar que a pressão para manter o crescimento econômico seja máxima. Até aí, tudo bem. O problema é que o caminho mais tentador será o de aumentar os gastos e relaxar as políticas fiscal e monetária. Essa receita é a mais fácil, qualquer tonto sabe propô-la. Como dizem na Espanha, é pão para hoje e fome para amanhã, pois no longo prazo passa fatura. Agora seria a hora de fazer a sério as reformas estruturais de que o país tanto precisa e que foram as grandes ausentes deste Governo. A mais óbvia seria a reforma fiscal. Será que nossos políticos e formadores de opinião estarão à altura dos acontecimentos?
Aqui no Brasil a mudança de humor é evidente. Acabou o tom triunfalista governamental de que nós fizemos nossa lição de casa e por isso não seríamos afetados pela crise. É verdade que nos últimos 16 anos o Brasil fez muita lição de casa e o país hoje está melhor preparado do que nunca para enfrentar a adversidade. Também é verdade que o Presidente Lula tem o enorme mérito de ter mantido a política econômica do seu antecessor, contra tudo o que tinha pregado quando estava na oposição e contra o critério da maioria dos militantes do seu partido. Se o PT não estivesse no Governo a velha guarda cepalina teria há muito classificado sua política econômica de neo-liberal. Bueno, alguns mais exaltados de fato o fizeram. Mas é graças a essa disciplina fiscal e monetária que agora estamos melhor protegidos para lidar com o que vem pela frente.
Depois da última semana já quase ninguém duvida de que as principais economias do planeta enfrentarão algum tipo de recessão. EEUU, União Européia e Japão respondem por 52% da economia mundial. É difícil imaginar que uma crise nesse bloco não repercuta nos demais, por muito que China e Índia continuem crescendo rapidamente. Aliás, esta é uma das chaves sobre o que pode acontecer no mundo nos próximos dois anos: dependendo de quanto seja o crescimento Chinês (e em menor escala o Indiano), a crise pode ser mais ou menos intensa. Há até bem pouco tempo ninguém ousaria prever um crescimento da China abaixo de 8% ao ano. Começam a aparecer as primeiras vozes. Se esta possibilidade se confirmar, então sim estamos começando uma longa travessia do deserto.
Um dos argumentos pelos quais o Brasil estaria mais ou menos imune a uma crise internacional é porque a nossa economia é relativamente fechada, portanto não depende significativamente do intercâmbio com o exterior. Quando se analisa mais detidamente, o que se vê é que há muitas portas por onde podemos importar a recessão. A verdade é que boa parte do crescimento do Brasil nos últimos anos se deveu aos ventos mais que favoráveis no cenário internacional. Nós somos exportadores de matérias primas, tanto minerais quanto agrícolas. O preço das commodities triplicou desde 2003 até o seu pico em meados deste ano. Como os juros internacionais estavam em seu patamar mais baixo desde a Segunda Guerra Mundial, sobrou dinheiro barato nos mercados. Parte desse dinheiro entrou no Brasil através de investimentos, tanto de curto como de longo prazo. Não faltaram linhas de crédito para as nossas empresas. Por fim, o crescimento das ecomias mais ricas foi de mãos dadas com o impressionante crescimento da China e Índia e aí estava o motor dessa fase de enorme prosperidade. Se as economias ricas entram em recessão, China e Índia serão afetadas e por tabela os demais emergentes também.
A reversão de expectativas está dando lugar à queixa arqui-demagógica de que os pobres coitados dos países emergentes e do terceiro-mundo iriam pagar a conta dos desatinos de banqueiros sem coração nos Estados Unidos. O apelo dessa bobagem é óbvio, só tem o problema de esquecer que o crescimento mundial dos últimos seis anos deveu-se em boa parte às mesmas razões que agora estão na origem da crise do sistema financeiro. Se os juros não tivessem sido tão baratos, os déficits fiscal e comercial americanos não tivessem sido tão gigantescos, se os Governos tivessem impedido as bolhas nos mercados imobiliários nos Estados Unidos, Irlanda, Inglaterra, Espanha e em tantos outros países, se o sistema financeiro não tivesse desenvolvido e comercializado todos os novos produtos com os que inundou o mercado (principalmente derivativos), é verdade que não teríamos agora uma crise tão severa. Mas antes tampouco teríamos tido o crescimento que tivemos, no mundo inteiro. Aliás, os países emergentes foram os principais beneficiados com a farra de irresponsabilidade vista no primeiro mundo, pois foram os países que mais cresceram nesta década. Agora não é que vamos pagar a conta, vamos deixar de nos beneficiar das condições extremamente favoráveis existentes até o momento.
Hoje quando a crise campeia e mete medo, é muito fácil dizer que os Governos tinham que ter atuado antes. É óbvio que sim, mas quem se atreve a furar uma bolha, pôr fim à prosperidade, dizer aos seus eleitores que é preciso tomar medidas que resultarão em menor crescimento, para não gerar desequilíbrios? Isso é conversa para os profetas do passado, especialidade dos economistas (entre os quais me incluo). Quando as coisas vão bem, ninguém quer ouvir sobre riscos e necessidade de moderação. Quantas vezes não se escreveu sobre a bolha do mercado imobiliário em diversos países? Venceu a tropa de choque dos que não viam nenhum perigo. Consequência: o ajuste será mais drástico!
O mar virou e o Governo Lula enfrentará seu real teste. Tenho conversado com muitos amigos aqui no Brasil, a maioria economistas como eu e que, por sua atuação profissional, são em geral muito bem informados. Cada vez é maior o número dos que acreditam que a desaceleração da economia poder ser brusca. 3% de crescimento em 2009 já é considerado um cenário super otimista. Como em 2010 há eleição e é da natureza do partido que está no poder tentar mantê-lo a qualquer custo, é de se esperar que a pressão para manter o crescimento econômico seja máxima. Até aí, tudo bem. O problema é que o caminho mais tentador será o de aumentar os gastos e relaxar as políticas fiscal e monetária. Essa receita é a mais fácil, qualquer tonto sabe propô-la. Como dizem na Espanha, é pão para hoje e fome para amanhã, pois no longo prazo passa fatura. Agora seria a hora de fazer a sério as reformas estruturais de que o país tanto precisa e que foram as grandes ausentes deste Governo. A mais óbvia seria a reforma fiscal. Será que nossos políticos e formadores de opinião estarão à altura dos acontecimentos?
quinta-feira, 25 de setembro de 2008
ASAMG - O Fim do Mundo
Tem sido interessante acompanhar a crise financeira nos mercados internacionais estando no Brasil. As reações aqui variam da pourra-louquice à sensatez, mas talvez o sentimento dominante seja o de Schadenfreude: o prazer de ver a vaca indo para o brejo em terras de tio Sam. Os problemas atuais nasceram nos Estados Unidos e estão afetando mais duramente instituições americanas. Quem durante tantas décadas deu lição de capitalismo ao mundo agora tem que reaprender uma ou duas coisas básicas sobre o funcionamento da economia de mercado. Por aqui há muita gente rindo vendo o circo pegar fogo. Chato que não vai ter como evitar as consequências do incêndio ao norte.
A primeira bobagem generalizada li logo ao chegar, quando muitos estavam proclamando que a intervenção do Governo Americano na Freddie Mac e Fannie Mae era o fim do neo-liberalismo. Alguns foram mais longe, chegando a dizer que estava na hora de voltar a estatizar a economia, porque as privatizações e o tal neo-liberalismo não funcionam. Em alguns casos estas afirmações eram apenas expressão de ignorância: gente que não sabe nada de economia e que estava dando palpite. Alguns dos palpiteiros são parte importante do atual Governo. No caso dos economistas heterodoxos, a patota cepalina da velha-guarda, era uma forma mais sofisticada de ignorância: viés ideológico. Não vou perder tempo enumerando a longa lista de asneiras que estas mesmas pessoas patrocinaram quando tiveram a oportunidade de estar no Governo no Brasil. Todos estes "economistas" são sobradamente conhecidos, bem como os desastres que provocaram.
No fundo, a atual crise financeira tem algo em comum com os descalabros que no passado afligiam a economia brasileira: não é uma prova de que o capitalismo não funciona sem intervenção estatal, ou de que os mercados não são o melhor guia para a alocação de recursos. A atual crise americana simplesmente demonstra que o capitalismo não é imune à incompetência governamental. A atual administração americana já é considerada por muita gente inteligente e bem informada como a pior da história daquele país. O Governo Bush revelou-se incompetente em praticamente tudo que tocou. Eles conseguiram até ser considerados piores do que a administração Nixon. Não era fácil, mas eles chegaram lá.
Quando Bush recebeu o Governo de Clinton havia superávit fiscal nos Estados Unidos. A atual administração conseguiu convertê-lo rapidamente em déficit. Este, unido ao déficit comercial, são os dois maiores problemas estruturais da primeira economia do planeta. Nos últimos anos o dólar americano perdeu cerca de quarenta por cento do valor em comparação com o Euro - dito de outra maneira, os detentores de riquezas em dólares perderam duas quintas partes do que tinham quando seu patrimônio é medido em Euros. No entanto, nem esse brutal ajuste foi suficiente para reverter o déficit comercial.
A política monetária foi igualmente irresponsável. Durante boa parte da década o Fed, banco central americano, manteve a taxa de juros igual ou menor que dois por cento ao ano. Foram os juros nominais mais baixos em mais de meio século e muitas vezes estiveram por baixo da inflação (como acontece agora), significando juros reais negativos. Foi outra importante contribuição para a formação da bolha imobiliária que começou a desinflar no ano passado. Também contribuiu para que os agentes econômicos se acostumassem com um nível de juros que não é de forma alguma sustentável. Dada a atual inflação nos Estados Unidos, os juros deveriam estar acima de seis por cento ao ano. Dizer esta obviedade depois de tanto tempo de relaxamento monetário tem o mesmo efeito que blasfemar diante de autoridades eclesiásticas. É verdade que este não é o melhor momento para subir os juros, mas tampouco resolverá nada abaixá-los, como sugerem os mais desesperados.
A invasão do Iraque não foi uma má idéia só do ponto de vista geo-político. Também representou um enorme custo para o Tesouro americano e propiciou o início do aumento do preço do barril do petróleo no mercado mundial. Esse aumento, aliado à especulação financeira, levou à quase decuplicação do preço do barril, implicando numa brutal transferência de riquezas dos países importadores para os exportadores. Principais beneficiados? Arábia Saudita, Irã, Russia, Venezuela... No resto dos países o aumento do preço da energia está causando inflação, que apenas torna mais difícil a resolução dos problemas atuais.
Não há dúvida que o que nós estamos presenciando estes dias são acontecimentos históricos, destes que ocorrem uma ou duas vezes a cada século. Nas próximas horas o Congresso americano estará discutindo o pacote de ajudas ao sistema financeiro. É uma ajuda multi-bilionária, que comprometerá ainda mais as contas governamentais americanas. Dizer que a próxima administração, ganhe quem ganhe, já começará hipotecada é uma banalidade; talvez o mais exato fosse dizer que a administração Bush conseguiu hipotecar a próxima geração. O pior é que nem os 700 bilhões de dólares em discussão no Congresso resolverão os problemas da economia mundial. Na melhor hipótese afastarão o pânico do mercado. Mas não impedirão que continue havendo muita volatilidade e que provavelmente a economia americana entre em recessão.
No meio de todo esse caos, é incrível que as autoridades brasileiras insistam na balela de que a economia do país passará imune pelo vendaval internacional. Para começo de conversa, é mais que provável que a rota de valorização do Real tenha acabado e que esteja começando uma fase de desvalorização sustentada da moeda - algo mais duradouro que a atual volatilidade. Há quem calcule que o cambio de equilíbrio seja de 2,40. Pessoalmente me parece plausível. A pergunta é quanto tempo vai demorar para chegar lá. Até dois meses atrás dois anos parecia uma resposta equilibrada. Pode ser que o horizonte de tempo tenha se estreitado a menos da metade.
O câmbio é um dos preços fundamentais da economia. Uma correção cambial terá consequências para o Brasil, por muito que haja gente com bons argumentos dizendo o contrário. Algo me diz que nosso Presidente em breve deixará de surfar na onda da prosperidade mundial. Tomara que não morra na praia.
A primeira bobagem generalizada li logo ao chegar, quando muitos estavam proclamando que a intervenção do Governo Americano na Freddie Mac e Fannie Mae era o fim do neo-liberalismo. Alguns foram mais longe, chegando a dizer que estava na hora de voltar a estatizar a economia, porque as privatizações e o tal neo-liberalismo não funcionam. Em alguns casos estas afirmações eram apenas expressão de ignorância: gente que não sabe nada de economia e que estava dando palpite. Alguns dos palpiteiros são parte importante do atual Governo. No caso dos economistas heterodoxos, a patota cepalina da velha-guarda, era uma forma mais sofisticada de ignorância: viés ideológico. Não vou perder tempo enumerando a longa lista de asneiras que estas mesmas pessoas patrocinaram quando tiveram a oportunidade de estar no Governo no Brasil. Todos estes "economistas" são sobradamente conhecidos, bem como os desastres que provocaram.
No fundo, a atual crise financeira tem algo em comum com os descalabros que no passado afligiam a economia brasileira: não é uma prova de que o capitalismo não funciona sem intervenção estatal, ou de que os mercados não são o melhor guia para a alocação de recursos. A atual crise americana simplesmente demonstra que o capitalismo não é imune à incompetência governamental. A atual administração americana já é considerada por muita gente inteligente e bem informada como a pior da história daquele país. O Governo Bush revelou-se incompetente em praticamente tudo que tocou. Eles conseguiram até ser considerados piores do que a administração Nixon. Não era fácil, mas eles chegaram lá.
Quando Bush recebeu o Governo de Clinton havia superávit fiscal nos Estados Unidos. A atual administração conseguiu convertê-lo rapidamente em déficit. Este, unido ao déficit comercial, são os dois maiores problemas estruturais da primeira economia do planeta. Nos últimos anos o dólar americano perdeu cerca de quarenta por cento do valor em comparação com o Euro - dito de outra maneira, os detentores de riquezas em dólares perderam duas quintas partes do que tinham quando seu patrimônio é medido em Euros. No entanto, nem esse brutal ajuste foi suficiente para reverter o déficit comercial.
A política monetária foi igualmente irresponsável. Durante boa parte da década o Fed, banco central americano, manteve a taxa de juros igual ou menor que dois por cento ao ano. Foram os juros nominais mais baixos em mais de meio século e muitas vezes estiveram por baixo da inflação (como acontece agora), significando juros reais negativos. Foi outra importante contribuição para a formação da bolha imobiliária que começou a desinflar no ano passado. Também contribuiu para que os agentes econômicos se acostumassem com um nível de juros que não é de forma alguma sustentável. Dada a atual inflação nos Estados Unidos, os juros deveriam estar acima de seis por cento ao ano. Dizer esta obviedade depois de tanto tempo de relaxamento monetário tem o mesmo efeito que blasfemar diante de autoridades eclesiásticas. É verdade que este não é o melhor momento para subir os juros, mas tampouco resolverá nada abaixá-los, como sugerem os mais desesperados.
A invasão do Iraque não foi uma má idéia só do ponto de vista geo-político. Também representou um enorme custo para o Tesouro americano e propiciou o início do aumento do preço do barril do petróleo no mercado mundial. Esse aumento, aliado à especulação financeira, levou à quase decuplicação do preço do barril, implicando numa brutal transferência de riquezas dos países importadores para os exportadores. Principais beneficiados? Arábia Saudita, Irã, Russia, Venezuela... No resto dos países o aumento do preço da energia está causando inflação, que apenas torna mais difícil a resolução dos problemas atuais.
Não há dúvida que o que nós estamos presenciando estes dias são acontecimentos históricos, destes que ocorrem uma ou duas vezes a cada século. Nas próximas horas o Congresso americano estará discutindo o pacote de ajudas ao sistema financeiro. É uma ajuda multi-bilionária, que comprometerá ainda mais as contas governamentais americanas. Dizer que a próxima administração, ganhe quem ganhe, já começará hipotecada é uma banalidade; talvez o mais exato fosse dizer que a administração Bush conseguiu hipotecar a próxima geração. O pior é que nem os 700 bilhões de dólares em discussão no Congresso resolverão os problemas da economia mundial. Na melhor hipótese afastarão o pânico do mercado. Mas não impedirão que continue havendo muita volatilidade e que provavelmente a economia americana entre em recessão.
No meio de todo esse caos, é incrível que as autoridades brasileiras insistam na balela de que a economia do país passará imune pelo vendaval internacional. Para começo de conversa, é mais que provável que a rota de valorização do Real tenha acabado e que esteja começando uma fase de desvalorização sustentada da moeda - algo mais duradouro que a atual volatilidade. Há quem calcule que o cambio de equilíbrio seja de 2,40. Pessoalmente me parece plausível. A pergunta é quanto tempo vai demorar para chegar lá. Até dois meses atrás dois anos parecia uma resposta equilibrada. Pode ser que o horizonte de tempo tenha se estreitado a menos da metade.
O câmbio é um dos preços fundamentais da economia. Uma correção cambial terá consequências para o Brasil, por muito que haja gente com bons argumentos dizendo o contrário. Algo me diz que nosso Presidente em breve deixará de surfar na onda da prosperidade mundial. Tomara que não morra na praia.
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
ASAMG - Delenda Congonhas
Meus pais se mudaram para as proximidades do aeroporto de Congonhas em 1970. Vivem na mesma casa até hoje. Eu morei durante vinte anos lá, portanto cresci ao lado do aeroporto. Na minha infância não houve rua do bairro que eu não percorresse com a minha bicicleta. Tenho inclusive idade para lembrar-me da construção de cada grande obra de infra-estrutura na região: avenidas Vicente Rao e Águas Espraiadas, obras de saneamento (água e esgoto), asfaltamento das ruas, iluminação, o metrô chegando a São Judas, Conceição e Jabaquara, cada ampliação do prédio do aeroporto e um largo etc.
Quando nós nos mudamos para a nossa rua éramos dos primeiros moradores. Meu pai brincava com os amigos que tinha comprado uma casa de campo. No bairros do Campo Belo e Brooklin só havia casas, quase nenhum prédio. Mesmo assim, quatro décadas atrás a cidade já tinha chegado até o aeroporto. Minha bisavó e minha avó moravam em casas perto de onde hoje é o Shopping Ibirapuera (se não me falha a memória o shopping só foi construído por volta de 1976). Já naquela época elas estavam na rota de pouso dos aviões e havia dias em que o barulho das turbinas era bastante incômodo.
Em 1970 a cidade de São Paulo tinha 5,9 milhões de habitantes. Hoje são 10,9. Esses cinco milhões a mais foram viver por todas partes, inclusive na zona sul, ao lado de Congonhas. Não adianta dizer que o aeroporto foi construído no início do século passado, quando o local era um lugar ermo e que foi a cidade que o abraçou - isso agora é história. Se podia ou não ter sido evitado, não faz mais diferença, porque já aconteceu. O aeroporto de Congonhas está agora no meio da cidade e seu funcionamento é um problema cada vez maior, principalmente por questões de segurança.
Recentemente houve um novo acidente: um aviãozinho teve que abortar uma decolagem e quase acaba na avenida. As pistas são muito curtas e sem nenhuma margem nas cabeceiras. Um acidente tem tudo para virar uma catástrofe, como foi o caso no ano passado com o avião da TAM. Deveria ser uma coisa óbvia estar pensando em quando fechá-lo. No entanto, nos últimos anos foram feitos investimentos para aumentar o número de vôos e passageiros. Faz tempo que ouço a reclamação de amigos de outros estados, sobretudo do Rio de Janeiro, queixando-se que não haja vôo nacional que não passe por Congonhas. Os investimentos serviram para que o aeroporto virasse um mini hub nacional. Pode ser economicamente viável a curto prazo, mas na prática é um grande absurdo.
Devíamos para de pensar que um país do tamanho do Brasil tem que concentrar todos seus vôos em uma ou duas cidades. Pior ainda se estas são as duas mais populosas do país. O maior aeroporto da Alemanha está em Frankfurt, uma cidade de 700 mil habitantes e apenas. É também um dos maiores aeroportos da Europa e do mundo. É um exemplo claro que o hub nacional não tem que necessariamente ser na maior cidade. O desenvolvimento dos aeroportos europeus também demonstra que um mesmo país pode ter mais de um hub.
A notícia de que o Governo pensa num novo aeroporto para a cidade de São Paulo é uma grande notícia. Que seja construído pela iniciativa privada, é melhor ainda. Que esteja pensando em privatizar o Galeão e Viracopos quase nem dá para acreditar. Depois de marcar passo durante seis anos, parece que este Governo está acordando para as vantagens de deixar a iniciativa privada operar determinados serviços, em alguns casos privatizando-os. A boa notícia mesmo seria se houvesse um plano para descentralizar o tráfico aéreo no país, sem que São Paulo ou Rio sejam necessariamente o centro da malha.
Pensando no que já vi em outros países e ressalvando que minha opinião é puro achismo, sem estar baseada em dados, me atreveria a dizer que Congonhas é uma exceção: aeroportos no meio de grandes cidades são cada vez mais raros e têm os dias contados (Berlin vai fechar os dois aeroportos que estão no perímetro urbano, Hong Kong fechou o antigo aeroporto, para citar apenas alguns exemplos). Ter um aeroporto pertinho pode ser uma comodidade para quem viaja, mas se os meios de transporte, coletivos e privados, forem eficientes não é um grande problema que os aeroportos estejam distantes do centro - aliás, esta é a regra na maior parte do mundo. Dentro de um plano de descentralização, parece-me perfeitamente natural imaginar que além de Guarulhos e do novo aeroporto, possivelmente em Sorocaba, também haja um aeroporto no Vale do Paraíba, entre Taubaté e São José dos Campos e conectado ao trem de alta velocidade de São Paulo ao Rio. O Nordeste poderia perfeitamente ter um ou dois hubs de vôos intercontinentais. Campinas com Viracopos e outras cidades do interior do estado de São Paulo poderiam ter importantes aeroportos, descentralizando ainda mais o transporte aéreo.
Na campanha à prefeitura de São Paulo sinto falta de que algum dos candidatos esteja defendendo abertamente o fechamento de Congonhas a curto prazo (no máximo logo depois da Copa do Mundo de 2014). A área que ocupa permitiria uma intervenção urbana de grandes dimensões na cidade. Mudaria a cara da zona sul e de São Paulo. Muitas coisas poderiam ser feitas e, tendo claro o objetivo final e a data, o próximo prefeito já poderia estar fazendo obras que levassem à execução desse plano. Muitos candidatos querem se posicionar para no futuro concorrerem ao Governo do Estado ou à Presidência. O melhor seria começar a pensar grande e inovar. A cidade agradeceria.
Quando nós nos mudamos para a nossa rua éramos dos primeiros moradores. Meu pai brincava com os amigos que tinha comprado uma casa de campo. No bairros do Campo Belo e Brooklin só havia casas, quase nenhum prédio. Mesmo assim, quatro décadas atrás a cidade já tinha chegado até o aeroporto. Minha bisavó e minha avó moravam em casas perto de onde hoje é o Shopping Ibirapuera (se não me falha a memória o shopping só foi construído por volta de 1976). Já naquela época elas estavam na rota de pouso dos aviões e havia dias em que o barulho das turbinas era bastante incômodo.
Em 1970 a cidade de São Paulo tinha 5,9 milhões de habitantes. Hoje são 10,9. Esses cinco milhões a mais foram viver por todas partes, inclusive na zona sul, ao lado de Congonhas. Não adianta dizer que o aeroporto foi construído no início do século passado, quando o local era um lugar ermo e que foi a cidade que o abraçou - isso agora é história. Se podia ou não ter sido evitado, não faz mais diferença, porque já aconteceu. O aeroporto de Congonhas está agora no meio da cidade e seu funcionamento é um problema cada vez maior, principalmente por questões de segurança.
Recentemente houve um novo acidente: um aviãozinho teve que abortar uma decolagem e quase acaba na avenida. As pistas são muito curtas e sem nenhuma margem nas cabeceiras. Um acidente tem tudo para virar uma catástrofe, como foi o caso no ano passado com o avião da TAM. Deveria ser uma coisa óbvia estar pensando em quando fechá-lo. No entanto, nos últimos anos foram feitos investimentos para aumentar o número de vôos e passageiros. Faz tempo que ouço a reclamação de amigos de outros estados, sobretudo do Rio de Janeiro, queixando-se que não haja vôo nacional que não passe por Congonhas. Os investimentos serviram para que o aeroporto virasse um mini hub nacional. Pode ser economicamente viável a curto prazo, mas na prática é um grande absurdo.
Devíamos para de pensar que um país do tamanho do Brasil tem que concentrar todos seus vôos em uma ou duas cidades. Pior ainda se estas são as duas mais populosas do país. O maior aeroporto da Alemanha está em Frankfurt, uma cidade de 700 mil habitantes e apenas. É também um dos maiores aeroportos da Europa e do mundo. É um exemplo claro que o hub nacional não tem que necessariamente ser na maior cidade. O desenvolvimento dos aeroportos europeus também demonstra que um mesmo país pode ter mais de um hub.
A notícia de que o Governo pensa num novo aeroporto para a cidade de São Paulo é uma grande notícia. Que seja construído pela iniciativa privada, é melhor ainda. Que esteja pensando em privatizar o Galeão e Viracopos quase nem dá para acreditar. Depois de marcar passo durante seis anos, parece que este Governo está acordando para as vantagens de deixar a iniciativa privada operar determinados serviços, em alguns casos privatizando-os. A boa notícia mesmo seria se houvesse um plano para descentralizar o tráfico aéreo no país, sem que São Paulo ou Rio sejam necessariamente o centro da malha.
Pensando no que já vi em outros países e ressalvando que minha opinião é puro achismo, sem estar baseada em dados, me atreveria a dizer que Congonhas é uma exceção: aeroportos no meio de grandes cidades são cada vez mais raros e têm os dias contados (Berlin vai fechar os dois aeroportos que estão no perímetro urbano, Hong Kong fechou o antigo aeroporto, para citar apenas alguns exemplos). Ter um aeroporto pertinho pode ser uma comodidade para quem viaja, mas se os meios de transporte, coletivos e privados, forem eficientes não é um grande problema que os aeroportos estejam distantes do centro - aliás, esta é a regra na maior parte do mundo. Dentro de um plano de descentralização, parece-me perfeitamente natural imaginar que além de Guarulhos e do novo aeroporto, possivelmente em Sorocaba, também haja um aeroporto no Vale do Paraíba, entre Taubaté e São José dos Campos e conectado ao trem de alta velocidade de São Paulo ao Rio. O Nordeste poderia perfeitamente ter um ou dois hubs de vôos intercontinentais. Campinas com Viracopos e outras cidades do interior do estado de São Paulo poderiam ter importantes aeroportos, descentralizando ainda mais o transporte aéreo.
Na campanha à prefeitura de São Paulo sinto falta de que algum dos candidatos esteja defendendo abertamente o fechamento de Congonhas a curto prazo (no máximo logo depois da Copa do Mundo de 2014). A área que ocupa permitiria uma intervenção urbana de grandes dimensões na cidade. Mudaria a cara da zona sul e de São Paulo. Muitas coisas poderiam ser feitas e, tendo claro o objetivo final e a data, o próximo prefeito já poderia estar fazendo obras que levassem à execução desse plano. Muitos candidatos querem se posicionar para no futuro concorrerem ao Governo do Estado ou à Presidência. O melhor seria começar a pensar grande e inovar. A cidade agradeceria.
segunda-feira, 15 de setembro de 2008
ASAMG - Eleições municipais à vista
Da última vez que escrevi neste Blog estava na Escandinávia, onde passei os três meses de verão. Primeiro fiz um curso de seis semanas em Uppsala, depois fui para Estocolmo, onde terminei de escrever o romance que estava escrevendo. Agora, desde sexta-feira, estou em São Paulo. Provavelmente ficarei bastante tempo. Meu objetivo é procurar editora para o livro. A menos que aconteça algo inesperado que me leve de volta para a Espanha intempestivamente, fico no Brasil até a publicação do livro estar assegurada. Não será do dia para a noite.
Ontem à noite fiz o que considero o programa mais típico do paulistano de classe média: fui com parentes e amigos a uma pizzaria. Antigamente a pizza do domingo à noite era também a da volta do fim-de-semana na praia. Hoje em dia, com o trânsito parando todas as estradas do litoral, as pessoas saem da praia nos horários mais absurdos e já não dá mais para comer uma pizza ao chegar em São Paulo. Mas os que ficam na cidade não perdem o hábito: apesar do tempo feio e meio-frio, a pizzaria lotou.
Nossa conversa foi sobre amenidades, mas lá pelas tantas acabamos falando de eleição. Como não houve polêmica, não nos alargamos no assunto. Até onde posso me lembrar, a última eleição na qual votei foi a de Presidente, quando o Collor derrotou o Lula. Deve ter havido outras duas mais antes de eu me mudar para a Europa, mas não me lembro de ter votado. Enfim, depois de tanto tempo, desta vez faço questão de comparecer às urnas. Perguntam-me em quem ia votar: "Em qualquer um que possa ganhar da Marta Suplicy, menos no Maluf, é claro". Minha mesa não era de petistas, houve alívio e sinal de aprovação. Por uma razão ou outra, ali todos eram contra a Marta. A rejeição a ela não é nenhuma fantasia estatística, é uma realidade, ao menos entre a classe média da zona sul. Então uma das moças disse que votaria no atual prefeito, Gilberto Kassab, e argumentou que a lei da cidade limpa tinha sido uma grande realização dele e que não tinha sido fácil. Ontem mesmo tinha pensado que era curioso haver eleições em poucas semanas e não se ver a sujeirada eleitoral que costumava emporcalhar a cidade. Não liguei o efeito com a causa: claro, a cidade está limpa de propaganda eleitoral por causa da lei do prefeito. Achei que a moça tinha razão, aquela já era uma boa razão para reelegê-lo.
É uma pena que as eleições municipais sejam um tiroteio de propostas, sem nenhum eixo que dê coerência ao que os diferentes candidatos a prefeitos pretendem fazer para melhorar a vida dos moradores das suas respectivas cidades. Em poucas palavras, é uma pena que nenhum partido tenha uma clara proposta de política urbana para o país e que sirva de linha mestra para orientar os seus programas eleitorais nas diferentes cidades onde apresenta candidatos. A questão agrária, cada vez mais irrelevante (há menos moradores no campo e são uma proporção cada vez menor da população do país), continua despertando emoções e fazendo manchetes. A questão urbana, o problema mais relevante, é relegado a segundo plano.
Continuo opinando que qualquer política urbana deveria ser coerente com uma visão de país para o ano 2050. Uma visão que explicite o que queremos ser como sociedade, o tipo de economia que queremos ter, as prioridades nacionais, os valores fundamentais, nosso posicionamento geopolítico. Tive uma grata surpresa ao ver que a revista "Veja" promoveu um seminário para falar do assunto e publicou 40 idéias para o Brasil de amanhã. Ainda não li a reportagem, mas achei a iniciativa sensacional. O debate é importante e principalmente que não fique na dependência do partido que esteja no Governo do país. A sociedade tem instituições de sobra para promover e fazer avançar este tipo de debate. Voltarei ao assunto em outra ocasião.
Mesmo não tendo este projeto de país claro, ainda assim algumas perguntas básicas de política urbana deveriam começar a ser respondidas. A primeira delas, até quando queremos continuar incentivando o desastre que é a concentração de população nas duas maiores metrópoles brasileiras. Não é fácil pensar que São Paulo e Rio deveriam diminuir de tamanho, é o contrário do que ouvimos durante a maior parte do século passado, mas a vida em ambas cidades virou um tormento e as necessidades de infra-estrutura para uma população crescente são muito mais caras que numa cidade de menor porte.
Assim, meu candidato preferido para qualquer cargo seria o político que dissesse explicitamente que São Paulo e Rio precisam não só parar de crescer (já está acontecendo), como diminuir de tamanho e as políticas públicas deveriam incentivar que isso aconteça. Meu candidato ideal a prefeito também diria explicitamente que vai terminar a Avenida das Águas Espraiadas. O candidato ideal a Governador se comprometeria inapelavemente com o Rodoanel, o metrô e a coleta e tratamento de esgotos em todo o Estado. E novamente o candidato ideal a qualquer cargo teria uma proposta potente, prática e baseada em dados, não em achismos ideológicos, de como melhorar a educação no país de uma forma que possa ser objetivamente medível.
Para terminar, meu candidato ideal a prefeito da cidade de São Paulo, assim como Governador e Presidente seriam aquelas pessoas que defendessem o fechamento do aeroporto de Congonhas num horizonte de tempo razoável - por exemplo logo depois da Copa do Mundo. Seria a maior oportunidade de transformar a qualidade de vida na cidade. Um tema que me parece tão relevante que voltarei a ele na quinta-feira.
Ontem à noite fiz o que considero o programa mais típico do paulistano de classe média: fui com parentes e amigos a uma pizzaria. Antigamente a pizza do domingo à noite era também a da volta do fim-de-semana na praia. Hoje em dia, com o trânsito parando todas as estradas do litoral, as pessoas saem da praia nos horários mais absurdos e já não dá mais para comer uma pizza ao chegar em São Paulo. Mas os que ficam na cidade não perdem o hábito: apesar do tempo feio e meio-frio, a pizzaria lotou.
Nossa conversa foi sobre amenidades, mas lá pelas tantas acabamos falando de eleição. Como não houve polêmica, não nos alargamos no assunto. Até onde posso me lembrar, a última eleição na qual votei foi a de Presidente, quando o Collor derrotou o Lula. Deve ter havido outras duas mais antes de eu me mudar para a Europa, mas não me lembro de ter votado. Enfim, depois de tanto tempo, desta vez faço questão de comparecer às urnas. Perguntam-me em quem ia votar: "Em qualquer um que possa ganhar da Marta Suplicy, menos no Maluf, é claro". Minha mesa não era de petistas, houve alívio e sinal de aprovação. Por uma razão ou outra, ali todos eram contra a Marta. A rejeição a ela não é nenhuma fantasia estatística, é uma realidade, ao menos entre a classe média da zona sul. Então uma das moças disse que votaria no atual prefeito, Gilberto Kassab, e argumentou que a lei da cidade limpa tinha sido uma grande realização dele e que não tinha sido fácil. Ontem mesmo tinha pensado que era curioso haver eleições em poucas semanas e não se ver a sujeirada eleitoral que costumava emporcalhar a cidade. Não liguei o efeito com a causa: claro, a cidade está limpa de propaganda eleitoral por causa da lei do prefeito. Achei que a moça tinha razão, aquela já era uma boa razão para reelegê-lo.
É uma pena que as eleições municipais sejam um tiroteio de propostas, sem nenhum eixo que dê coerência ao que os diferentes candidatos a prefeitos pretendem fazer para melhorar a vida dos moradores das suas respectivas cidades. Em poucas palavras, é uma pena que nenhum partido tenha uma clara proposta de política urbana para o país e que sirva de linha mestra para orientar os seus programas eleitorais nas diferentes cidades onde apresenta candidatos. A questão agrária, cada vez mais irrelevante (há menos moradores no campo e são uma proporção cada vez menor da população do país), continua despertando emoções e fazendo manchetes. A questão urbana, o problema mais relevante, é relegado a segundo plano.
Continuo opinando que qualquer política urbana deveria ser coerente com uma visão de país para o ano 2050. Uma visão que explicite o que queremos ser como sociedade, o tipo de economia que queremos ter, as prioridades nacionais, os valores fundamentais, nosso posicionamento geopolítico. Tive uma grata surpresa ao ver que a revista "Veja" promoveu um seminário para falar do assunto e publicou 40 idéias para o Brasil de amanhã. Ainda não li a reportagem, mas achei a iniciativa sensacional. O debate é importante e principalmente que não fique na dependência do partido que esteja no Governo do país. A sociedade tem instituições de sobra para promover e fazer avançar este tipo de debate. Voltarei ao assunto em outra ocasião.
Mesmo não tendo este projeto de país claro, ainda assim algumas perguntas básicas de política urbana deveriam começar a ser respondidas. A primeira delas, até quando queremos continuar incentivando o desastre que é a concentração de população nas duas maiores metrópoles brasileiras. Não é fácil pensar que São Paulo e Rio deveriam diminuir de tamanho, é o contrário do que ouvimos durante a maior parte do século passado, mas a vida em ambas cidades virou um tormento e as necessidades de infra-estrutura para uma população crescente são muito mais caras que numa cidade de menor porte.
Assim, meu candidato preferido para qualquer cargo seria o político que dissesse explicitamente que São Paulo e Rio precisam não só parar de crescer (já está acontecendo), como diminuir de tamanho e as políticas públicas deveriam incentivar que isso aconteça. Meu candidato ideal a prefeito também diria explicitamente que vai terminar a Avenida das Águas Espraiadas. O candidato ideal a Governador se comprometeria inapelavemente com o Rodoanel, o metrô e a coleta e tratamento de esgotos em todo o Estado. E novamente o candidato ideal a qualquer cargo teria uma proposta potente, prática e baseada em dados, não em achismos ideológicos, de como melhorar a educação no país de uma forma que possa ser objetivamente medível.
Para terminar, meu candidato ideal a prefeito da cidade de São Paulo, assim como Governador e Presidente seriam aquelas pessoas que defendessem o fechamento do aeroporto de Congonhas num horizonte de tempo razoável - por exemplo logo depois da Copa do Mundo. Seria a maior oportunidade de transformar a qualidade de vida na cidade. Um tema que me parece tão relevante que voltarei a ele na quinta-feira.
sexta-feira, 1 de agosto de 2008
ASAMG - Uma questão de imagem
Dentro de uma semana começam os jogos olímpicos de Pequim. A cerimônia de abertura me causa ansiedade: será que o COB uma vez mais submeterá os atletas brasileiros à humilhação de ter que desfilar como se estivessem indo para um baile de carnaval? Até onde chega minha memória, não me lembro de nenhuma olimpíada em que nossos atletas tivessem desfilado com trajes discretos. Infalivelmente eles entram no estádio olímpico vestindo roupas coloridas, extravagantes. Será que desta vez será diferente? Qui vivra verra, mas temo que a tradição não seja quebrada.
Com certeza há muita gente que acha o máximo essa corocada. Afinal, não somos o país do carnaval e do futebol, do tropicalismo, da alegria, a nova Roma tropical na inesquecível bobagem do falecido senador Darcy Ribeiro? Então, nada mais normal do que apresentar-se a bilhões de expectadores urbi et orbi fantasiados. É a melhor maneira de reforçar a imagem que os brasileiros querem que o mundo tenha do nosso país.
Será que é mesmo? Quem se identifica com essa parafernália tropicalista que nos rotula há mais de quarenta anos? Não duvido que uma parte da população se olhe no espelho e se sinta retratada. Mas há os que não. Talvez não precise dizer que não me sinto nem um pouco identificado com essa imagem do Brasil e dos brasileiros. Tampouco sou visto como tal. Na Europa incontáveis vezes ouvi o comentário "você nem parece brasileiro", ao qual sempre respondo: "engano seu, sou 100% brasileiro, só não correspondo à imagem que você faz do Brasil".
É preocupante que no Brasil não exista este debate. Os partidos políticos, os estudantes, os governantes, a imprensa, os intelectuais, as organizações profissionais de trabalhadores e patrões, todo mundo que quisesse deveria estar se perguntando dia sim, dia não qual é a nossa aspiração como sociedade. Está na hora de sabermos o que queremos ser quando crescermos. Só tamanho e sacanagem é uma fórmula engraçada, simpática, mas que não funciona. Precisamos de uma visão de país. No mundo globablizado e competitivo, com tantos países emergentes que possivelmente serão ricos em vinte ou trinta anos, deveríamos estar preocupados com o nosso posicionamento. Sei que estes são conceitos de marketing e não políticos, mas mesmo assim a pergunta é relevante: o que queremos para o Brasil dos próximos quarenta anos? Como queremos chegar ao ano 2050?
Minha experiência nestes anos fora do país me diz que as palavras que se associam ao Brasil são: futebol, carnaval, Copacabana, pobreza, desigualdade e violência. É opinática, não é dado estatístico, mas o Governo ou qualquer entidade que tenha dinheiro para pagar não teria o menor problema de encomendar uma pesquisa de opinião em duas dezenas de países e perguntar qual é a nossa imagem no exterior. Depois nós mesmos deveríamos pensar se este é o país que queremos. É claro que é legal ganhar copas do mundo e ser o país que mais ganhou, mas é suficiente? Carnaval é uma delícia, mas e o resto do ano? Se nós só quisermos ser o país do carnaval e do futebol, o Brasil vai acabar sendo sempre o país da desigualdade e da violência.
Crescer, ser mais ricos, diminuir a desigualdade social, melhorar as infraestruturas, todos estes são objetivos ao mesmo tempo válidos e vagos. É que são óbvios, valem para qualquer país e a qualquer momento. Para chegar a uma visão que seja única a primeira pergunta que temos que fazer é: em que queremos ser diferentes na América Latina e no mundo? Queremos simbolizar algo? O que?
Para começar podemos descartar o que não temos nenhuma condição de ser, ao menos não neste século: não seremos nem o país mais rico do mundo, nem o mais populoso, nem o mais poderoso militarmente e dificilmente seríamos o maior polo de criação e irradiação de cultura do planeta. Outros países estão na nossa frente e contam com melhores condições para manter a dianteira. Não é nenhum problema - para que iríamos querer ser o país mais poderoso militarmente da face da terra? Ser o mais populoso seria um grande problema e não uma vantagem e tampouco precisamos ser os mais ricos, bastaria com sermos suficientemente desenvolvidos para que todos tivessem oportunidades na vida e pudessem se encarregar da sua própria prosperidade.
Por outro lado há mínimos que deveriam estar em qualquer visão. Democracia, liberdade, justiça e educação universal de qualidade me parecem os mais importantes. Estamos melhor nuns aspectos que em outros - educação provavelmente é o pior deles e com isso comprometemos o nosso futuro. Porém ainda nos falta o que nos torne únicos. Não é fácil encontrar, mas há algo que é central para o país e importante para o mundo: a Amazônia. No Brasil há muita histeria sobre o papel dos estrangeiros na região e as supostas ameaças à nossa soberania. Histeria à parte, deveríamos pensar seriamente sobre como defender as fronteiras e garantir a soberania sobre o território. É preciso preservar a floresta e os ecossistemas, mas ao mesmo tempo também é necessário desenhar um modelo de desenvolvimento econômico e social que permita a exploração dos recursos naturais que estão na floresta.
Com o gancho da Amazônia ocorreu-me que talvez uma visão possível para o Brasil da metade do século seja a de ser a mais rica e desenvolvida eco-democracia do planeta. Isso envolveria idéias para a política urbana e populacional, tratamento da água, preservação das costas, desenvolvimento de uma indústria do turismo sustentável, maior rigor no impacto ambiental de projetos industriais e um largo etcétera. Poderíamos evitar muitos dos erros e dos problemas de outros países e transformar o Brasil num dos líderes mundiais no assunto.
A sugestão acima é apenas uma idéia. Necessitamos objetivos nacionais para poder dar sentido às atuações da sociedade e aos investimentos dos diversos governos e da iniciativa privada. Do contrário continuaremos cada qual atirando para um lado. Mais ainda, precisamos de debate de idéias, de gente que vá a público dizer o que pensa, contestar a opinião dos demais, para ir formando consensos e desenvolvendo valores de longo prazo. O bom-mocismo tropicalista e edonista da década de sessenta está mais do que esgotado. Além de boa música, não nos deixou nada mais de relevante. Precisamos urgentemente de idéias novas para o futuro.
Mesmo que a eco-democracia fosse uma visão válida, isso não significa que nos próximos jogos olímpicos nossos atletas tenham que desfilar fantasiados de palmeiras. Ecológicos ou não, nada nos impede de dar ao mundo uma imagem mais sóbria de nós mesmo. Ajudaria muito mais do que se costuma pensar pelaí.
Com certeza há muita gente que acha o máximo essa corocada. Afinal, não somos o país do carnaval e do futebol, do tropicalismo, da alegria, a nova Roma tropical na inesquecível bobagem do falecido senador Darcy Ribeiro? Então, nada mais normal do que apresentar-se a bilhões de expectadores urbi et orbi fantasiados. É a melhor maneira de reforçar a imagem que os brasileiros querem que o mundo tenha do nosso país.
Será que é mesmo? Quem se identifica com essa parafernália tropicalista que nos rotula há mais de quarenta anos? Não duvido que uma parte da população se olhe no espelho e se sinta retratada. Mas há os que não. Talvez não precise dizer que não me sinto nem um pouco identificado com essa imagem do Brasil e dos brasileiros. Tampouco sou visto como tal. Na Europa incontáveis vezes ouvi o comentário "você nem parece brasileiro", ao qual sempre respondo: "engano seu, sou 100% brasileiro, só não correspondo à imagem que você faz do Brasil".
É preocupante que no Brasil não exista este debate. Os partidos políticos, os estudantes, os governantes, a imprensa, os intelectuais, as organizações profissionais de trabalhadores e patrões, todo mundo que quisesse deveria estar se perguntando dia sim, dia não qual é a nossa aspiração como sociedade. Está na hora de sabermos o que queremos ser quando crescermos. Só tamanho e sacanagem é uma fórmula engraçada, simpática, mas que não funciona. Precisamos de uma visão de país. No mundo globablizado e competitivo, com tantos países emergentes que possivelmente serão ricos em vinte ou trinta anos, deveríamos estar preocupados com o nosso posicionamento. Sei que estes são conceitos de marketing e não políticos, mas mesmo assim a pergunta é relevante: o que queremos para o Brasil dos próximos quarenta anos? Como queremos chegar ao ano 2050?
Minha experiência nestes anos fora do país me diz que as palavras que se associam ao Brasil são: futebol, carnaval, Copacabana, pobreza, desigualdade e violência. É opinática, não é dado estatístico, mas o Governo ou qualquer entidade que tenha dinheiro para pagar não teria o menor problema de encomendar uma pesquisa de opinião em duas dezenas de países e perguntar qual é a nossa imagem no exterior. Depois nós mesmos deveríamos pensar se este é o país que queremos. É claro que é legal ganhar copas do mundo e ser o país que mais ganhou, mas é suficiente? Carnaval é uma delícia, mas e o resto do ano? Se nós só quisermos ser o país do carnaval e do futebol, o Brasil vai acabar sendo sempre o país da desigualdade e da violência.
Crescer, ser mais ricos, diminuir a desigualdade social, melhorar as infraestruturas, todos estes são objetivos ao mesmo tempo válidos e vagos. É que são óbvios, valem para qualquer país e a qualquer momento. Para chegar a uma visão que seja única a primeira pergunta que temos que fazer é: em que queremos ser diferentes na América Latina e no mundo? Queremos simbolizar algo? O que?
Para começar podemos descartar o que não temos nenhuma condição de ser, ao menos não neste século: não seremos nem o país mais rico do mundo, nem o mais populoso, nem o mais poderoso militarmente e dificilmente seríamos o maior polo de criação e irradiação de cultura do planeta. Outros países estão na nossa frente e contam com melhores condições para manter a dianteira. Não é nenhum problema - para que iríamos querer ser o país mais poderoso militarmente da face da terra? Ser o mais populoso seria um grande problema e não uma vantagem e tampouco precisamos ser os mais ricos, bastaria com sermos suficientemente desenvolvidos para que todos tivessem oportunidades na vida e pudessem se encarregar da sua própria prosperidade.
Por outro lado há mínimos que deveriam estar em qualquer visão. Democracia, liberdade, justiça e educação universal de qualidade me parecem os mais importantes. Estamos melhor nuns aspectos que em outros - educação provavelmente é o pior deles e com isso comprometemos o nosso futuro. Porém ainda nos falta o que nos torne únicos. Não é fácil encontrar, mas há algo que é central para o país e importante para o mundo: a Amazônia. No Brasil há muita histeria sobre o papel dos estrangeiros na região e as supostas ameaças à nossa soberania. Histeria à parte, deveríamos pensar seriamente sobre como defender as fronteiras e garantir a soberania sobre o território. É preciso preservar a floresta e os ecossistemas, mas ao mesmo tempo também é necessário desenhar um modelo de desenvolvimento econômico e social que permita a exploração dos recursos naturais que estão na floresta.
Com o gancho da Amazônia ocorreu-me que talvez uma visão possível para o Brasil da metade do século seja a de ser a mais rica e desenvolvida eco-democracia do planeta. Isso envolveria idéias para a política urbana e populacional, tratamento da água, preservação das costas, desenvolvimento de uma indústria do turismo sustentável, maior rigor no impacto ambiental de projetos industriais e um largo etcétera. Poderíamos evitar muitos dos erros e dos problemas de outros países e transformar o Brasil num dos líderes mundiais no assunto.
A sugestão acima é apenas uma idéia. Necessitamos objetivos nacionais para poder dar sentido às atuações da sociedade e aos investimentos dos diversos governos e da iniciativa privada. Do contrário continuaremos cada qual atirando para um lado. Mais ainda, precisamos de debate de idéias, de gente que vá a público dizer o que pensa, contestar a opinião dos demais, para ir formando consensos e desenvolvendo valores de longo prazo. O bom-mocismo tropicalista e edonista da década de sessenta está mais do que esgotado. Além de boa música, não nos deixou nada mais de relevante. Precisamos urgentemente de idéias novas para o futuro.
Mesmo que a eco-democracia fosse uma visão válida, isso não significa que nos próximos jogos olímpicos nossos atletas tenham que desfilar fantasiados de palmeiras. Ecológicos ou não, nada nos impede de dar ao mundo uma imagem mais sóbria de nós mesmo. Ajudaria muito mais do que se costuma pensar pelaí.
quinta-feira, 10 de julho de 2008
ASAMG - O Tempo não para
Estou em Uppsala, na Suécia, onde cheguei há cinco semanas. Não é a primeira vez que passo férias de verão na Escandinávia. Desde 1988 venho regularmente. Entre 1988 e 1997 vim quase todos os anos por pelo menos parte das minhas férias. Ao mudar-me para a Espanha em 1998 passei a vir principalmente a trabalho. Fazia dez anos que não passava uma longa temporada por aqui. Nestas cinco semanas pude constatar que muitas coisas mudaram ao longo destes anos.
Na minha primeira visita a Estocolmo cheguei em pleno midsommar dag (dia do meio do verão, sempre um sábado). Midsommar é comemorado no fim-de-semana mais próximo ao solstício de verão, normalmente o último fim-de-semana de Juho. As pessoas trabalham na sexta-feira até a hora do almoço, depois vão para o campo ou para algum parque, montam um poste decorado de flores e entre a família e os amigos dançam em volta deste poste. As festas se prolongam noite a dentro - midsommar afton ou noite do meio de verão. Dependendo de onde se esteja na Suécia, nesta época do ano praticamente não há noite - ao menos no horizonte há sempre luz do dia. Mais ao norte há lugares onde o sol não se põe.
A festa de midsommar é a mais importante na Suécia depois do Natal. Algumas pessoas argumentam que é inclusive mais importante que o Natal, pois todos celebram o verão, mas nem todos são cristãos, portanto nem todo mundo vê um significado especial nos dias 24 e 25 de Dezembro. Quando cheguei a Estocolmo no midsommar de 1989 a cidade estava praticamente vazia. Mais impressionante, não havia nenhuma loja aberta. Ninguém trabalhava naquele fim-de.semana. Até para encontrar um lugar para comer era difícil. As duas únicas alternativas eram a estação de trem ou o aeroporto de Arlanda.
Desta vez o horário de funcionamento das lojas foi o primeiro que me surpreendeu ao chegar a Uppsala, num domingo. O supermercado ao lado do apartamento onde estou hospedado estava aberto. Agora os supermercados podem abrir todos os dias, inclusive aos domingos, de 08:00 a 23:00. Um horário muito mais flexível do que em Barcelona por exemplo. Há vinte anos seria impensável. Mais inacreditável foi constatar que os supermercados abriram também nos três dias do midsommar, ainda que com horário restrito. A maioria dos restaurantes na cidade também estavam abertos. Uma revolução em comparação com a Suécia do passado.
Outra mudança surpreendente, a pesar de não ser visível para turistas, está no sistema de ensino. Faz alguns anos foram criadas escolas privadas, mantidas com dinheiro público. Particulares que queiram criar uma escola podem fazê-lo. O Estado paga por cada aluno matriculado. A quantia é compatível com o que custa manter um aluno na rede pública e também suficiente para que as escolas possam dar um pequeno lucro. A novidade se extende cada vez mais e atualmente 10% dos alunos estudam em escolas privadas, uma revolução no país da social-democracia. Perguntei a vários amigos o que pensam sobre o assunto. Os mais velhos são mais céticos e às vezes críticos. Sua preocupação é que se introduza diferenças entre a educação recebida pelas crianças dependendo de onde estudem. Também os preocupa o resultado a longo prazo. Mas quando argumento que os pais sempre têm a possibilidade de decidir a que escola mandar seus filhos e que os resultados dos exames dos alunos das escolas privadas são acima da média, eles reconhecem que ambos aspectos são verdadeiros.
Poderia continuar com uma longa lista de como a sociedade sueca atual é diferente da dos anos setenta. Estou fazendo um curso. Minha professora contou outro dia que naquela época os livros de "Pipi meias-longas" eram considerados capitalistas e portanto inapropriados para crianças. Ela lia para seus filhos o livro do "Camarada Jesus", um personagem estilizado sobre a figural de Che Guevara. A invasão do Estado na vida das pessoas, os altos impostos e uma desesperada busca da igualdade eram outro aspecto da sociedade sueca daqueles tempos. Hoje muitas coisas mudaram e certos conceitos são deixados para tras. Até a convenção de tratar todo mundo de "você" (du), com a única exceção do Rei e da Rainha, uma marca do igualitarismo sueco desde os anos 60, está mudando. Cada vez mais em lojas e restaurantes os clientes são tratados de senhor ou senhora (ni), uma tendência que choca os mais velhos, que viveram com entusiasmo a revolução do "du" (você).
Nestas cinco semanas na Escandinávia vou constatando o quanto esta sociedade é dinâmica e se adapta aos novos tempos. As vezes é preciso repensar certos conceitos ou superar certos tabus e idéias ultrapassadas. Não é fácil, mas está acontecendo. Quando vejo todas estas mudanças não posso deixar de comparar com o Brasil e com o difícil que é adotar idéias novas no nosso país. A patrulha ideológica continua viva e atuante. Os chavões dos anos 50 se resistem a morrer e dar passagem a idéias mais conformes com os tempos em que vivemos. É uma pena!
Da Suécia para a Colômbia. Não queria terminar este post sem mencionar a alegria que senti com a notícia da libertação de Ingrid Betancourt e outros 14 reféns que estavam nas mãos dos narco-guerrilheiros das FARCs. Alegro-me pelas pessoas que recuperaram sua liberdade e pelo tremendo golpe que representou contra o grupo esquerdista. O fim deste pesadelo parece estar cada dia mais próximo e isso é ótima notícia, não só para a Colômbia, mas para toda América Latina.
O detalhe patético foi a nota do Fidel Castro, dizendo ser contra o sequestro político praticado pelas FARC. Agora que é carta fora do baralho, está doente e próximo do final é muito fácil para Fidel fazer este tipo de declaração. Porque não condenou estes sequestros anos atrás, quando ocorreram? Mais importante, porque não defende a liberdade dos presos políticos que estão nas prisões cubanas, para onde ele mesmo os mandou? Oportunismo político pode ser realmente desprezível! Mas o que mais poderíamos esperar de alguém como Fidel Castro?
Na minha primeira visita a Estocolmo cheguei em pleno midsommar dag (dia do meio do verão, sempre um sábado). Midsommar é comemorado no fim-de-semana mais próximo ao solstício de verão, normalmente o último fim-de-semana de Juho. As pessoas trabalham na sexta-feira até a hora do almoço, depois vão para o campo ou para algum parque, montam um poste decorado de flores e entre a família e os amigos dançam em volta deste poste. As festas se prolongam noite a dentro - midsommar afton ou noite do meio de verão. Dependendo de onde se esteja na Suécia, nesta época do ano praticamente não há noite - ao menos no horizonte há sempre luz do dia. Mais ao norte há lugares onde o sol não se põe.
A festa de midsommar é a mais importante na Suécia depois do Natal. Algumas pessoas argumentam que é inclusive mais importante que o Natal, pois todos celebram o verão, mas nem todos são cristãos, portanto nem todo mundo vê um significado especial nos dias 24 e 25 de Dezembro. Quando cheguei a Estocolmo no midsommar de 1989 a cidade estava praticamente vazia. Mais impressionante, não havia nenhuma loja aberta. Ninguém trabalhava naquele fim-de.semana. Até para encontrar um lugar para comer era difícil. As duas únicas alternativas eram a estação de trem ou o aeroporto de Arlanda.
Desta vez o horário de funcionamento das lojas foi o primeiro que me surpreendeu ao chegar a Uppsala, num domingo. O supermercado ao lado do apartamento onde estou hospedado estava aberto. Agora os supermercados podem abrir todos os dias, inclusive aos domingos, de 08:00 a 23:00. Um horário muito mais flexível do que em Barcelona por exemplo. Há vinte anos seria impensável. Mais inacreditável foi constatar que os supermercados abriram também nos três dias do midsommar, ainda que com horário restrito. A maioria dos restaurantes na cidade também estavam abertos. Uma revolução em comparação com a Suécia do passado.
Outra mudança surpreendente, a pesar de não ser visível para turistas, está no sistema de ensino. Faz alguns anos foram criadas escolas privadas, mantidas com dinheiro público. Particulares que queiram criar uma escola podem fazê-lo. O Estado paga por cada aluno matriculado. A quantia é compatível com o que custa manter um aluno na rede pública e também suficiente para que as escolas possam dar um pequeno lucro. A novidade se extende cada vez mais e atualmente 10% dos alunos estudam em escolas privadas, uma revolução no país da social-democracia. Perguntei a vários amigos o que pensam sobre o assunto. Os mais velhos são mais céticos e às vezes críticos. Sua preocupação é que se introduza diferenças entre a educação recebida pelas crianças dependendo de onde estudem. Também os preocupa o resultado a longo prazo. Mas quando argumento que os pais sempre têm a possibilidade de decidir a que escola mandar seus filhos e que os resultados dos exames dos alunos das escolas privadas são acima da média, eles reconhecem que ambos aspectos são verdadeiros.
Poderia continuar com uma longa lista de como a sociedade sueca atual é diferente da dos anos setenta. Estou fazendo um curso. Minha professora contou outro dia que naquela época os livros de "Pipi meias-longas" eram considerados capitalistas e portanto inapropriados para crianças. Ela lia para seus filhos o livro do "Camarada Jesus", um personagem estilizado sobre a figural de Che Guevara. A invasão do Estado na vida das pessoas, os altos impostos e uma desesperada busca da igualdade eram outro aspecto da sociedade sueca daqueles tempos. Hoje muitas coisas mudaram e certos conceitos são deixados para tras. Até a convenção de tratar todo mundo de "você" (du), com a única exceção do Rei e da Rainha, uma marca do igualitarismo sueco desde os anos 60, está mudando. Cada vez mais em lojas e restaurantes os clientes são tratados de senhor ou senhora (ni), uma tendência que choca os mais velhos, que viveram com entusiasmo a revolução do "du" (você).
Nestas cinco semanas na Escandinávia vou constatando o quanto esta sociedade é dinâmica e se adapta aos novos tempos. As vezes é preciso repensar certos conceitos ou superar certos tabus e idéias ultrapassadas. Não é fácil, mas está acontecendo. Quando vejo todas estas mudanças não posso deixar de comparar com o Brasil e com o difícil que é adotar idéias novas no nosso país. A patrulha ideológica continua viva e atuante. Os chavões dos anos 50 se resistem a morrer e dar passagem a idéias mais conformes com os tempos em que vivemos. É uma pena!
Da Suécia para a Colômbia. Não queria terminar este post sem mencionar a alegria que senti com a notícia da libertação de Ingrid Betancourt e outros 14 reféns que estavam nas mãos dos narco-guerrilheiros das FARCs. Alegro-me pelas pessoas que recuperaram sua liberdade e pelo tremendo golpe que representou contra o grupo esquerdista. O fim deste pesadelo parece estar cada dia mais próximo e isso é ótima notícia, não só para a Colômbia, mas para toda América Latina.
O detalhe patético foi a nota do Fidel Castro, dizendo ser contra o sequestro político praticado pelas FARC. Agora que é carta fora do baralho, está doente e próximo do final é muito fácil para Fidel fazer este tipo de declaração. Porque não condenou estes sequestros anos atrás, quando ocorreram? Mais importante, porque não defende a liberdade dos presos políticos que estão nas prisões cubanas, para onde ele mesmo os mandou? Oportunismo político pode ser realmente desprezível! Mas o que mais poderíamos esperar de alguém como Fidel Castro?
quarta-feira, 2 de julho de 2008
ASAMG - Quem é burro pede a Deus que o mate e ao Diabo que o carregue
Leio nos jornais on-line que a cúpula do Mercosul aprovou uma declaração rejeitando as medidas que a União Européia adotou para combater a imigração ilegal. Segundo as reportagens que li, a iniciativa de endurecer o conteúdo da declaração foi iniciativa da diplomacia brasileira. Senti dupla vergonha: primeiro pelo papel desempenhado pelo Itamarati no tal endurecimento - é apenas uma prova mais do primitivismo terceiro mundista da nossa diplomacia. Depois senti o que na Espanha chamam de "vergüenza ajena", que nada mais é que o desconcerto quando alguém faz algo francamente ridículo.
A imigração é um tema fascinante e provavelmente no século XXI vai ter uma importância ainda maior, mas pelas razões opostas às que as pessoas costumam pensar. Talvez não esteja longe o momento em que os países vão competir para atrair imigrantes, tal como acontece com os trabalhadores melhor preparados, os "talentos". Pessoalmente sou a favor da maior liberdade possível para os movimentos migratórios, apesar de reconhecer que não dá para ser utópico e defender o fim das fronteiras - ou fazer de conta que os aspectos culturais não importam para o convívio social. Acho que a nova política da UE não é adequada aos interesses dos seus países membros. Mas hoje não quero escrever sobre isso. Apenas quero aproveitar a oportunidade para continuar o tema da semana passada, sobre os perfeitos idiotas latino-americanos.
O primeiro comentário é apenas uma formalidade, mas mesmo assim não posso evitá-lo. Não conheço nenhum país que não tenha leis sobre imigração. Duvido que haja algum. Portanto, se há leis o que se espera é que elas sejam cumpridas. Se não o são, tem que haver uma consequência. Isso é B-A-BA do Estado de Direito, a base de funcionamento das democracias. Não há ninguém nas chancelarias do Mercosul com suficiente simancol para perceber o ridículo que é protestar que a UE tenha sanções contra aqueles que infrigem suas leis? Nossos presidentes protestam que os ilegais sejam punidos. Como podem protestar que haja uma consequência para os que estão ilegalmente em outro país? É totalmente ilógico. Aliás, a primeira pergunta de todas deveria ser porque não aproveitam uma cúpula do Mercosul e protestam contra o governo Cubano que não permite a seus cidadãos emigrarem livremente se assim o desejarem? Mas esta é uma pergunta retórica, pois todos nós sabemos a resposta.
Ao longo do século passado, em vários momentos, Cuba, Venezuela e Argentina foram países que atrairam milhões de imigrantes, muitos dos quais espanhois. Estes emigrantes estavam tentando fugir de alguma ditadura, por exemplo os exilados da ditadura fascista do general Franco, ou iam em busca de melhor vida material. Iam fazer América. Emigravam, trabalhavam duro e conseguiam prosperar. Provavelmente a pergunta realmente relevante na América Latina seja: "porque hoje o fluxo é no sentido contrário"? Bueno, os coitados dos cubanos não podem cair fora, têm que aguentar o paraíso socialista sem dar pio. Mas como é possível que países que eram prósperos e atraíam imigrantes hoje estejam exportando gente?
Realmente seria muito chato ter que reconhecer que os cubanos que tiveram a sorte de poder escapar da ilha se mandaram por culpa da ditadura castrista e ou da pobreza. Mais chato ainda seria liberar a saída do país, o tal direito de ir e vir, e de repente haver um êxodo de cubanos tentando dar o fora. Em Cuba o risco do "último apaga a luz" não está longe da realidade.
Em mais de quinze anos vivendo na Europa tive a sorte de conhecer muitos venezuelanos, tanto residentes legais como ilegais, assim como de diferentes extrações sociais. Nunca conheci um imigrante venezuelano que falasse bem do comandante Chávez. Talvez haja. No entanto, muitos dos que chegaram nos últimos anos dizem abertamente que foram embora da Venezuela por causa do Chavez. Por vergonha, medo ou cansaço do besteirol bolivariano e do socialismo do século XXI. Que desagradável esta gente, não? Claro que as outras razões que motivam tantos latino-americanos a emigrar também são citadas, como a pobreza, a violència urbana, as falhas da justiça, a falta de perspectivas. Mas ainda nestes casos, de quem é responsabilidade de resolver ou ao menos atenuar estes problemas? Dos respectivos presidentes, pode ser?
A Argentina é outro caso dramático. Foi um dos países mais ricos do planeta a princípios do século passado e tem tudo para voltar a sê-lo, mesmo assim há filas inesgotáveis de argentinos tentando conseguir um passaporte europeu e pular fora quando possa. A maioria que encontrei pelo caminho se mostra cansada com os desatinos do peronismo e desesperançada com as rotineiras crises econômicas que a cada três por quatro assolam a nação. Kirchner & Kirchner estão gestando outra grande debacle com uma inesgotável série de medidas "heterodoxas" que não são mais que insensatez. A manipulação dos índices de inflação é apenas a última delas. Outro dia li que, segundo as regras do novo índice, quando o preço de um produto sobe demasiado o mesmo é exluído do cálculo, com o argumento que o aumento de preço levará os consumidores a deixarem de comprar dito produto, portanto não deve influenciar o cálculo do índice. É literalmente inacreditável e se não tivesse lido numa publicação séria não teria dado crédito à notícia. Não posso pensar em argumento mais estúpido que este. Tampouco existe truque mais irrealista do que maquiar os dados da inflação, pois a mesma atinge diretamente o bolso do público. Bueno, K&K não parecem estar preocupados.
A realidade é que as centenas de milhares de emigrantes da América Latina que foram para a Europa nas últimas décadas o foram empurradas pela situação calamitosa em seus países. Porque escolheram emigrar para a Europa e não para outro país Latino Americano? Esta deveria ser a preocupação dos nossos presidentes. Hoje em dia nem dá mais para repetir a velha ladainha de que os países pobres são pobres porque os ricos vivem da exploração dos pobres, comprando baratas suas matérias primas. Desde Janeiro de 2003 o índice de preços de commodities, tanto minerais como agrícolas, medido por The Economist, praticamente triplicou. O preço do barril do petróleo quase decuplicou desde que o comandante Chavez desgoverna a Venezuela. Em boa parte a recente prosperidade de tantos países emergentes se deve ao aumento do preço dos produtos que exportam. É o oposto do que antes era identificado como causa do nosso atraso. Por lógica nossos países deveriam estar em crescimento imparável. A Venezuela deveria estar mais que bombando. No entanto a economiaVenezuelana está se desintegrando, depois de tanta besteira bolivariana. Se não fosse a bonança petrolífera o país estaria mais que falido. A Argentina está a um passo de uma grave crise. Cuba vive do subsídio do comandante Chávez.
Ao invés de nos preocuparmos com estes problemas, que aliás são a principal causa para a emigração do continente, tanto a legal como a ilegal, nossos líderes acham por bem se queixar da UE. Como se atrevem a punir os que infringem a lei?
Francamente, merecemos coisa muito melhor que isso!
A imigração é um tema fascinante e provavelmente no século XXI vai ter uma importância ainda maior, mas pelas razões opostas às que as pessoas costumam pensar. Talvez não esteja longe o momento em que os países vão competir para atrair imigrantes, tal como acontece com os trabalhadores melhor preparados, os "talentos". Pessoalmente sou a favor da maior liberdade possível para os movimentos migratórios, apesar de reconhecer que não dá para ser utópico e defender o fim das fronteiras - ou fazer de conta que os aspectos culturais não importam para o convívio social. Acho que a nova política da UE não é adequada aos interesses dos seus países membros. Mas hoje não quero escrever sobre isso. Apenas quero aproveitar a oportunidade para continuar o tema da semana passada, sobre os perfeitos idiotas latino-americanos.
O primeiro comentário é apenas uma formalidade, mas mesmo assim não posso evitá-lo. Não conheço nenhum país que não tenha leis sobre imigração. Duvido que haja algum. Portanto, se há leis o que se espera é que elas sejam cumpridas. Se não o são, tem que haver uma consequência. Isso é B-A-BA do Estado de Direito, a base de funcionamento das democracias. Não há ninguém nas chancelarias do Mercosul com suficiente simancol para perceber o ridículo que é protestar que a UE tenha sanções contra aqueles que infrigem suas leis? Nossos presidentes protestam que os ilegais sejam punidos. Como podem protestar que haja uma consequência para os que estão ilegalmente em outro país? É totalmente ilógico. Aliás, a primeira pergunta de todas deveria ser porque não aproveitam uma cúpula do Mercosul e protestam contra o governo Cubano que não permite a seus cidadãos emigrarem livremente se assim o desejarem? Mas esta é uma pergunta retórica, pois todos nós sabemos a resposta.
Ao longo do século passado, em vários momentos, Cuba, Venezuela e Argentina foram países que atrairam milhões de imigrantes, muitos dos quais espanhois. Estes emigrantes estavam tentando fugir de alguma ditadura, por exemplo os exilados da ditadura fascista do general Franco, ou iam em busca de melhor vida material. Iam fazer América. Emigravam, trabalhavam duro e conseguiam prosperar. Provavelmente a pergunta realmente relevante na América Latina seja: "porque hoje o fluxo é no sentido contrário"? Bueno, os coitados dos cubanos não podem cair fora, têm que aguentar o paraíso socialista sem dar pio. Mas como é possível que países que eram prósperos e atraíam imigrantes hoje estejam exportando gente?
Realmente seria muito chato ter que reconhecer que os cubanos que tiveram a sorte de poder escapar da ilha se mandaram por culpa da ditadura castrista e ou da pobreza. Mais chato ainda seria liberar a saída do país, o tal direito de ir e vir, e de repente haver um êxodo de cubanos tentando dar o fora. Em Cuba o risco do "último apaga a luz" não está longe da realidade.
Em mais de quinze anos vivendo na Europa tive a sorte de conhecer muitos venezuelanos, tanto residentes legais como ilegais, assim como de diferentes extrações sociais. Nunca conheci um imigrante venezuelano que falasse bem do comandante Chávez. Talvez haja. No entanto, muitos dos que chegaram nos últimos anos dizem abertamente que foram embora da Venezuela por causa do Chavez. Por vergonha, medo ou cansaço do besteirol bolivariano e do socialismo do século XXI. Que desagradável esta gente, não? Claro que as outras razões que motivam tantos latino-americanos a emigrar também são citadas, como a pobreza, a violència urbana, as falhas da justiça, a falta de perspectivas. Mas ainda nestes casos, de quem é responsabilidade de resolver ou ao menos atenuar estes problemas? Dos respectivos presidentes, pode ser?
A Argentina é outro caso dramático. Foi um dos países mais ricos do planeta a princípios do século passado e tem tudo para voltar a sê-lo, mesmo assim há filas inesgotáveis de argentinos tentando conseguir um passaporte europeu e pular fora quando possa. A maioria que encontrei pelo caminho se mostra cansada com os desatinos do peronismo e desesperançada com as rotineiras crises econômicas que a cada três por quatro assolam a nação. Kirchner & Kirchner estão gestando outra grande debacle com uma inesgotável série de medidas "heterodoxas" que não são mais que insensatez. A manipulação dos índices de inflação é apenas a última delas. Outro dia li que, segundo as regras do novo índice, quando o preço de um produto sobe demasiado o mesmo é exluído do cálculo, com o argumento que o aumento de preço levará os consumidores a deixarem de comprar dito produto, portanto não deve influenciar o cálculo do índice. É literalmente inacreditável e se não tivesse lido numa publicação séria não teria dado crédito à notícia. Não posso pensar em argumento mais estúpido que este. Tampouco existe truque mais irrealista do que maquiar os dados da inflação, pois a mesma atinge diretamente o bolso do público. Bueno, K&K não parecem estar preocupados.
A realidade é que as centenas de milhares de emigrantes da América Latina que foram para a Europa nas últimas décadas o foram empurradas pela situação calamitosa em seus países. Porque escolheram emigrar para a Europa e não para outro país Latino Americano? Esta deveria ser a preocupação dos nossos presidentes. Hoje em dia nem dá mais para repetir a velha ladainha de que os países pobres são pobres porque os ricos vivem da exploração dos pobres, comprando baratas suas matérias primas. Desde Janeiro de 2003 o índice de preços de commodities, tanto minerais como agrícolas, medido por The Economist, praticamente triplicou. O preço do barril do petróleo quase decuplicou desde que o comandante Chavez desgoverna a Venezuela. Em boa parte a recente prosperidade de tantos países emergentes se deve ao aumento do preço dos produtos que exportam. É o oposto do que antes era identificado como causa do nosso atraso. Por lógica nossos países deveriam estar em crescimento imparável. A Venezuela deveria estar mais que bombando. No entanto a economiaVenezuelana está se desintegrando, depois de tanta besteira bolivariana. Se não fosse a bonança petrolífera o país estaria mais que falido. A Argentina está a um passo de uma grave crise. Cuba vive do subsídio do comandante Chávez.
Ao invés de nos preocuparmos com estes problemas, que aliás são a principal causa para a emigração do continente, tanto a legal como a ilegal, nossos líderes acham por bem se queixar da UE. Como se atrevem a punir os que infringem a lei?
Francamente, merecemos coisa muito melhor que isso!
domingo, 22 de junho de 2008
ASAMG - Matar pai e mãe
Nesta semana terminei de ler o "Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano", de Plinio Apuleyo, Carlos Alberto Montaner e Alvaro Vargas Llosa. No começo do ano tinha lido o segundo volume, "A Volta do Idiota". Durante muito tempo tentei comprar ambos livros na Espanha, sem sucesso. Ambos estão esgotados. Em Outubro do ano passado encontei por acaso um exemplar de "El Regreso del Idiota", em castelhano, na Livraria Cultura em São Paulo. Comprei, mas só pude começar a ler em Janeiro. Em Fevereiro, pouco antes de voltar para a Europa, encontrei o primeiro livro, na sua sexta edição brasileira, também na Livraria Cultura. Comprei e trouxe comigo na bagagem. Terminei de ler estes dias.
O segundo livro (El Regreso) é mais interessante e mais inteligente que o primeiro. Talvez porque seja mais atual e trate de temas e personagens que andam pululando pelo cenário político e econômico latino-americano. O primeiro livro tem algumas passagens brilhantes, como o primeiro capítulo, outras hilariantes, como os comentários sobre o livro de Eduardo Galeano "As Veias Abertas da América Latina", ou preocupantes, como a análise sobre a Teologia da Libertação. Mas também é muito mais panfletário e em alguns momentos exagera a dose de panfletarismo. Muitos de nós tivemos nossos momentos de idiotice em algum momento da vida ("quem não foi socialista com vinte anos não tem coração; quem continua sendo aos quarenta não tem cérebro" já disse alguém algum dia). Um ataque muito violento a antigas crenças às vezes acaba tendo o efeito oposto ao desejado: buscamos argumentos, por fracos que sejam, para justificar o injustificável.
Se tivesse que recomendar alguma passagem em especial para o leitor brasileiro sem tempo ou vontade de ler as quase 700 páginas de ambas obras, não hesitaria em apontar o prefácio da edição brasileira para o primeiro livro, escrito por Roberto Campos. Nele há um resumo super-condensado das principais idéias. O ex-diplomata e político brasileiro, conhecido na década de 70 como Bob Fields (a tradução do seu nome para o inglês), era detestado pela esquerda. Ele fez carreira durante a ditadura militar, a qual apoiou e para a qual trabalhou. No entanto, um passado autoritário nao impede ninguém de ser culto, inteligente ou antenado com o que está acontecendo no mundo. O ex-senador Roberto Campos teve o grande mérito de ter sido ferrenho opositor da perfeita idiotice que foi a Lei de Informática na década de oitenta, quando a maioria dos nossos intelectuais era a favor desta bobagem. E acerta no alvo ao identificar os "ismos" que explicam o atraso latino-americano: nacionalismo, populismo, estatismo, estruturalismo e protecionismo.
Aqueles com mais tempo não deveriam deixar de ler o primeiro capítulo, "Retrato de Família". Nele os autores descrevem com maestria quem é esse personagem, o perfeito idiota latino-americano. Em que bobagens acredita, quem são seus ídolos, as desculpas que dão para a triste história de meio-século de ditadura e fracassos econômicos em Cuba, seu anti-americanismo, seu marxismo de manual e um largo etc. É impossível ler este capítulo e não identificar nele a descrição de alguns políticos que andam pelaí. Mais triste é reconhecer amigos ou familiares que padecem desta doença infantilizadora, profundamente emocional, que é um certo esquerdismo com sabor de anos cinquenta. Acreditam tão piamente em certas bobagens que não são capazes de olhar ao redor e ver o quanto a realidade desmente, um dia depois do outro, seus chavões. Aliás, este é o aspecto mais surpreendente do elenco de "idéias" defendidas pelos perfeito-idiotas: são as mesmas desde a primeira metade do século passado! Será que não se dão conta de que o mundo mudou neste meio-tempo?
Por fim recomendo a leitura do capítulo III, "A Bíblia do Idiota", sobre o livro de Galeano. "As Veias Abertas da América Latina" é um best-seller não só no nosso continente, mas também na Europa. A quantidade de bobagens que expressa é quase surreal. Mais surreal ainda é que continue sendo lido e admirado por tanta gente. Um dos comentários que me chamou a atenção e trouxe um sorriso aos meus lábios foi ver que Galeano argumentava, em 1971, que a América Latina teria 650 milhões de habitantes no ano 2000. Bueno, estamos em 2008 e a estimativa mais corrente é a de que sejamos cerca de 450 milhões de latino-americanos. É só um detalhe, é óbvio, que demonstra como a esquerda costuma exagerar nas suas projeções demográficas. Grave mesmo é sua argumentação contra qualquer política demográfica, pois teria como objetivo matar no útero de suas mães os potenciais futuros guerrilheiros latino-americanos! Estas e outras alucinações seriam risíveis, se não fossem ditas e levadas a sério.
Não é nenhum segredo que não sou esquerdista. Portanto não pode ser nenhuma surpresa que não comungue com as teses da esquerda em geral, da socialista e comunista em particular. Mas o nó da questão é que não existe uma só esquerda. Na semana passada o governo espanhol, liderado pelo Partido Socialista, eliminou o imposto sobre fortunas. Este é um tipo de esquerda que respeito, pois ao menos tem a coragem de superar idéias que na prática demonstraram que não funcionam. O problema de boa parte da esquerda latino-americana, a brasileira incluída, é o caduquismo, a defesa de idéias esclerosadas e que a realidade já cansou de desmentir. Essa gente realmente parece não se dar conta de que o mundo mudou e continua mudando.
Tenho minha tese a respeito. Não é original, porque muita gente já a formulou antes. A ditadura militar brasileira, além dos muitos males que provocou, teve um efeito secundário devastador: a perda de uma geração. Tanto no plano cultural como político, é normal que uma geração suplante a outra, em geral por oposição. Meus contemporâneos, gente que agora tem entre quarenta e cinquenta anos, viveu sua juventude em meio ao final da ditadura. Houve a anistia, o retorno dos exilados, a publicação de livros proibidos, a criação de novos partidos. Haviam passado quase vinte anos desde o golpe militar, mas do ponto de vista das idéias os que voltaram do exílio trouxeram consigo os velhos slogans da década de sessenta. O inimigo claro para minha geração era a ditadura, portanto naqueles tempos muitos de nós embarcamos sem nenhum espírito crítico nesta volta ao passado e adotamos de coração toda a parafernália intelectual da geração anterior. Em outras palavras, não houve conflito de gerações, não matamos pai e mãe. Isso explica como é possível que os velhos chavões dos anos cinquenta possam ter perdurado por tanto tempo.
Nós, os atuais quarentões, deveríamos ser os líderes culturais e políticos do Brasil atual. A triste verdade é que não somos. Não soubemos criar idéias novas. Quer absurdo maior que considerar o governador de São Paulo, José Serra, um setentão desta geração de exilados, como melhor candidato para suceder Lula? Ou que um Caetano Veloso ainda seja um referente cultural, quando é um avô? Minha geração precisa urgentemente encontrar seus próprios valores e matar de uma vez pai e mãe, inclusive porque atrás vêm os jovens de vinte e poucos anos e nós temos a obrigação de dar a eles idéias que possam combater e à sua vez possam matar a nós, seus pais e suas mães. Só assim o mundo evolui. Poderíamos começar enterrando de uma vez por todas o vasto repertório de bobagens dos perfeitos idiotas latino-americanos. Seria um excelente ponto de partida!
O segundo livro (El Regreso) é mais interessante e mais inteligente que o primeiro. Talvez porque seja mais atual e trate de temas e personagens que andam pululando pelo cenário político e econômico latino-americano. O primeiro livro tem algumas passagens brilhantes, como o primeiro capítulo, outras hilariantes, como os comentários sobre o livro de Eduardo Galeano "As Veias Abertas da América Latina", ou preocupantes, como a análise sobre a Teologia da Libertação. Mas também é muito mais panfletário e em alguns momentos exagera a dose de panfletarismo. Muitos de nós tivemos nossos momentos de idiotice em algum momento da vida ("quem não foi socialista com vinte anos não tem coração; quem continua sendo aos quarenta não tem cérebro" já disse alguém algum dia). Um ataque muito violento a antigas crenças às vezes acaba tendo o efeito oposto ao desejado: buscamos argumentos, por fracos que sejam, para justificar o injustificável.
Se tivesse que recomendar alguma passagem em especial para o leitor brasileiro sem tempo ou vontade de ler as quase 700 páginas de ambas obras, não hesitaria em apontar o prefácio da edição brasileira para o primeiro livro, escrito por Roberto Campos. Nele há um resumo super-condensado das principais idéias. O ex-diplomata e político brasileiro, conhecido na década de 70 como Bob Fields (a tradução do seu nome para o inglês), era detestado pela esquerda. Ele fez carreira durante a ditadura militar, a qual apoiou e para a qual trabalhou. No entanto, um passado autoritário nao impede ninguém de ser culto, inteligente ou antenado com o que está acontecendo no mundo. O ex-senador Roberto Campos teve o grande mérito de ter sido ferrenho opositor da perfeita idiotice que foi a Lei de Informática na década de oitenta, quando a maioria dos nossos intelectuais era a favor desta bobagem. E acerta no alvo ao identificar os "ismos" que explicam o atraso latino-americano: nacionalismo, populismo, estatismo, estruturalismo e protecionismo.
Aqueles com mais tempo não deveriam deixar de ler o primeiro capítulo, "Retrato de Família". Nele os autores descrevem com maestria quem é esse personagem, o perfeito idiota latino-americano. Em que bobagens acredita, quem são seus ídolos, as desculpas que dão para a triste história de meio-século de ditadura e fracassos econômicos em Cuba, seu anti-americanismo, seu marxismo de manual e um largo etc. É impossível ler este capítulo e não identificar nele a descrição de alguns políticos que andam pelaí. Mais triste é reconhecer amigos ou familiares que padecem desta doença infantilizadora, profundamente emocional, que é um certo esquerdismo com sabor de anos cinquenta. Acreditam tão piamente em certas bobagens que não são capazes de olhar ao redor e ver o quanto a realidade desmente, um dia depois do outro, seus chavões. Aliás, este é o aspecto mais surpreendente do elenco de "idéias" defendidas pelos perfeito-idiotas: são as mesmas desde a primeira metade do século passado! Será que não se dão conta de que o mundo mudou neste meio-tempo?
Por fim recomendo a leitura do capítulo III, "A Bíblia do Idiota", sobre o livro de Galeano. "As Veias Abertas da América Latina" é um best-seller não só no nosso continente, mas também na Europa. A quantidade de bobagens que expressa é quase surreal. Mais surreal ainda é que continue sendo lido e admirado por tanta gente. Um dos comentários que me chamou a atenção e trouxe um sorriso aos meus lábios foi ver que Galeano argumentava, em 1971, que a América Latina teria 650 milhões de habitantes no ano 2000. Bueno, estamos em 2008 e a estimativa mais corrente é a de que sejamos cerca de 450 milhões de latino-americanos. É só um detalhe, é óbvio, que demonstra como a esquerda costuma exagerar nas suas projeções demográficas. Grave mesmo é sua argumentação contra qualquer política demográfica, pois teria como objetivo matar no útero de suas mães os potenciais futuros guerrilheiros latino-americanos! Estas e outras alucinações seriam risíveis, se não fossem ditas e levadas a sério.
Não é nenhum segredo que não sou esquerdista. Portanto não pode ser nenhuma surpresa que não comungue com as teses da esquerda em geral, da socialista e comunista em particular. Mas o nó da questão é que não existe uma só esquerda. Na semana passada o governo espanhol, liderado pelo Partido Socialista, eliminou o imposto sobre fortunas. Este é um tipo de esquerda que respeito, pois ao menos tem a coragem de superar idéias que na prática demonstraram que não funcionam. O problema de boa parte da esquerda latino-americana, a brasileira incluída, é o caduquismo, a defesa de idéias esclerosadas e que a realidade já cansou de desmentir. Essa gente realmente parece não se dar conta de que o mundo mudou e continua mudando.
Tenho minha tese a respeito. Não é original, porque muita gente já a formulou antes. A ditadura militar brasileira, além dos muitos males que provocou, teve um efeito secundário devastador: a perda de uma geração. Tanto no plano cultural como político, é normal que uma geração suplante a outra, em geral por oposição. Meus contemporâneos, gente que agora tem entre quarenta e cinquenta anos, viveu sua juventude em meio ao final da ditadura. Houve a anistia, o retorno dos exilados, a publicação de livros proibidos, a criação de novos partidos. Haviam passado quase vinte anos desde o golpe militar, mas do ponto de vista das idéias os que voltaram do exílio trouxeram consigo os velhos slogans da década de sessenta. O inimigo claro para minha geração era a ditadura, portanto naqueles tempos muitos de nós embarcamos sem nenhum espírito crítico nesta volta ao passado e adotamos de coração toda a parafernália intelectual da geração anterior. Em outras palavras, não houve conflito de gerações, não matamos pai e mãe. Isso explica como é possível que os velhos chavões dos anos cinquenta possam ter perdurado por tanto tempo.
Nós, os atuais quarentões, deveríamos ser os líderes culturais e políticos do Brasil atual. A triste verdade é que não somos. Não soubemos criar idéias novas. Quer absurdo maior que considerar o governador de São Paulo, José Serra, um setentão desta geração de exilados, como melhor candidato para suceder Lula? Ou que um Caetano Veloso ainda seja um referente cultural, quando é um avô? Minha geração precisa urgentemente encontrar seus próprios valores e matar de uma vez pai e mãe, inclusive porque atrás vêm os jovens de vinte e poucos anos e nós temos a obrigação de dar a eles idéias que possam combater e à sua vez possam matar a nós, seus pais e suas mães. Só assim o mundo evolui. Poderíamos começar enterrando de uma vez por todas o vasto repertório de bobagens dos perfeitos idiotas latino-americanos. Seria um excelente ponto de partida!
domingo, 15 de junho de 2008
ASAMG - Quando o atraso e a liberação de verbas prevalecem
O bom senso por enquanto não prevaleceu. O velho truque de liberar verbas do orçamento para deputados da base aliada fez o resto. O Governo teve, nesta semana, uma primeira vitória na recriação do imposto do cheque. Esperemos que seja uma vitória de Pirro: "Mais uma vitória como esta, e estou perdido" é o que teria dito o general grego depois de vencer a batalha de Ásculo com enormes baixas. O fato da CSS ter sido aprovada na Câmara fará aumentar o debate, não só sobre este impostinho em concreto, mas sobre o sistema tributário em geral. A oposição está se posicionando contra a criação de novos tributos e empurrando o Governo e seus aliados para o incômodo papel de tributadores. PT, partido do tributo é um slogan que pode pegar, principalmente em ano de eleição.
Chega a ser incompreensível que o PT e o Governo estejam dispostos a entrar numa luta tão inglória como esta. A CSS é um impostinho - 10 bilhões de arrecadação é muito dinheiro, mas não é tanto assim. Seria cerca de 1,5% da arrrecadação federal deste ano. Ele tem as desvantagens da CPMF e não tem as suas qualidades: simplicidade e transparência. A demagogia de deixar isentos determinados setores da população vai tornar a arrecadação muito mais complicada e vai abrir uma enorme porta por onde passará a sonegação. Neste ano há récord de arrecadação e é realmente difícil vender a idéia de que não há dinheiro para a saúde. O que não há é competência administrativa no Governo Federal. Se tudo isto não bastasse, tem muito especialista dizendo que a CSS é inconstitucional, ou seja, há o risco de que se ela for aprovada e sancionada pelo presidente, no final acabe derrubada pelo STF.
Nós cidadãos e contribuintes o que deveríamos estar dizendo a nossos governantes, de qualquer nível de governo e qualquer partido, é que façam mais com menos dinheiro. Isso é ser bom administrador. Realizar mais gastando mais é algo que qualquer idiota sabe fazer. Não é preciso ser especialmente competente. O difícil é conseguir melhores resultados com os mesmos recursos - aliás, esta é a razão pela qual alguns executivos são muito bem pagos: eles conseguem resultados que outros não alcançam.
O debate está cada vez mais presente e é um divisor de águas: qual deve ser o tamanho da arrecadação fiscal? Para a vanguarda do atraso, os que pensam como se ainda estivéssemos na primeira metade do século passado, quanto mais melhor. O Estado provedor é quem deve resolver os problemas da sociedade, portanto não há limite para a tributação. Outros, entre os quais me incluo, vêm que a tributação no Brasil é extremamente alta, faz muito tempo que estamos acima de 40% do PIB. Portanto a conclusão lógica seria não aceitar nenhum imposto a mais. Não se trata apenas de querer pagar menos impostos e ao mesmo tempo exigir que os govenantes de turno façam mais com o que é arrecadado. Em outras palavras, não é só exigir mais eficiência dos governantes. Há também uma convicção que a partir de determinado ponto não adianta tributar mais porque a arrecadação não vai aumentar, só a sonegação. É muito provável que o Brasil já esteja nesta situação e não seria nenhuma surpresa se com menos impostos e menos alíquotas a arrecadação subisse a médio prazo.
O DEM parece ter percebido o filão e ataca com raiva. Talvez dessa maneira acabem exorcizando os pecados do seu passado e no futuro se tornem uma alternativa decente na qual votar. Minhas convicções democráticas me fazem torcer o nariz para um partido cuja origem é a Arena, o partido da ditadura militar. Mas que partido hoje em dia é um bom porto para os que defendem o liberalismo econômico? O PSDB poderia desempenhar este papel, mas precisaria perder a vergonha de defender suas idéias. Os tucanos estão contra a recriação do imposto do cheque. É um bom começo. Poderiam liderar o debate sobre a reforma tributária. A proposta do Governo não é ruim, mas é tímida e vai muito devagar. Seria preciso ser muito mais agressivo para desmontar tanto quanto possível o monstrengo criado pela Constituição de 88.
É difícil pensar em melhor oportunidade nos últimos 20 anos, tanto do ponto de vista político como econômico, para empreender a reforma fiscal. Se a guerra a favor e contra a CSS acabar desembocando num amplo debate sobre a reforma fiscal, todos sairemos ganhando. E se o bom senso e a ousadia prevalecerem, poderíamos até conseguir um milagre: menos impostos, como querem os liberais, e o mesmo nível de arrecadação que temos hoje em dia. A diferença estaria na maior eficiência econômica dos tributos, na menor sonegação e maior crescimento econômico.
Dá para ser otimista? Ou será que perderemos também esta grande oportunidade? Às vezes chego a acreditar que há razão para ter esperanças. Outro dia li na coluna do Kennedy Alencar, na Folha online, que o economista Luiz Gonzaga Belluzzo teria recomendado ao presidente Lula elevar o superávit das contas públicas a 5% do PIB. Não consigo me lembrar de nenhuma recomendação de política econômica feita pelo Belluzzo que tenha sido tão sensata e oportuna como esta. Quem te viu e quem te ve! O que me lembro bem é do monte de asneiras que os economistas heterodoxos, cepalinos, muitos deles da Unicamp ou da UFRJ propunham. Se eles foram capazes de criar e implantar uma megapicaretagem como o Plano Cruzado! É admirável que agora um dos mentores daquela patota proponha algo tão sensato! Deveria ser uma razão para pensar que talvez esteja caindo a ficha e que ainda haja esperanças de desmentir DeGaulle e que um dia o Brasil seja finalmente um país sério. Dá para fazer, mas não é compatível com cocorocadas como a CSS!
Chega a ser incompreensível que o PT e o Governo estejam dispostos a entrar numa luta tão inglória como esta. A CSS é um impostinho - 10 bilhões de arrecadação é muito dinheiro, mas não é tanto assim. Seria cerca de 1,5% da arrrecadação federal deste ano. Ele tem as desvantagens da CPMF e não tem as suas qualidades: simplicidade e transparência. A demagogia de deixar isentos determinados setores da população vai tornar a arrecadação muito mais complicada e vai abrir uma enorme porta por onde passará a sonegação. Neste ano há récord de arrecadação e é realmente difícil vender a idéia de que não há dinheiro para a saúde. O que não há é competência administrativa no Governo Federal. Se tudo isto não bastasse, tem muito especialista dizendo que a CSS é inconstitucional, ou seja, há o risco de que se ela for aprovada e sancionada pelo presidente, no final acabe derrubada pelo STF.
Nós cidadãos e contribuintes o que deveríamos estar dizendo a nossos governantes, de qualquer nível de governo e qualquer partido, é que façam mais com menos dinheiro. Isso é ser bom administrador. Realizar mais gastando mais é algo que qualquer idiota sabe fazer. Não é preciso ser especialmente competente. O difícil é conseguir melhores resultados com os mesmos recursos - aliás, esta é a razão pela qual alguns executivos são muito bem pagos: eles conseguem resultados que outros não alcançam.
O debate está cada vez mais presente e é um divisor de águas: qual deve ser o tamanho da arrecadação fiscal? Para a vanguarda do atraso, os que pensam como se ainda estivéssemos na primeira metade do século passado, quanto mais melhor. O Estado provedor é quem deve resolver os problemas da sociedade, portanto não há limite para a tributação. Outros, entre os quais me incluo, vêm que a tributação no Brasil é extremamente alta, faz muito tempo que estamos acima de 40% do PIB. Portanto a conclusão lógica seria não aceitar nenhum imposto a mais. Não se trata apenas de querer pagar menos impostos e ao mesmo tempo exigir que os govenantes de turno façam mais com o que é arrecadado. Em outras palavras, não é só exigir mais eficiência dos governantes. Há também uma convicção que a partir de determinado ponto não adianta tributar mais porque a arrecadação não vai aumentar, só a sonegação. É muito provável que o Brasil já esteja nesta situação e não seria nenhuma surpresa se com menos impostos e menos alíquotas a arrecadação subisse a médio prazo.
O DEM parece ter percebido o filão e ataca com raiva. Talvez dessa maneira acabem exorcizando os pecados do seu passado e no futuro se tornem uma alternativa decente na qual votar. Minhas convicções democráticas me fazem torcer o nariz para um partido cuja origem é a Arena, o partido da ditadura militar. Mas que partido hoje em dia é um bom porto para os que defendem o liberalismo econômico? O PSDB poderia desempenhar este papel, mas precisaria perder a vergonha de defender suas idéias. Os tucanos estão contra a recriação do imposto do cheque. É um bom começo. Poderiam liderar o debate sobre a reforma tributária. A proposta do Governo não é ruim, mas é tímida e vai muito devagar. Seria preciso ser muito mais agressivo para desmontar tanto quanto possível o monstrengo criado pela Constituição de 88.
É difícil pensar em melhor oportunidade nos últimos 20 anos, tanto do ponto de vista político como econômico, para empreender a reforma fiscal. Se a guerra a favor e contra a CSS acabar desembocando num amplo debate sobre a reforma fiscal, todos sairemos ganhando. E se o bom senso e a ousadia prevalecerem, poderíamos até conseguir um milagre: menos impostos, como querem os liberais, e o mesmo nível de arrecadação que temos hoje em dia. A diferença estaria na maior eficiência econômica dos tributos, na menor sonegação e maior crescimento econômico.
Dá para ser otimista? Ou será que perderemos também esta grande oportunidade? Às vezes chego a acreditar que há razão para ter esperanças. Outro dia li na coluna do Kennedy Alencar, na Folha online, que o economista Luiz Gonzaga Belluzzo teria recomendado ao presidente Lula elevar o superávit das contas públicas a 5% do PIB. Não consigo me lembrar de nenhuma recomendação de política econômica feita pelo Belluzzo que tenha sido tão sensata e oportuna como esta. Quem te viu e quem te ve! O que me lembro bem é do monte de asneiras que os economistas heterodoxos, cepalinos, muitos deles da Unicamp ou da UFRJ propunham. Se eles foram capazes de criar e implantar uma megapicaretagem como o Plano Cruzado! É admirável que agora um dos mentores daquela patota proponha algo tão sensato! Deveria ser uma razão para pensar que talvez esteja caindo a ficha e que ainda haja esperanças de desmentir DeGaulle e que um dia o Brasil seja finalmente um país sério. Dá para fazer, mas não é compatível com cocorocadas como a CSS!
quinta-feira, 29 de maio de 2008
ASAMG - Nenhum imposto a mais!
Leio nos jornais on-line sobre a batalha no Congresso Nacional em torno da recriação da CPMF, o imposto do cheque. Não acompanhei o assunto de perto, mas uma pesquisa na internet me ajuda a entender de onde vem o problema. Aparentemente há uma emenda constitucional, número 29, que destina mais recursos à área da saúde. Parte deste dinheiro viria do imposto do cheque. Com a extinção do mesmo, a regulamentação da emenda 29 ficou capenga. Não é que não haja recursos, pois o país continua batendo records de arrecadação fiscal. O que não haveria seriam recursos cativos suficientes. Então, o que fazer? Os cocorocos de sempre propõem recriar o imposto do cheque, numa versão muito piorada!
Este assunto é um típico exemplo do difícil que é mudar a mentalidade de muitos dos nossos políticos. É um conflito entre o atraso e a modernidade. A primeira pergunta que qualquer pessoa sensata faria seria: porque fixar numa emenda constitucional que determinadas quantias devam ser gastas num determinado setor? Será que não aprendemos nada com o desastre da educação? A Constituição fixou porcentagens mínimos para gastar-se em educação nos três níveis de governo. Qual foi o resultado vinte anos depois? A educação no Brasil continua sendo uma porcaria! Achar que problemas reais se resolvem com leizinhas, mesmo que a leizinha seja um artigo na Constituição, é mentalidade de burocrata. Os problemas da saúde ou de qualquer outro setor só se resolverão com trabalho e competência administrativa. Isso é o que mais nos falta, não leis, que temos mais do que de sobra.
Isso de resolver os problemas do Brasil criando leizinhas se parece muito com o filme "O Mago de Oz". Aos que não o viram, recomendo. Aos que não se lembram, recordo: a garota Dorothy vai buscar o Mago de Oz para levá-la de volta para casa em Kansas. Pelo caminho encontra um leão medroso, um espantalho sem cérebro e um homem de lata sem coração. Eles decidem acompanhá-la e fazer seus pedidos ao Mago. O leão decide pedir coragem, o espantalho inteligência e o homem de lata sentimentos. O Mago é um farsante, mas ele pode resolver o problema dos amigos de Dorothy. Ele dá ao leão uma medalha, pois quem ganha uma medalha na guerra é muito corajoso; ele dá ao espantalho um diploma (não me lembro se era de Doutor…), pois quem tem um diploma é inteligente; e ao homem de lata ele dá um certificado de filantropia, afinal quem é filantropo tem um bom coração. O que os nossos políticos querem fazer com a saúde é o mesmo, dar uma emenda constitucional, assim se resolvem as deficiencias da saúde!
O segundo problema nesta história é que a base do Governo tenha a coragem de querer criar um novo impostinho justo quando a arrecadação e o superávit fiscal são records, e isso já sem a CPMF! Insisto, dinheiro há, mas o Governo tem que fazer a sua tarefa, que é a de definir prioridades e depois explicar-se diante dos cidadãos. Aliás, não é só uma questão de prioridades, é sobretudo de eficiência. É preciso perguntar-se se o dinheiro que existe está sendo bem gasto.
Sem querer a oposição marcou um golaço quando o Senado votou contra a prorrogação da CPMF. O momento não poderia ter sido melhor: a contribuição foi extinta e a arrecadação continuou a subir. Não há melhor momento para eliminar impostos. Também mandou uma mensagem muito forte para o país: é possível andar na contramão da nossa tendência histórica de constantemente estar criando novos tributos. Neste sentido, esta poderia ser uma bandeira claramente diferenciadora entre gregos e troianos: uma oposição defendendo menos impostos e melhor gestão. O debate sobre a reforma tributária é a melhor oportunidade para ir por este caminho e pressionar o Governo para que a reforma seja mais ousada e mais rápida.
Por fim está o mérito da questão em si. O imposto do cheque era tecnicamente um mal imposto. Ressuscitá-lo seria um grande erro. Fazê-lo como se pretende, com uma alíquota menor, é pior ainda. Essa é outra mentalidade que precisa ser completamente varrida dos nossos hábitos. Os impostinhos são coisa de gentinha com titica na cabeça. Cada imposto implica em sistemas administrativos e trabalho extra tanto para quem paga como para quem recolhe. Portanto é muito melhor um único imposto com uma alíquota mais alta do que quatro ou cinco impostinhos com alíquotas baixinhas. A CPMF tinha um grande mérito: era muito simples e transparente, além de impossível de sonegar. A sua nova versão, a CSS é extremamente mais complicada, porque prevê isenção para determinadas faixas e com isso, além de complicar incrivelmente a arrecadação, abre também as portas para a sonegação. E se tudo isso não fosse suficiente, os especialistas argumentam que por ser um imposto em cascata, muito provavelmente seria derrubado pelo STF por inconstitucional.
O sistema tributário brasileiro é muito ruim. A Constituição de 1988 prestou um desserviço ao país neste capítulo. Uma parte importante da ineficiência econômica e da sonegação está diretamente ligada ao exagerado número de tributos. Menos imposto e mais simplicidade trariam mais racionalidade e eficiência econômica ao sistema. Não seria nenhuma surpresa se com menos impostos o Estado acabasse arrecadando mais. Não digo isso por convicção teórica ou ideológica, mas porque é a experiência de muitos países que simplificaram seu sistema tributário. Na Espanha isso aconteceu e a Agencia Tributaria hoje trabalha muito melhor do que quando vim morar aquí da primeira vez, em 1994.
A oposição tem a grande oportunidade de diferenciar-se do Governo no tema tributário. Além de atuarem no Congresso, podem trazer o debate à praça pública. "Nenhum imposto a mais!" deveria ser a ordem do dia. Não à CSS! Esperemos que prevaleça o bom senso e este impostinho nunca veja a luz do dia!
Este assunto é um típico exemplo do difícil que é mudar a mentalidade de muitos dos nossos políticos. É um conflito entre o atraso e a modernidade. A primeira pergunta que qualquer pessoa sensata faria seria: porque fixar numa emenda constitucional que determinadas quantias devam ser gastas num determinado setor? Será que não aprendemos nada com o desastre da educação? A Constituição fixou porcentagens mínimos para gastar-se em educação nos três níveis de governo. Qual foi o resultado vinte anos depois? A educação no Brasil continua sendo uma porcaria! Achar que problemas reais se resolvem com leizinhas, mesmo que a leizinha seja um artigo na Constituição, é mentalidade de burocrata. Os problemas da saúde ou de qualquer outro setor só se resolverão com trabalho e competência administrativa. Isso é o que mais nos falta, não leis, que temos mais do que de sobra.
Isso de resolver os problemas do Brasil criando leizinhas se parece muito com o filme "O Mago de Oz". Aos que não o viram, recomendo. Aos que não se lembram, recordo: a garota Dorothy vai buscar o Mago de Oz para levá-la de volta para casa em Kansas. Pelo caminho encontra um leão medroso, um espantalho sem cérebro e um homem de lata sem coração. Eles decidem acompanhá-la e fazer seus pedidos ao Mago. O leão decide pedir coragem, o espantalho inteligência e o homem de lata sentimentos. O Mago é um farsante, mas ele pode resolver o problema dos amigos de Dorothy. Ele dá ao leão uma medalha, pois quem ganha uma medalha na guerra é muito corajoso; ele dá ao espantalho um diploma (não me lembro se era de Doutor…), pois quem tem um diploma é inteligente; e ao homem de lata ele dá um certificado de filantropia, afinal quem é filantropo tem um bom coração. O que os nossos políticos querem fazer com a saúde é o mesmo, dar uma emenda constitucional, assim se resolvem as deficiencias da saúde!
O segundo problema nesta história é que a base do Governo tenha a coragem de querer criar um novo impostinho justo quando a arrecadação e o superávit fiscal são records, e isso já sem a CPMF! Insisto, dinheiro há, mas o Governo tem que fazer a sua tarefa, que é a de definir prioridades e depois explicar-se diante dos cidadãos. Aliás, não é só uma questão de prioridades, é sobretudo de eficiência. É preciso perguntar-se se o dinheiro que existe está sendo bem gasto.
Sem querer a oposição marcou um golaço quando o Senado votou contra a prorrogação da CPMF. O momento não poderia ter sido melhor: a contribuição foi extinta e a arrecadação continuou a subir. Não há melhor momento para eliminar impostos. Também mandou uma mensagem muito forte para o país: é possível andar na contramão da nossa tendência histórica de constantemente estar criando novos tributos. Neste sentido, esta poderia ser uma bandeira claramente diferenciadora entre gregos e troianos: uma oposição defendendo menos impostos e melhor gestão. O debate sobre a reforma tributária é a melhor oportunidade para ir por este caminho e pressionar o Governo para que a reforma seja mais ousada e mais rápida.
Por fim está o mérito da questão em si. O imposto do cheque era tecnicamente um mal imposto. Ressuscitá-lo seria um grande erro. Fazê-lo como se pretende, com uma alíquota menor, é pior ainda. Essa é outra mentalidade que precisa ser completamente varrida dos nossos hábitos. Os impostinhos são coisa de gentinha com titica na cabeça. Cada imposto implica em sistemas administrativos e trabalho extra tanto para quem paga como para quem recolhe. Portanto é muito melhor um único imposto com uma alíquota mais alta do que quatro ou cinco impostinhos com alíquotas baixinhas. A CPMF tinha um grande mérito: era muito simples e transparente, além de impossível de sonegar. A sua nova versão, a CSS é extremamente mais complicada, porque prevê isenção para determinadas faixas e com isso, além de complicar incrivelmente a arrecadação, abre também as portas para a sonegação. E se tudo isso não fosse suficiente, os especialistas argumentam que por ser um imposto em cascata, muito provavelmente seria derrubado pelo STF por inconstitucional.
O sistema tributário brasileiro é muito ruim. A Constituição de 1988 prestou um desserviço ao país neste capítulo. Uma parte importante da ineficiência econômica e da sonegação está diretamente ligada ao exagerado número de tributos. Menos imposto e mais simplicidade trariam mais racionalidade e eficiência econômica ao sistema. Não seria nenhuma surpresa se com menos impostos o Estado acabasse arrecadando mais. Não digo isso por convicção teórica ou ideológica, mas porque é a experiência de muitos países que simplificaram seu sistema tributário. Na Espanha isso aconteceu e a Agencia Tributaria hoje trabalha muito melhor do que quando vim morar aquí da primeira vez, em 1994.
A oposição tem a grande oportunidade de diferenciar-se do Governo no tema tributário. Além de atuarem no Congresso, podem trazer o debate à praça pública. "Nenhum imposto a mais!" deveria ser a ordem do dia. Não à CSS! Esperemos que prevaleça o bom senso e este impostinho nunca veja a luz do dia!
domingo, 25 de maio de 2008
ASAMG - Três ótimas notícias
Nesta semana o mundo ibero-americano recebeu três ótimas notícias. Numa época em que abundam os problemas é um alívio ver que a longo prazo o trabalho duro e a persistência em determinados objetivos acaba dando os resultados esperados.
Na segunda-feira a guerrilheira mais sanguinária das FARC, o grupo narco-terrorista que infelicita a Colômbia desde 1964, se entregou ao Governo. Nelly Ávila era a comandante da frente 47, uma das setenta frentes de combate em que está dividido este grupo esquerdista. Ela tinha substituido Iván Ríos, anterior comandante da frente 47 e que foi assassinado recentemente pelo chefe de sua segurança Pablo Montoya. Iván Ríos era um dos sete líderes máximos do grupo terrorista FARC. Pablo Montoya se entregou ao Governo e levou consigo o laptop de Reyes, contendo informações sobre a guerrilha.
Aparentemente Nelly, alias Karina, se entregou por estar cansada de tanta guerra e sem esperanças de êxito do projeto bolivariano das FARC. Isso é o que saiu publicado nos jornais. Sempre é sensato duvidar um pouco das versões oficiais. De qualquer maneira sua rendição é duplamente positiva: ao aderir ao plano de paz do governo colombiano, que limita em oito anos de prisão a pena para aqueles que se entregarem e confessarem seus crimes, ela está respaldando a iniciativa de entregar as armas. Por outro lado é um golpe duro para a frente 47, que se prevê que se desintegre, e para a moral dos demais guerrilheiros, cada vez mais baixa.
A segunda excelente notícia veio da França. Na terça-feira a polícia francesa prendeu o máximo responsável pelo grupo terrorista ETA num apartamento da cidade de Bordeaux. Com Francisco Javier Lopez Peña, alias Thierry, foram presas mais três pessoas. Horas mais tarde um quinto comandante terrorista era preso no País Vasco. As imagens televisivas de Thierry são assustadoras - ele tem toda a pinta de ser um desequilibrado emocional extremamente agressivo e perigoso.
ETA nasceu em 1959. Como no seu início suas ações iam dirigidas contra os homens da ditadura franquista, este grupo terrorista durante muito tempo contou com pelo menos alguma simpatia de democratas e opositores de regimes ditatoriais em geral. Em 1973 deu o seu golpe mais espetacular, assassinando em um atentado o Almirante Luis Carrero Blanco, então Presidente do Governo. O problema desses grupos terroristas é que, ainda que no seu nascimento haja algo de louvável em opor-se a ditaduras cruéis como a franquista, seu método - ações terroristas - é totalmente condenável. E a longo prazo nunca dá em coisa boa. Talvez as exceções sejam as guerrilhas que atuam em meio de uma guerra declarada e que ao final da mesma são absorvidas (e absolvidas) pelos ganhadores da guerra. Mas grupelhos terroristas escapam ao controle e são extremamente difíceis de erradicar.
ETA não é exceção. O regime franquista acabou pouco depois da morte do ditador. Desde 1977 a Espanha tem uma constituição democrática e o país consolidou uma democracia moderna onde há liberdade de organização partidária, liberdade de opinião e imprensa, eleições limpas, alternância no poder e o Estado de Direito funciona bastante bem. Mas ETA continua matando. Faz mais de uma década que não desperta nenhum tipo de simpatia da parte de nenhuma pessoa decente, porque está mais do que claro que são simplesmente criminosos fanáticos sem nenhum apreço nem pela vida alheia nem pelas mais elementares normas democráticas.
Derrotar o terrorismo pela via policial (ou militar) é difícil, lento e incerto. Nos últimos anos vários foram os membros do grupo terrorista presos, tanto em ações da polícia espanhola como em ações conjuntas com policiais de outros países europeus, principalmente franceses. Desde fora parece que a organização vai sendo debilitada. O golpe de terça feira foi bastante duro contra estes criminosos. Torçamos para que sirva para acelerar o fim dessa praga que infelicita a Espanha, principalmente no País Vasco.
A terceira boa notícia foi conhecida ontem e confirmada hoje: em 26 de Março deste ano Pedro Antonio Marín, alias Manuel Marulanda, alias Tirofijo morreu de infarte aos quase 78 anos. Tirofijo era o comandante máximo das FARC. Era um guerrilheiro profissional desde que tinha 18 anos e chefe das FARC desde sua fundação em 1964. A notícia em si não é nem boa nem ruim, por muito que alguém possa se alegrar com o fim de um criminoso. O aspecto bom da notícia é que a morte do seu fundador possa ser um golpe do qual a guerrilha não se recupere. Poderia ser a porta aberta à tão desejada paz no país Sulamericano. Seria o êxito da política de mão dura do presidente colombiano contra os narco-terroristas.
O governo de Álvaro Uribe tem colhido sucessivas vitórias no combate às FARC. Neste ano uma ação em solo equatoriano resultou na morte do número dois na hierarquia da guerrilha, Raul Reyes. Reyes também era um dos sete chefes máximos da guerrilha. Nessa ação foi apreendida abundante documentação sobre as entranhas do grupo. Recentemente a Interpol confirmou que os laptops de Reyes e seus guerrilheiros não tinham sido manipulados pelo governo colombiano. Esta informação põe em dificuldades o presidente Hugo Chávez da Venezuela, pois aparentemente há indícios de apoio político, logístico, armamentício e financeiro do governo bolivariano da Venezuela aos guerrilheiros colombianos.
Faz mais de dez anos que acompanho atentamente o que acontece na Colombia. Tenho amigos muito queridos neste país, que é também o meu preferido na América Latina. É lamentável que um povo tão amável seja castigado tão duramente por guerrilhas esquerdistas, narcotraficantes e pelo exército paralelo e ilegal dos paramilitares. A Colombia tem tudo para ser um país tão desenvolvido, tão próspero e tão democrático como a Espanha. Depois de mais de quatro décadas de conflitos, não é possível encontrar nada de positivo que tenha resultado das insurgências de esquerda e direita. Os criminosos, de um lado e do outro, só desgraçaram a Colombia. É muito triste. Torço para que os guerrilheiros se entreguem e para que o país possa superar tanta calamidade. Não me iludo quanto ao narcotráfico, porque este é um negócio de bilhões de dólares e onde há tanto dinheiro em jogo fica muito mais complicado combater a ilegalidade. Mesmo assim, não se pode desistir de aspirar a um futuro melhor. Desejo sorte ao governo de Uribe. Desejo sorte aos colombianos. Espero que em breve haja muitas boas notícias para comemorar!
Na segunda-feira a guerrilheira mais sanguinária das FARC, o grupo narco-terrorista que infelicita a Colômbia desde 1964, se entregou ao Governo. Nelly Ávila era a comandante da frente 47, uma das setenta frentes de combate em que está dividido este grupo esquerdista. Ela tinha substituido Iván Ríos, anterior comandante da frente 47 e que foi assassinado recentemente pelo chefe de sua segurança Pablo Montoya. Iván Ríos era um dos sete líderes máximos do grupo terrorista FARC. Pablo Montoya se entregou ao Governo e levou consigo o laptop de Reyes, contendo informações sobre a guerrilha.
Aparentemente Nelly, alias Karina, se entregou por estar cansada de tanta guerra e sem esperanças de êxito do projeto bolivariano das FARC. Isso é o que saiu publicado nos jornais. Sempre é sensato duvidar um pouco das versões oficiais. De qualquer maneira sua rendição é duplamente positiva: ao aderir ao plano de paz do governo colombiano, que limita em oito anos de prisão a pena para aqueles que se entregarem e confessarem seus crimes, ela está respaldando a iniciativa de entregar as armas. Por outro lado é um golpe duro para a frente 47, que se prevê que se desintegre, e para a moral dos demais guerrilheiros, cada vez mais baixa.
A segunda excelente notícia veio da França. Na terça-feira a polícia francesa prendeu o máximo responsável pelo grupo terrorista ETA num apartamento da cidade de Bordeaux. Com Francisco Javier Lopez Peña, alias Thierry, foram presas mais três pessoas. Horas mais tarde um quinto comandante terrorista era preso no País Vasco. As imagens televisivas de Thierry são assustadoras - ele tem toda a pinta de ser um desequilibrado emocional extremamente agressivo e perigoso.
ETA nasceu em 1959. Como no seu início suas ações iam dirigidas contra os homens da ditadura franquista, este grupo terrorista durante muito tempo contou com pelo menos alguma simpatia de democratas e opositores de regimes ditatoriais em geral. Em 1973 deu o seu golpe mais espetacular, assassinando em um atentado o Almirante Luis Carrero Blanco, então Presidente do Governo. O problema desses grupos terroristas é que, ainda que no seu nascimento haja algo de louvável em opor-se a ditaduras cruéis como a franquista, seu método - ações terroristas - é totalmente condenável. E a longo prazo nunca dá em coisa boa. Talvez as exceções sejam as guerrilhas que atuam em meio de uma guerra declarada e que ao final da mesma são absorvidas (e absolvidas) pelos ganhadores da guerra. Mas grupelhos terroristas escapam ao controle e são extremamente difíceis de erradicar.
ETA não é exceção. O regime franquista acabou pouco depois da morte do ditador. Desde 1977 a Espanha tem uma constituição democrática e o país consolidou uma democracia moderna onde há liberdade de organização partidária, liberdade de opinião e imprensa, eleições limpas, alternância no poder e o Estado de Direito funciona bastante bem. Mas ETA continua matando. Faz mais de uma década que não desperta nenhum tipo de simpatia da parte de nenhuma pessoa decente, porque está mais do que claro que são simplesmente criminosos fanáticos sem nenhum apreço nem pela vida alheia nem pelas mais elementares normas democráticas.
Derrotar o terrorismo pela via policial (ou militar) é difícil, lento e incerto. Nos últimos anos vários foram os membros do grupo terrorista presos, tanto em ações da polícia espanhola como em ações conjuntas com policiais de outros países europeus, principalmente franceses. Desde fora parece que a organização vai sendo debilitada. O golpe de terça feira foi bastante duro contra estes criminosos. Torçamos para que sirva para acelerar o fim dessa praga que infelicita a Espanha, principalmente no País Vasco.
A terceira boa notícia foi conhecida ontem e confirmada hoje: em 26 de Março deste ano Pedro Antonio Marín, alias Manuel Marulanda, alias Tirofijo morreu de infarte aos quase 78 anos. Tirofijo era o comandante máximo das FARC. Era um guerrilheiro profissional desde que tinha 18 anos e chefe das FARC desde sua fundação em 1964. A notícia em si não é nem boa nem ruim, por muito que alguém possa se alegrar com o fim de um criminoso. O aspecto bom da notícia é que a morte do seu fundador possa ser um golpe do qual a guerrilha não se recupere. Poderia ser a porta aberta à tão desejada paz no país Sulamericano. Seria o êxito da política de mão dura do presidente colombiano contra os narco-terroristas.
O governo de Álvaro Uribe tem colhido sucessivas vitórias no combate às FARC. Neste ano uma ação em solo equatoriano resultou na morte do número dois na hierarquia da guerrilha, Raul Reyes. Reyes também era um dos sete chefes máximos da guerrilha. Nessa ação foi apreendida abundante documentação sobre as entranhas do grupo. Recentemente a Interpol confirmou que os laptops de Reyes e seus guerrilheiros não tinham sido manipulados pelo governo colombiano. Esta informação põe em dificuldades o presidente Hugo Chávez da Venezuela, pois aparentemente há indícios de apoio político, logístico, armamentício e financeiro do governo bolivariano da Venezuela aos guerrilheiros colombianos.
Faz mais de dez anos que acompanho atentamente o que acontece na Colombia. Tenho amigos muito queridos neste país, que é também o meu preferido na América Latina. É lamentável que um povo tão amável seja castigado tão duramente por guerrilhas esquerdistas, narcotraficantes e pelo exército paralelo e ilegal dos paramilitares. A Colombia tem tudo para ser um país tão desenvolvido, tão próspero e tão democrático como a Espanha. Depois de mais de quatro décadas de conflitos, não é possível encontrar nada de positivo que tenha resultado das insurgências de esquerda e direita. Os criminosos, de um lado e do outro, só desgraçaram a Colombia. É muito triste. Torço para que os guerrilheiros se entreguem e para que o país possa superar tanta calamidade. Não me iludo quanto ao narcotráfico, porque este é um negócio de bilhões de dólares e onde há tanto dinheiro em jogo fica muito mais complicado combater a ilegalidade. Mesmo assim, não se pode desistir de aspirar a um futuro melhor. Desejo sorte ao governo de Uribe. Desejo sorte aos colombianos. Espero que em breve haja muitas boas notícias para comemorar!
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